21 Junho 2017
“Os santos estabeleceram a base da nossa fé através de suas ações individuais na defesa da fé e sendo exemplo do amor de Cristo. Da mesma forma, os novos "santos" de hoje são aqueles que cuidam da criação e não têm medo de defender o meio ambiente como um valor para o bem comum, se não como parte da criação de Deus por direito próprio. Segundo Francisco, "A redução de gases com efeito de estufa requer honestidade, coragem e responsabilidade" (Laudato Si', 169). Nós também podemos contribuir no cuidado com a criação no cotidiano escolhendo - e usando - nossa energia e nossos recursos com sabedoria”, escreve Michael Wright, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 17-06-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Michael Wright é autor dos livros '10 coisas que o Papa Francisco quer que você saiba sobre o meio ambiente' e 'Atualização católica: Papa Francisco e o meio ambiente' (10 Things Pope Francis Wants You to Know About the Environment e Catholic Update: Pope Francis and the Environment, ambos pela Liguori Publications). Funcionário da NASA, ele é formado em Ciências Espaciais e Tecnologia Espacial e lidera o ministério da justiça ambiental na Igreja Católica São João Batista em New Freedom, Pensilvânia.
Passaram-se dois anos do lançamento de 'Laudato Si', Sobre o Cuidado da Nossa Casa Comum', a primeira encíclica da história da Igreja Católica focada na ecologia e no cuidado com a criação. No entanto, nesses dois anos, não ficou totalmente claro que este documento tenha sido apreciado pela comunidade religiosa católica.
Assim como também não ficou clara a gravidade das questões sociais e ambientais sobre as quais o Papa Francisco discorre com eloquência, como a exploração dos recursos naturais, a nossa "cultura consumista do descarte" e as mudanças climáticas - um problema grave que já está impactando a vida de milhões de pessoas no mundo todo.
Dois anos depois, o cuidado com a criação destaca-se como um aspecto importante do ensino social católico nas organizações de justiça ambiental. Infelizmente, no entanto, parece que pouco mudou em relação aos católicos convencionais.
Das 177 dioceses dos EUA, apenas algumas delas realmente priorizaram a justiça ambiental e questões como a mudança climática, ou se esforçaram para reduzir o consumo de energia e de outros recursos. Embora algumas pessoas da Igreja reconheçam que cuidar do meio ambiente é uma questão de "vida", a instituição como um todo e suas estruturas mais notórias ainda precisam reconhecer essa conexão verdadeiramente.
Do mesmo modo, os líderes governamentais que promovem a exploração dos recursos naturais não foram rejeitados, supostamente por questões da economia e de empregos. Na verdade, afirmar que é pró-vida (sans Pró-ambiente) tornou-se o "teste decisivo" para que um candidato seja considerado qualificado para o cargo.
E ainda se duvida e até mesmo desafia as mudanças climáticas, como se as observações objetivas e os milhares de cientistas de todo o mundo estivessem de alguma forma enganados.
Como Francisco apontou em sua encíclica, o meio ambiente precisa ser protegido para proteger a própria vida. Além disso, ele deixa claro que não cuidar da criação de Deus é pecado.
É como a estranha dicotomia que ouvi em uma homilia: é difícil acreditar que um hospital que realiza abortos possa salvar uma vida em uma sala e tirar a vida em outra. Da mesma forma, os católicos parecem inconsistentes quanto ao respeito à vida humana e se opõem, ou simplesmente são indiferentes, à proteção dos próprios sistemas que sustentam a vida. Na verdade, a destruição do meio ambiente é como desligar aparelhos de manutenção da vida.
Será que é possível levar as palavras de Francisco tão a sério? Será que não importa se destruímos o ar, a água e as florestas por causa de empregos e da economia? Ou que o valor intrínseco da criação e sua conexão com a vida possam ser ignorados por causa dos nossos próprios interesses egoístas ou pelos dos grandes negócios?
Duvido que com a encíclica o Papa apenas queria oferecer uma boa leitura antes de dormir.
Pelo contrário, ela deve ser levada a sério em seu apelo a cada um de nós, incluindo nossos líderes, para respeitar a vida respeitando o meio ambiente e protegendo-o para as gerações futuras. Se nós, como cristãos, nos consideramos "pró-vida", devemos ser necessariamente pró-criação.
A mudança climática, particularmente, é uma questão grave que agora exige ação urgente, depois de anos de negligência desinformada e indiferença e de ter sido ativamente desafiada. Como afirmou Francisco: "O clima é um bem comum, que pertence a todos e destina-se a todos. A nível global, é um sistema complexo ligado a muitas das condições essenciais da vida humana" (Laudato Si', 23).
Nossa dependência de combustíveis fósseis está afetando a criação de Deus profundamente, colocando em risco o ambiente sustentável do qual depende toda a vida.
Infelizmente, a intenção agora declarada da administração Trump de retirar os EUA do acordo climático de Paris introduziu uma nova variável na equação climática. Ao descartar as mudanças climáticas e seus significativos impactos para a vida, o pequeno momentum que tinha se construído para promover soluções fica abafado, ao menos pelo governo federal dos EUA.
Além da dificuldade de enxergar longe, da irresponsabilidade e da imoralidade da saída que o presidente planeja, que mensagem transmite aos nossos jovens sobre responsabilidade social e ética e a quem não entende e nega a gravidade das mudanças climáticas? Que mensagem transmite sobre cuidados com a criação, o bem comum, a justiça ambiental e a importância do ambiente natural para a vida?
"O ritmo do consumo, o desperdício e a mudança ambiental", explica o Papa, "alargaram tanto a capacidade do planeta que o nosso estilo de vida contemporâneo, que é insustentável como está, só pode precipitar catástrofes, como as que já ocorrem de tempos em tempos em diferentes regiões do mundo. Os efeitos do desequilíbrio atual só podem ser reduzidos por meio da firmeza das nossas ações, aqui e agora" (Laudato Si', 161).
Proteger o meio ambiente é, de fato, um dos princípios fundamentais do ensino social católico, cujas origens estão na Escritura, nos apelos para fazer para os outros o que gostaríamos que fosse feito a nós mesmos, amar o próximo, alimentar os famintos e cuidar dos pobres, e promover o bem comum.
Ao cuidar do nosso meio ambiente e, em especial, do clima, nós não só ajudamos a protegê-lo para nós mesmos, mas também para os nossos filhos e para os mais vulneráveis - que sofrem os estragos do clima extremo em nosso próprio país, que já sofrem das secas, das enchentes e de fome em outros lugares do mundo. Se só focarmos nos nossos próprios interesses, como um estilo de vida consumista, estamos prejudicando nossos irmãos e irmãs que dependem de um ambiente saudável para sua própria sobrevivência.
Além do custo humano, Francisco ressalta que a natureza tem seu valor intrínseco. Deus criou o mundo natural e se revela através dele, e isso é motivo suficiente para apreciá-lo e preservá-lo. Como diz o Papa: "Ao enxergar a natureza apenas como fonte de lucro, a sociedade sofre sérias consequências... Completamente em desacordo com este modelo estão os ideais de harmonia, justiça, fraternidade e paz propostos por Jesus" (Laudato Si', 82).
Se realmente queremos ajudar os pobres e carentes, podemos reduzir as emissões que contribuem para as mudanças climáticas diminuindo nosso próprio uso de energia e nos posicionando contra políticas que apoiem o uso de combustíveis fósseis.
Os santos estabeleceram a base da nossa fé através de suas ações individuais na defesa da fé e sendo exemplo do amor de Cristo. Da mesma forma, os novos "santos" de hoje são aqueles que cuidam da criação e não têm medo de defender o meio ambiente como um valor para o bem comum, se não como parte da criação de Deus por direito próprio. Segundo Francisco, "A redução de gases com efeito de estufa requer honestidade, coragem e responsabilidade" (Laudato Si', 169).
Nós também podemos contribuir no cuidado com a criação no cotidiano escolhendo - e usando - nossa energia e nossos recursos com sabedoria.
"É necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos", escreveu o Papa. "Vivemos já muito tempo na degradação moral, baldando-nos à ética, à bondade, à fé, à honestidade... Uma tal destruição de todo o fundamento da vida social acaba por colocar-nos uns contra os outros na defesa dos próprios interesses, provoca o despertar de novas formas de violência e crueldade e impede o desenvolvimento duma verdadeira cultura do cuidado do meio ambiente." (Laudato Si', 229).
Que neste segundo aniversário de Laudato Si' aceitemos as palavras de Francisco para nossas vidas, pela própria vida.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
'Laudato Si' completa 2 anos: Será que levaram a sério as palavras de Francisco? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU