17 Fevereiro 2012
Diante do que ele considera como uma cobertura midiática imprecisa ou tendenciosa, o Vaticano tradicionalmente adotou uma postura que poderia ser descrita como uma indiferença serena: "Esse assunto será esquecido amanhã, mas ainda estaremos aqui em mil anos", diria essa teoria.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 10-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Juntamente com esse elevado ponto de vista, encontra-se muitas vezes uma sabedoria de relações públicas um pouco mais suja: você corre o risco de dar asas a uma história simplesmente por responder a ela.
Tomadas em conjunto, essas precauções significaram historicamente que o Vaticano raramente responde a uma cobertura hostil, e, quando o faz, suas declarações públicas são geralmente lentas, comedidas e parcimoniosas (quando um furor eclodiu no início de 2010 sobre um suposto complô das autoridades vaticanas para sabotar um jornalista italiano chamado Dino Boffo, por exemplo, o Vaticano manteve um silêncio constante por 18 dias inteiros).
Ultimamente, no entanto, temos visto uma ruptura perante essa forma, já que o Vaticano, ao contrário, saiu atacando.
A ocasião foi uma enxurrada de notícias sobre supostos escândalos financeiros. Entre os dias 26 de janeiro e 9 de fevereiro, o Vaticano divulgou um total de quatro declarações separadas como resposta, totalizando quase 3.000 palavras de verborragia, oferecendo réplicas detalhadas, ponto a ponto, às principais acusações.
O round um começou no final de janeiro, quando o programa de TV italiano Os Intocáveis revelou cartas confidenciais do arcebispo italiano Carlo Maria Viganò ao Papa Bento XVI e ao secretário de Estado, cardeal Tarcisio Bertone. Nelas, Viganò se queixava da corrupção e do clientelismo nas finanças vaticanas, e de uma campanha de difamação destinada a desacreditar a ele e às suas tentativas de reforma.
Hoje núncio (ou embaixador) do papa nos Estados Unidos, Viganò era a autoridade número dois no governo da cidade-Estado do Vaticano na época.
Em resposta, o padre jesuíta Federico Lombardi divulgou um comunicado no dia 31 de janeiro, que foi seguido por uma declaração do dia 4 de fevereiro, por parte do ex e do atual presidentes da cidade-Estado, os cardeais Giovanni Lajolo e Giuseppe Bertello, juntamente com duas outras autoridades.
A essência de ambas as declarações era que o Vaticano continua comprometido com a glasnost financeira, e que as coisas não são tão ruins quanto as reportagens sobre a correspondência de Viganò.
Até agora, isso é muito do que se poderia esperar. O mais surpreendente do comunicado de Lajolo e Bertello, no entanto, não foi tanto as suas conclusões, mas sim o seu nível de detalhamento.
Alguns pontos de destaque:
Independentemente das opiniões sobre o seu conteúdo, o nível de especificidade é notável. Por exemplo, até mesmo cuidadosos observadores do Vaticano podem não ter tido o conhecimento de que a McKinsey and Company havia sido contratada para revisar as operações da cidade-Estado (um porta-voz da empresa, aliás, recusou um pedido do NCR para discutir os detalhes do projeto).
O round dois veio no dia 8 de fevereiro, quando um jornal italiano e o programa de TV Os Intocáveis divulgaram novas acusações de desvios financeiros.
Nesse caso, o escândalo inicialmente se centrava em quatro padres italianos, nenhum deles autoridades vaticanas, que supostamente possuíam contas no Instituto para as Obras de Religião (IOR, conhecido informalmente como o "Banco do Vaticano") e que foram investigados sob a acusação de lavagem de dinheiro.
A notícia do jornal parecia sugerir que o IOR havia sido cúmplice em atividades ilegais e se recusou a cooperar com as autoridades italianas. Ela também usou a palavra "acusado", no sentido de indiciado criminalmente, para se referir tanto ao presidente do IOR, o leigo italiano Ettore Gotti Tedeschi, quanto ao seu diretor, Paolo Cipriani (ambos foram postos sob investigação na Itália em 2010 por supostas violações dos protocolos europeus antilavagem de dinheiro.)
Por sua parte, o programa de TV denunciou que o IOR é um "banco off-shore", isento de supervisão reguladora; que uma nova lei sobre a reforma financeira decretada por Bento XVI no final de 2010 contém uma enorme lacuna, porque os delitos cometidos antes de abril 2011 não estão cobertos; e que o IOR recentemente transferiu grandes somas de bancos italianos para bancos estrangeiros, sugerindo que o IOR pretendia evadir-se do escrutínio das autoridades italianas.
O programa também entrevistou um procurador romano chamado Luca Tescaroli, que está investigando a morte de Roberto Calvi em 1982, um financista italiano conhecido como "Banqueiro de Deus" por suas estreitas relações com o Vaticano. Tescaroli queixou-se que três pedidos oficiais de informações enviados ao Vaticano nunca receberam uma resposta.
Em resposta, o Vaticano emitiu duas declarações separadas.
A primeira veio no dia 8 de fevereiro, em resposta ao artigo do jornal. Ela apresentou os seguintes pontos:
Menos de 24 horas depois, Lombardi despachou uma segunda resposta ponto a ponto ao programa de televisão. Seus destaques foram:
Com base em tudo isso, diz a declaração, o programa de TV foi "tendencioso e não contribuiu para uma imagem objetiva da realidade que descreve".
Deixemos de lado, por enquanto, os méritos das reportagens e das respostas vaticanas. O que explica a estratégia detalhada e combativa do Vaticano nessas histórias, em contraste com a sua postura laissez-faire normal?
Ao menos três fatores podem estar em ação.
Primeiro, há um forte sentido no Vaticano de que sua equipe está genuinamente comprometida com a reforma financeira, e que a decisão de Bento XVI de criar a nova Autoridade de Informação Financeira é um movimento histórico no sentido da transparência e da cooperação com as autoridades reguladoras internacionais. Mesmo que as reportagens condenatórias tenham divulgado, por exemplo, que a equipe e os assessores vaticanos estejam trabalhando nos bastidores para satisfazer os padrões "Moneyval", estabelecidos pelo Conselho da Europa em 1997, para combater a lavagem de dinheiro. Em outras palavras, há uma sensação de que o que deveria ser uma boa notícia está sendo deturpado.
Em segundo lugar, alguns dos empregados envolvidos nessas reformas tendem a ser ou bastante jovens, ou não italianos, ou ambos. Como resultado, eles tendem a ter um nível mais elevado de conforto com as relações midiáticas ao estilo do século XXI.
Em terceiro lugar, e talvez mais importante, a equipe vaticana percebe agora que há um alto preço real a ser pago pelas percepções de trapaças. Em setembro de 2010, investigadores italianos congelaram 30 milhões de dólares em ativos do IOR por operações consideradas suspeitas (esses ativos foram liberados em junho de 2011) e colocaram Gotti Tedeschi e Cipriani sob investigação. Essas medidas eram um claro tiro certeiro, sinais de uma nova disposição das autoridades seculares para desafiar o Vaticano por supostas transgressões.
Permitir que impressões negativas apodreçam quando a única consequência são manchetes negativas é uma coisa. Quando a apreensão de bens e as investigações criminais estão na linha do horizonte, no entanto, isso provavelmente pode produzir uma resposta mais agressiva por parte de qualquer um – até mesmo do Vaticano.
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Contra a má imprensa, o Vaticano sai atacando - Instituto Humanitas Unisinos - IHU