28 Julho 2017
Rumores recentes circulando principalmente em blogues conservadores sugeriram que o Papa Francisco e o Arcebispo italiano Vincenzo Paglia criaram uma comissão secreta para reavaliar o ensinamento de "Humanae Vitae", encíclica de 1968 do Papa Paulo VI sobre controle de natalidade. Para começar, trazer a verdade do assunto à tona é na verdade mais fácil do que gerar teoria da conspiração.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 27-07-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
A terça-feira passada marcou o 49º aniversário de Humanae Vitae, a encíclica sobre controle de natalidade do Papa Paulo VI, o documento que gerou tanta controvérsia que ele não escreveu nenhuma outa encíclica nos dez anos restantes de seu pontificado.
Nos últimos meses, surgiram rumores, circulando principalmente nos blogues (conservadores) distorcendo o artigo de um jornalista italiano altamente respeitado sobre uma comissão "secreta" criada pelo Papa Francisco para reinterpretar o documento à luz da exortação apostólica do pontífice, Amoris Laetitia.
O Humane Vitae foi o primeiro documento papal desse tipo a falar de paternidade responsável, o que enfureceu várias pessoas. A encíclica também confirmou a decisão da Igreja de não permitir a contracepção artificial, fortemente rejeitada em muitos lugares.
De repente, a dissidência tornou-se uma questão prioritária. Em sua carta pastoral Human Life in Our Day, publicada quatro meses após a encíclica, a conferência dos bispos dos Estados Unidos chegou a apresentar normas para a dissidência lícita.
Voltando ao presente. Os boatos sugerem que uma comissão para revisar o documento foi criada por baixo dos panos pelo Papa Francisco e pelo Arcebispo italiano Vincenzo Paglia, que no ano passado foi nomeado pelo pontífice para ser líder da Academia para a Vida do Vaticano e Grão-chanceler do Pontifício Instituto João Paulo II.
Paglia negou a existência dessa comissão. Falando recentemente com o jornalista argentino Andrés Beltramo Álvarez, ele afirmou: "A comissão não existe, é tudo invenção".
Essa entrevista foi publicada on-line no jornal espanhol Alfa y Omega em 13 de julho, traduzida pelo próprio Paglia no Twitter.
Já na terça-feira a Radio do Vaticano publicou uma entrevista separada com o Padre Gilfredo Marengo, professor de antropologia teológica no instituto São João Paulo II em Roma. Respondendo às perguntas, ele disse que coordena um "grupo de pesquisa" sobre Humane Vitae, o que surpreendeu muita gente, já que os boatos justamente o identificam como líder da suposta comissão de "reinterpretação do documento".
Então eu peguei o telefone, liguei para o Pontifício Instituto João Paulo II e pedi para falar com ele.
Ele não estava, mas a pessoa que me atendeu repassou seu e-mail tranquilamente. Mandei um e-mail e recebi a resposta em menos de dez minutos.
Marengo disse que, juntamente com colegas, ele faz parte de um grupo de pesquisa sobre Humane Vitae, mas que "não tem nada a ver com 'outra versão da encíclica'".
Pelo contrário, o grupo está estudando arquivos e documentos preservados dessa época para reconstruir o processo de escrita por trás da encíclica.
"É um trabalho de investigação histórico-crítica. Nada mais", disse ele.
Enfatizando o que declarou à Rádio Vaticano, Marengo disse que não vê "necessidade nem benefício em reformar os ensinamentos de Humane Vitae: no início da entrevista, reconheço seu valor 'profético'".
Pelo que consta, o próprio papa Francisco não deixou qualquer indicação de ter uma intenção de mudar o ensino da Igreja a respeito de contracepção. Pelo contrário, ele já elogiou Humane Vitae várias vezes. Em uma entrevista para um jornal italiano em novembro de 2014, ele disse que a "genialidade de seu antecessor era profética".
"Ele teve a coragem de se opor à maioria, de defender a disciplina moral, de "frear" a cultura, de se opor ao neomalthusianismo [tanto] do presente [como] do futuro", afirmou.
Em 2015, durante sua visita às Filipinas, conversando com algumas famílias, ele partiu das declarações que havia preparado para elogiar novamente o antecessor, beatificado por ele em 2014.
"Ele teve força para defender a abertura à vida em um momento em que muitas pessoas estavam preocupadas com o crescimento populacional", disse Francisco. Ele também pediu que os sacerdotes fossem "muito generosos" ao ouvir confissões em casos individuais, ou seja, demonstrassem compaixão aos casais em controle de natalidade, mas não deixou dúvidas de que a regra geral católica não deve mudar.
Ele ainda promoveu o aspecto da parentalidade responsável da encíclica, dizendo que ser um "bom católico" não significa "procriar como coelhos".
Com base na entrevista de Marengo à Rádio Vaticano, teria sido fácil criar um artigo afirmando que Paglia estava mentindo, que realmente há um plano conspiratório de expurgar Humanae Vitae, jogar em uma manchete sensacionalista e voilà: surge uma nova febre na internet.
No entanto, parece que pegar o telefone e ir atrás dos fatos foi muito fácil.
(Na verdade, nesse caso só ligar com certeza já foi um exagero já que Andrea Gagliarducci da Catholic News Agency / EWTN News já havia feito o mesmo em meados de junho, durante outra explosão dos boatos sobre a "comissão secreta". Ele contatou Marengo e pediu que ele explicasse o que estava acontecendo, assim como eu essa semana.)
Talvez a moral da história seja esta: se os teóricos da conspiração dedicassem a mesma energia dessa ginástica mental e dos exercícios de ligar os pontos para reportar fatos, talvez eles soubessem o que se passa de vez em quando.
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Não, não há "comissão secreta" sobre Humanae Vitae - Instituto Humanitas Unisinos - IHU