20 Julho 2017
“Esse é o caminho que, como Igreja, devemos percorrer, mesmo que para nós seja feio e nos machuque. Devemos mostrar a cara: o Senhor nos ensinou a não ter medo, ‘a verdade vos libertará’.” O padre jesuíta Hans Zollner, teólogo e psicólogo, dirige o Centro para a Proteção da Infância, da Universidade Gregoriana, e faz parte da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, desejado por Francisco. Máximo especialista vaticano em prevenção, dentre outros, ele cresceu em Regensburg.
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada por Corriere della Sera, 19-07-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Padre, qual é o caminho?
O advogado Ulrich Weber, que apresentou o relatório, foi encarregado pelo bispo de Regensburg, Rudolf Voderholzer, para lançar luz sobre todo o caso. Um bispo corajoso que também quis enfrentar fatos acontecidos há 80 anos. Agora ele vai ser abalado pelas polêmicas, mas, por outro lado, é isso que devemos fazer para sermos justos e fazer justiça às vítimas.
Aos crimes pedófilos, somam-se as vítimas de punições corporais. Como isso foi possível?
Eu não quero relativizar, cada caso é excessivo. Mas lembro que, há mais de 40 anos, dois dos meus colegas de aula no Ensino Fundamental me falavam dos tapas e das pancadas que haviam recebido naquela escola. Eu tinha ido para uma escola pública e não era muito melhor: uma vez, vi jogarem contra um dos nossos colegas um molho de chaves, com uma raiva e uma violência assustadoras, e tinha sido o vice-diretor da escola.
E o que aconteceu?
Nada. Naquela época, não era uma coisa habitual na sociedade, mas nem mesmo estranha. Se acontecia alguma coisa desse tipo, muitas vezes ninguém pensava em denunciá-lo, como aconteceria hoje. Os pais também sabiam disso.
Fala-se de mais de 500 casos e, em particular, de 67 abusos sexuais...
Eu não pude ler por inteiro as 440 páginas do relatório, mas, pelo que eu vi, entre os responsáveis, há tanto sacerdotes quantos educadores leigos...
No relatório, acusa-se o cardeal Gerhard Müller, quando ele ainda era bispo em 2010, por não ter feito o suficiente para chegar à verdade. Recentemente, o papa o substituiu na cúpula do ex-Santo Ofício. E alguns notaram a coincidência com a publicação iminente do relatório: tem alguma coisa a ver?
Eu realmente acho que não. O cardeal não teve o seu cargo renovado no fim do mandato de cinco anos. E, aliás, entre nós, na Alemanha, na imprensa e na opinião pública, já circulava há anos a acusação de ele não ter dado a luz verde à investigação e de não ter feito o que poderia ter feito.
E o que o senhor diz?
Que o cardeal Müller estava muito mais alinhado com a chamada “tolerância zero” do que se saiba ou se diga. Se um sacerdote como o Pe. Inzoli, na Itália, foi removido do estado clerical, isso se deve à sua ação. Nesses casos, ele quis ir até o fim e continuou nesse caminho com determinação. Os processos contra os padres pedófilos levavam muito tempo, e ele se queixava disso.
E as acusações contra Georg Ratzinger de ter dado as costas para os fatos?
O Mons. Ratzinger era o diretor do coro, não da escola. São duas coisas diferentes. Mas, muitas vezes, as coisas não são relatadas corretamente.
E, agora, o que vai acontecer?
Eu não sou profeta, mas o que aconteceu em 2010 demonstrou que a Igreja quer agir de forma séria e honesta. Todos os casos e os números foram postos sobre a mesa. Eles sabiam o que viria à tona. Demonstraram que não queriam mais fazer as coisas às escondidas, mas agir de forma transparente, olhar na cara daquilo que aconteceu no passado. E sabe o que aconteceu?
O quê?
Que os estudantes não diminuíram nos colégios. As pessoas, hoje, têm confiança no nosso compromisso, viram que aprendemos e agimos para prevenir qualquer forma de abuso. Eu conheço pais que viram a ação da Igreja e não transferiram os seus filhos para outro lugar. Veja, eu acho que, no médio e longo prazo, justamente essas investigações sobre o passado, a vontade de lançar luz sem medo tornarão credível o nosso compromisso com a prevenção.
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“A Igreja deve fazer justiça às vítimas e não ter mais medo.” Entrevista com Hans Zollner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU