06 Dezembro 2016
"Do que os religiosos devem abrir mão? Eles têm que aceitar que o casamento homossexual veio para ficar e é parte do direito civil. Eles têm de dizer abertamente que a discriminação contra pessoas LGBTQ em trabalhos não religiosos, na habitação e nos espaços públicos não é aceitável. Eles têm que concordar que todos os filhos de Deus têm dignidade humana e o direito de ser tratados de forma justa. Não deve ser tão difícil", analisa Thomas Reese, jesuíta e jornalista, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 01-12-2016. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Eis o artigo.
A luta de ativistas de direitos dos homossexuais e da liberdade religiosa tem sido apresentada como um jogo de soma zero no qual não é possível um meio-termo. Nesta disputa, os direitos dos homossexuais têm sido representados como direitos humanos inegociáveis de uma minoria perseguida, enquanto a liberdade religiosa tem sido descrita como uma proteção para os crentes contra o desrespeito a sua consciência e suas convicções.
Será que as últimas eleições oportunizam alguma negociação ou os adversários consolidarão ainda mais suas posições?
Esse conflito é tóxico, o que é triste, mas não surpreendente. Os gays sofreram muito com a violência, a discriminação e a perseguição nos Estados Unidos, muitas vezes com o respaldo de leis antigays. Pregadores cristãos apoiaram essa discriminação com discursos inflamados demonizando gays e destinando-os ao inferno. Só recentemente que os direitos homossexuais de viver em paz e atuar abertamente na sociedade foram reconhecidos. Apesar de terem adquirido o direito ao casamento, eles ainda são discriminados e vistos com desconfiança por muitos. Já que algumas igrejas gastaram milhões de dólares na luta contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, não é de se surpreender que os ativistas gays vejam os crentes religiosos como seus adversários.
Enquanto isso, por manterem as doutrinas de séculos atrás, as igrejas e os fiéis sentem-se difamados. Eles sentem que estão sendo forçados a violar suas consciências e crenças para acomodar a mudança de valores sociais. Agora, eles se consideram uma minoria perseguida no lado mais fraco de uma revolução cultural rejeitada por eles. Eles sentem que as suas instituições estão sendo ameaçadas por leis ou decisões judiciais que os obrigam a desrespeitar as suas crenças ou a perder o direito de atuação na sociedade.
Ativistas e lobistas de ambos os lados têm se preparado para lutar. De um lado, alguns Estados aprovam projetos de lei sobre direitos dos homossexuais que os crentes acreditam ameaçar suas instituições; de outro, outros Estados aprovam projetos de lei sobre liberdade religiosa que as pessoas LGBTQ acreditam que os trata como cidadãos de segunda classe.
Absolutistas de ambos os lados não estão dispostos a fazer concessões. A retórica política atingiu dimensões apocalípticas, e cada lado prevê grandes catástrofes caso percam as batalhas. Embora seja uma boa estratégia de ativistas de ambos os lados para levantar fundos, isso dificulta a solução do conflito.
No lado dos direitos dos homossexuais, até pouco tempo atrás, havia pouco incentivo para conciliação. Eles haviam vencido a batalha do casamento entre pessoas do mesmo sexo, e as pesquisas de opinião pública continuaram favorecendo-os, especialmente entre os jovens adultos. Eles aguardavam outra vitória, na Casa Branca, com a eleição de Hillary Clinton.
O furacão republicano deve fazer com que os ativistas dos direitos homossexuais deem uma pausa. Com as lideranças republicanas do Congresso e da Casa Branca, dificilmente haverá qualquer legislação ou regulamentação a favor dos homossexuais. Por mais que Trump não pareça ser homofóbico, ele tem indicado para o seu governo pessoas que gostariam de reverter os ganhos da comunidade gay, cuja expansão de direitos certamente é vista com maus olhos por suas nomeações judiciais. Embora ele não deva pressionar por uma reversão dos direitos dos homossexuais, é provável que Trump aprovará qualquer legislação sobre liberdade religiosa recebida do Congresso republicano.
Governadores republicanos e o poder legislativo do Estado não impulsionarão a agenda gay e podem inclusive tentar enfraquecê-la.
O melhor que eles podem esperar é a manutenção do status quo. Mas é bem provável que haverá retrocessos em alguns pontos. Será que isso vai encorajar a comunidade gay a fazer concessões ou vai fazê-los travar uma luta ainda maior?
A derrota de Hillary Clinton e o sucesso de candidatos republicanos em todo o país alegra os defensores da liberdade religiosa pelos mesmos motivos que entristece os homossexuais. O perigo é que eles considerem isso uma rejeição total da agenda homossexual e vejam como uma oportunidade de reafirmar seu poder. Mas seria um erro muito perigoso se eles passassem dos limites.
É preciso lembrar das pesquisas que mostram uma crescente aceitação dos homossexuais, especialmente entre os jovens. Além disso, a comunidade corporativa tem se mostrado aberta a usar seu poder econômico para pressionar estados como a Indiana a reverter a legislação sobre liberdade religiosa, caso ela seja contrária aos direitos dos gays.
Além disso, não esqueçamos que Donald Trump diz que o casamento entre pessoas do mesmo sexo veio para ficar. Ele inclusive falou sobre proteção aos cidadãos LGBTQ, em seu discurso de aceitação na Convenção Republicana, a primeira de um candidato republicano. Enquanto o Congresso e sua administração contará com muitas pessoas declaradamente contra os direitos dos homossexuais, essa oposição não é prioridade para Trump. E se a história continuar se repetindo, os democratas estarão de volta à Casa Branca em quatro ou oito anos.
Ambos os lados deste conflito têm um futuro incerto, o que representa uma oportunidade ideal para discutir sobre conciliação no país. Arrastar a luta pode até manter o emprego dos ativistas e seus advogados, mas não proporciona uma solução pacífica e estável para as questões que estão em jogo. Isso exigiria que ambos os lados aceitassem progressos graduais em vez de aguardar pelo mundo perfeito.
O que seria uma conciliação? Grosso modo, compreenderia leis não discriminatórias para os homossexuais e, ao mesmo tempo, algumas exceções para os fiéis e as instituições religiosas. As pessoas não poderiam ser discriminadas por sua identidade ou orientação sexual em relação a emprego, habitação e locais públicos, mas as instituições da Igreja continuariam tendo o direito de empregar e servir com base em suas afirmações religiosas.
A igreja Mórmon e a comunidade homossexual conseguiram entrar em um consenso em Utah, onde há uma lei que proíbe a discriminação em relação a empregabilidade e a habitação, mas não em espaços públicos.
Um consenso viável tornaria ilegal a discriminação a homossexuais por grandes empresas no trabalho ou em serviços, mas não por instituições religiosas e pequenas empresas familiares.
Os ativistas dos direitos homossexuais alegam que a discriminação contra os gays é semelhante à discriminação contra os negros e, portanto, é impossível fazer concessões. Isso mostra um desconhecimento da história da legislação dos direitos civis. Para que as leis dos direitos civis fossem aprovadas, frequentemente incluíam-se exceções limitadas. O melhor exemplo é a chamada Mrs. Murphy, uma exceção ao Fair Housing Act (Lei da Moradia), de 1968. Ela prevê que, em casas com quatro ou menos unidades de aluguel, quando o proprietário mora em uma dessas unidades, a casa está isenta do Fair Housing Act (FHA).
O que as conciliações podem propiciar aos homossexuais? Os gays podem proibir a discriminação, através de legislação nacional, em quase todas as esferas do trabalho, da habitação e dos espaços públicos. Um pouco é melhor do que nada. Além disso, eles podem conquistar pessoas com sua vitória, sabendo que o verdadeiro desafio não é aprovar uma lei específica, mas fazer com que a maioria das pessoas reconheça que eles devem ser tratados com respeito. Enquanto eles forem vistos em posição de ataque à religião, encontrarão oposição de pessoas para quem a religião é crucial.
A maioria dos gays não vai querer uma empresa homofóbica para prestar serviços em seu casamento. A maioria dos gays não vai querer alguém que não acredita no casamento gay como conselheiro matrimonial. A maioria dos gays aceitaria estas exceções, mas, infelizmente, os ativistas não querem entrar em um consenso.
Do que os religiosos devem abrir mão? Eles têm que aceitar que o casamento homossexual veio para ficar e é parte do direito civil. Eles têm de dizer abertamente que a discriminação contra pessoas LGBTQ em trabalhos não religiosos, na habitação e nos espaços públicos não é aceitável. Eles têm que concordar que todos os filhos de Deus têm dignidade humana e o direito de ser tratados de forma justa. Não deve ser tão difícil.
O que eles ganham? Mais certeza do que é legal ou ilegal. Poder gerir suas instituições de acordo com suas crenças, sem interferência do Estado ou medo de sofrer um processo. Exceções claras que protegem a liberdade institucional. Não serem mais considerados homofóbicos.
Os detalhes do acordo precisam ser negociados, e os resultados podem ser diferentes em diferentes localidades. Quais devem ser as pequenas empresas familiares isentas? O quão pequenas elas devem ser? E se um determinado funcionário não tiver consciência? E se não houver uma empresa alternativa ou funcionário disponível para atender o homossexual? No caso de floriculturas e confeitarias, a isenção deve abranger somente casamentos entre pessoas do mesmo sexo ou também outras compras? As isenções para instituições religiosas devem abranger todos os funcionários, incluindo zeladores, ou apenas "ministros" e pregadores? A questão dos banheiros e vestiários para transexuais pode ser adiada?
A Igreja Católica deve tomar a frente para que se estabeleça um acordo. É constrangedor ver que a igreja Mórmon esteja sendo mais flexível nessas questões do que os bispos católicos.
Não devemos nos surpreender se a primeira resposta a esse convite seja negativo por parte de grupos ativistas gays, como a Human Rights Campaign. Apesar disso, os bispos devem aproximar-se dos grupos gays locais, bem como dos legisladores federais e locais, para ver se há alguma possibilidade de acordo.
Principalmente em estados onde os republicanos venceram, já que lá os grupos de homossexuais são fracos e o apoio da Igreja Católica seria muito apreciado. Nesses estados, políticos moderados e empresários prezariam pelo amparo que a Igreja poderia proporcionar. Consequentemente, os defensores dos direitos dos homossexuais podem estar mais abertos a negociações nesses estados, que poderiam tornar-se modelos para o resto do país.
As últimas eleições presidenciais podem colocar ambos os lados do conflito contra a parede, o que seria trágico. Ou os dois lados podem vê-las como uma oportunidade de progredir na solução de questões que têm dividido o país amargamente. Vamos orar pela segunda opção.
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Hora de direitos dos homossexuais e liberdade religiosa fazerem concessões. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU