12 Julho 2016
Cada "perestroika" tem a sua "glasnost", a transparência que não esconde a crise e prepara e acompanha a reforma do sistema. O Vaticano não é a União Soviética, mas as analogias não faltam. E a reforma do Estado pontifício foi discretamente protegida, nos últimos anos, pelo porta-voz jesuíta Federico Lombardi (na foto, à direita). Que, em agosto, quando completar 74 anos, vai se aposentar, concluindo, assim, um ciclo aberto por Joseph Ratzinger, que culminou na sua renúncia ao pontificado, completado pelo início pirotécnico do pontificado de Jorge Mario Bergoglio.
A reportagem é da agência Askanews, 11-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Padre Lombardi será sucedido por Greg Burke (na foto, à esquerda), membro numerário do Opus Dei, assim como o histórico porta-voz de João Paulo II, Joaquín Navarro Valls. O jesuíta se aposenta durante o reinado do primeiro pontífice jesuíta da história, como prova do desejo do pontífice argentino de envolver todas as almas da Igreja na liderança do barco de Pedro.
Burke, ex-jornalista da Time e da Fox News, é estadunidense. A sua vice será Paloma García Ovejero (foto), espanhola, jovem correspondente da rádio dos bispos ibéricos, que ocupa o lugar vacante há algumas semanas deixado pelo padre Ciro Benedettini.
Ambos leigos, eles representam aquela internacionalização do Estado pontifício que levou à eleição do primeiro papa latino-americano. A dupla nomeação ocorre, talvez não casualmente, a poucos dias da conclusão do processo sobre a divulgação de documentos confidenciais do Vaticano (Vatileaks), fim de um obscuro confronto de poder, muito econômico e muito italiano, do qual um primeiro caso semelhante, nos últimos instantes do pontificado de Bento XVI, tinha sido o primeiro sinal. Novamente, o ciclo que se fecha.
Desse ciclo, Lombardi foi um protagonista fundamental. Natural de Cuneo, homem dotado de um senso de humor sutil, o sacerdote, nascido em Saluzzo em 1942, entrou no noviciado da província jesuíta de Turim em 1960. Formou-se em matemática, com doutorado em teologia na Alemanha. Foi ordenado em 1973. Sempre se caracterizou como um trabalhador reservado, mas incansável.
Homem-máquina da revista La Civiltà Cattolica, na qualidade de vice-diretor com o diretor Bartolomeo Sorge, provincial dos jesuítas italianos de 1984 a 1990, depois diretor dos programas da Rádio Vaticano, Lombardi, nos anos 2000, acumulou um impressionante número de cargos: diretor-geral da Rádio Vaticano, depois do Centro Televisivo Vaticano, por fim, exatamente há 10 anos, a partir do dia 11 de julho de 2006, porta-voz vaticano.
Se, nos anos passado, ele já tinha enfrentado com determinação problemas dilacerantes como as acusações contra a Rádio Vaticano por causa das ondas eletromagnéticas, batalha legal depois vencida pelo Vaticano, como rosto e voz da Santa Sé, Lombardi teve que enfrentar um dos períodos mais turbulentos da recente história da Igreja.
Do discurso de Bento XVI em Regensburg, que enfureceu os muçulmanos, aos desacordos com o mundo judaico por causa do dossiê lefebvriano, das "gafes" de Joseph Ratzinger, pontífice ao qual está ligado por uma profunda admiração, aos escândalos financeiros que investem ciclicamente o IOR, os imóveis da Propaganda Fide, os investimentos do Vaticano.
Ele se inclinou sem hesitação em favor da transparência no dossiê candente da pedofilia, ajudando nos bastidores para organizar uma histórica conferência sobre o tema hospedado pela Pontifícia Universidade Gregoriana.
Apaixonado pela história da resistência italiana, um estilo de vida quase rigidamente sóbrio (alguns lembram quando ele se recusava categoricamente a usar a primeira classe para as longas viagens de trem, embora custasse pouco mais do que a segunda), ele nunca deixou, muito antes da chegada do Papa Francisco, de dar o seu apoio à causa dos migrantes e dos refugiados, talvez ciente de quando atuou como pároco dos pobres imigrantes italianos na Alemanha.
Irônico, com uma linguagem às vezes complicada, uma capacidade totalmente jesuíta de contornar as perguntas pouco apreciadas, o padre Federico Lombardi, no entanto, desempenha com perfeição o desejo de Bento XVI (e de um componente, minoritário, do Vaticano) de não esconder os problemas, enfrentá-los abertamente, em diálogo, se necessário até mesmo duro, com a opinião pública. Confiante de que, como escreve São Paulo, a verdade nos torna livres.
Nas antípodas do "story telling", anti-"spin doctor" por excelência (ele prefere ser definido como "diretor da Sala de Imprensa vaticana" em vez de porta-voz), uma certa inclinação a nuançar os entusiasmos e desdramatizar as novidades, o jesuíta, porém, tem muita ideia muito precisa da comunicação, e a montante da relação entre a Igreja e a sociedade, o mundo, a modernidade.
Ele não dramatiza, mas também não esconde os problemas, não estigmatiza, mas também não tolera uma certa mundanidade muito romana e curial, responde a todos, do grande enviado de uma rede internacional até o último repórter. Às vezes, ele se irrita, mas não censura, não manipula a informação, deixa que as coisas amadureçam.
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A aposentadoria de Federico Lombardi, o porta-voz da "glasnost" vaticana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU