03 Agosto 2017
O dia 1º de agosto marcou o primeiro aniversário de Greg Burke e de Paloma García Ovejero como os porta-vozes da Santa Sé. Do lado positivo, eles estabeleceram uma relação construtiva baseada na confiança com os repórteres que cobrem o Vaticano, o que não é pouca coisa. Do lado negativo, nenhum deles é visto como figuras internas do Vaticano.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 01-08-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Embora não veremos em nenhum calendário oficial, o dia 1º de agosto marca um aniversário importante para o envolvimento do Vaticano com o mundo exterior, especialmente com a imprensa. Este dia marca exatamente um ano desde que o americano Greg Burke e a espanhola Paloma García Ovejero passaram a trabalhar como os principais porta-vozes da Santa Sé.
Burke e García Ovejero foram escolhas inovadoras. É a primeira vez que os dois cargos mais importantes do Vaticano para a relação com a imprensa são ocupados por não italianos, e é a primeira vez que os dois postos são encabeçados por leigos. Além disso, García Ovejero é uma das mulheres com maior visibilidade no Vaticano e a primeira a trabalhar como porta-voz do papa.
Qual o balanço a se fazer deste primeiro ano de trabalho?
Honestamente, não creio que eu seja a pessoa certa para fazer esta pergunta. Burke, experiente repórter da revista Time e da Fox News, é um velho amigo. García Ovejero é alguém que conheci e passei a admirar quando ela trabalhava para uma rádio espanhola que cobria o Vaticano, sem mencionar que é amiga pessoal de Inés San Martín, do Crux.
Dito isso, esforçar-me-ei para pôr de lado interferências pessoais e tentar explicar por que acredito em duas coisas: uma, que Burke e García Ovejero mudaram para melhor a relação do Vaticano com a imprensa e, dois, eles estão trabalhando abaixo do potencial real de cada um.
Primeiro, o lado positivo.
Quando comecei a cobrir o Vaticano 20 anos atrás, a Sala de Imprensa da Santa Sé parecia a Estrela da Morte para a maioria dos repórteres: repleta de pessoas de quem tínhamos medo e sempre vista mais como um impedimento para reportagens do que como uma fonte. Permanecíamos perseverantes porque era aí onde o lendário Joaquin Navarro-Valls se encontrava. Ninguém realmente via a Sala de Imprensa como um território amigo.
Este cenário começou a mudar sob o comando do Pe. Federico Lombardi durante a era Bento XVI e alcançou o seu ápice com Burke e García Ovejero. Ambos são jornalistas com longa experiência em cobrir o Vaticano, portanto sabem como é este trabalho. São amigos, simpáticos e acessíveis, exatamente o que se espera desse tipo de departamento.
Em diferentes sentidos, eles transformaram a Sala de Imprensa em algo parecido com uma família.
Eis um exemplo simples, porém relevador. Anualmente, na época do Natal, as figuras importantes do Vaticano tendem a receber inúmeros presentes de pessoas desconhecidas por eles, as quais em geral estão apenas buscando conseguir favores. Normalmente, no dia seguinte estes presentes vão para a lata do lixo. Burke e García Ovejero, no entanto, decidiram distribuí-los entre o restante da equipe da Santa de Imprensa, pessoas que, trabalhando em cargos mais baixos do Vaticano, geralmente são mal pagos e subestimados.
Em outras palavras, ambos possuem um toque humano sincero.
Eis um outro ponto positivo de Burke e García Ovejero: por terem trabalhado como jornalistas, são capazes de contatar repórteres com credibilidade quando o trabalho deles está sendo feito equivocadamente, quando está sendo injusto ou quando conta com erros óbvios. (Venho estando entre os que recebem este tratamento de Burke e, mesmo se não necessariamente concordei 100% com sua crítica, certamente a levei a sério.)
Antigamente, a mensagem inaudita no Vaticano quando um repórter aparecia era que ninguém iria se esforçar para fazê-lo se sentir acolhido. Hoje, Burke, García Ovejero e os demais da equipe projetam uma impressão diferente. A sensação é que o Vaticano compreende a importância da imprensa e que quer facilitar o nosso trabalho. Em particular, García Ovejero é conhecida por sua pontualidade na ética de trabalho: não faço ideia de quando ela dorme, mas não devem ser muitas horas.
Ou seja, em grande parte a dinâmica do “nós x eles” de antigamente se dissipou.
Além de tudo, Burke e García Ovejero são profissionais talentosos. Sabem o que fazem, trabalham duro e tentam ser responsivos em tempo real. Contam com um enorme reservatório de boa reputação, o que é um ativo sempre necessário na relação com a imprensa.
Agora, o lado negativo.
Para dizê-lo sem rodeios, nem Burke nem García Ovejero são percebidos como figuras internas do Vaticano. Os jornalistas os chamam quando precisam de algo com urgência, mas quando verdadeiramente querem saber o que o papa está pensando, nenhum deles é consultado. Por vezes, eles são surpreendidos com os mais recentes desdobramentos na Igreja tanto quanto o são os demais analistas.
Isto quer dizer que ambos sofrem do mesmo problema que sofre qualquer porta-voz sem um acesso direto ao chefe: frequentemente lhes pedem para explicar coisas que não necessariamente eles próprios entendem.
Além disso, por não serem vistos como pessoas internas dos espaços de decisão, não contam com uma grande capacidade de arrumar a casa. O verdadeiro problema nas comunicações vaticanas nunca foram as declarações formais feitas pela Sala de Imprensa, mas sim com os cardeais que dão entrevistas a jornais locais onde falam algo fora do script, dizem algo indevido ou acabam irritando outros.
Nem Burke tampouco García Ovejero são o tipo de pessoa que poderão chamar a atenção de prelados assim, coma plena confiança de que o papa iria apoiá-los.
De quem é a culpa?
Até certo ponto é de Burke e de García Ovejero, por serem demasiado legais. Eles são pessoas inclinadas a dizer sim quando a Igreja os chama, apesar do fato de que ambos sabem que as circunstâncias não são as ideais. Alguns profissionais poderiam dizer em ocasiões semelhantes: “Quer que eu faça isto? Então me dê o acesso e o poder de que preciso, ou encontre outra pessoa”.
Também é preciso culpar o Papa Francisco, pelo menos até certo ponto.
Apesar de adorar o tratamento que Francisco tem de grande parte da imprensa, não há sinais claros de que as relações dos meios de comunicação estejam sendo, realmente, uma prioridade neste papado. Se fosse, Burke e García Ovejero iriam ter uma linha de comunicação direta com o papa, eles iriam se reunir com regularidade para briefings privados e ambos seriam consultados com antecedência em decisões importantes sobre qual a resposta esperar e como lidar com ela. Certamente, Burke e García Ovejero têm a experiência suficiente para fazer um bom trabalho nesse tipo de situação.
Francisco, entretanto, até o momento não fez nenhum movimento brusco neste sentido.
Este quadro, não obstante, ainda é melhor do que o que certa vez tivemos, e por isso Greg Burke e Paloma García Ovejero merecem um “feliz aniversário” de quem alguma vez já pôs os dedos sobre um teclado ou falou a um microfone para cobrir a Santa Sé. Poderosos ou não, ambos são amigos da imprensa, e isso já é mais do que o suficiente.
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Uma avaliação do primeiro ano da atual equipe de comunicação do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU