09 Junho 2015
A homossexualidade, exatamente como a heterossexualidade, é apenas uma orientação sexual. É um modo de ser e de amar. Algo que não se escolhe, não se muda, não se cura. Porque não há nada de que se curar ou para curar. Há apenas algo para se reconhecer e se aceitar.
A opinião é da filósofa italiana Michela Marzano, professora da Universidade de Paris V - René Descartes. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 05-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Enquanto na catolicíssima Irlanda foram uma avalanche os "sim" ao casamento gay, na Itália, tudo permanece terrivelmente imóvel. Ao contrário, talvez até piora. Como se o reconhecimento progressivo da necessidade de respeitar cada um de nós por aquilo que é, fosse intolerável.
E o é para aqueles que, em vez de se abrirem à tolerância, utilizam a fé para impor a todos um rígido "dever ser". Não só então, depois do referendo, foi preciso assistir ao lacônico comentário do cardeal Parolin, secretário de Estado vaticano, que não hesitou em falar de uma "derrota da humanidade".
Mas, nestes dias, também parece voltar à tona a absurda ideia da possibilidade de curar a homossexualidade. "Deixem-se ajudar pelo Senhor. Vocês não são gays, mas apenas pessoas com um problema", ouve-se do Centro de Espiritualidade Sant'Obizio, como contou o jornal La Repubblica. A homossexualidade como doença a se erradicar, uma ferida a se curar, um problema a se resolver. Para poder voltar, assim, à normalidade, retomando a masculinidade e a feminilidade.
Mas do que estamos falando exatamente? Quem deveria se curar exatamente de quê? Porque já sabemos muito bem que a homossexualidade, exatamente como a heterossexualidade, é apenas uma orientação sexual. É um modo de ser e de amar. Algo que não se escolhe, não se muda, não se cura. Porque não há nada de que se curar ou para curar. Há apenas algo para se reconhecer e se aceitar. Algo que faz parte da própria identidade, aquela com a qual, mais cedo ou mais tarde, todos devemos fazer as contas, mesmo quando há coisas que gostaríamos que fossem diferentes, coisas que talvez não suportamos em nós mesmos, coisas com as quais, porém, não podemos fazer nada mais do que conviver.
Mas isso, justamente, diz respeito tanto aos homossexuais quanto aos heterossexuais. Sem que ninguém venha nos explicar que, quando crianças, algo não funcionou. Um pai distante ou uma mãe ausente. Um pai severo ou uma mãe assediante. Até porque, quando éramos crianças, seguramente algo não funcionou para cada um de nós. E não é culpa de ninguém. É a vida. E assim caminham as coisas.
E, no fundo, tudo bem. Contanto que, depois, não haja aqueles que, até com as melhores intenções – mas, sabemos, o inferno está cheio de melhores intenções –, intervêm para nos fazer sentir culpados, acrescentando assim mais sofrimento ao sofrimento que, talvez, já se viveu. Mais uma vez, independentemente do fato de sermos homossexuais ou heterossexuais.
"A cura depende de como abrimos o nosso coração para Jesus", dizem ainda os líderes do grupo Lot de Sant'Obizio. Mas quem fecha o próprio coração para Jesus? Quem não faz nada mais do que reconhecer o que é e de quem ama – pedindo aos outros respeito, aceitação, reconhecimento e direito de existir assim como é – ou quem decide quem isso não está certo, que é preciso mudar, que é preciso se esforçar, que basta um pequeno sacrifício e, então, tudo volta para o lugar?
É difícil de se aceitar quando, ao nosso redor, há apenas comiseração. É difícil até mesmo se confrontar com as palavras que se encontram no Evangelho, onde, no fundo, é sempre uma questão de inclusão e de caridade, quando se sente invocar, em nome da fé, a "derrota da humanidade" ou a "abominação" da própria doença.
Mesmo que, obviamente, não haja nada para se reparar ou se corrigir. Exceto, talvez, o olhar julgador daqueles que, esquecendo até mesmo a piedade, nos pede para sermos diferentes daquilo que somos.
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Hetero ou gay, o verdadeiro amor não precisa ser curado. Artigo de Michela Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU