24 Agosto 2016
No Pará, a briga de quilombolas pela posse de terras esbarra em interesses da Mineração Rio do Norte e na postura do Instituto Chico Mendes, investigado pelo Ministério Público por suspeita de negligenciar as comunidades
No meio da Amazônia, encravado no tapete verde-escuro da floresta que recobre o município de Oriximiná, no Pará, existe um aglomerado urbano como nenhum outro. Na vila de Porto Trombetas, ao contrário do que ocorre nos povoados do entorno, ninguém está preocupado com a hora em que a castanha vai cair do pé, com o roçado da mandioca ou com o moqueio do peixe para o almoço.
A reportagem é de Ana Mendes e Tomás Chiaverini, publicada por Agência Pública, 22-08-2016.
Ali, a preocupação maior é arrancar bauxita de debaixo da floresta da forma mais rápida, eficiente e rentável possível. Derrubar árvores e abrir valas até chegar à terra vermelha que esconde o alumínio. Depois operar escavadeiras, supervisionar esteiras e carregar os navios graneleiros que zarpam continuamente, levando o minério para ser transformado em computadores, celulares, panelas, latas, esquadrias e tantos outros produtos sem os quais quase ninguém é capaz de viver.
A preocupação dos 6 mil moradores de Porto Trombetas, funcionários ou parentes de funcionários da Mineração Rio do Norte (MRN), traduz-se em recordes de produção. O último, do ano passado, foi de 18,3 milhões de toneladas embarcadas, que se converteram num lucro líquido de R$ 361 milhões.
Essa riqueza, que se avoluma desde que a mineração chegou por lá, no fim da década de 1970, tem causado impactos irreversíveis numa região de rica biodiversidade, secularmente habitada por quilombolas. Descendentes de escravos fugidos que, nos idos do século 18, se estabeleceram às margens do rio Trombetas e há décadas brigam pela posse daquelas terras.
Uma briga cujo maior obstáculo está, atualmente, no posicionamento do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Subordinado ao Ministério do Meio Ambiente, o órgão é responsável por duas unidades de conservação que se sobrepõem ao território das minas e dos quilombos: a Floresta Nacional de Saracá-Taquera (Flona) e a Reserva Biológica do Rio Trombetas (Rebio), como indica o mapa abaixo.
Legalmente, essas áreas de preservação não podem ter um proprietário privado, o que inviabiliza a posse de terras aos quilombolas. O ICMBio, contudo, pode ter ido além das questões legais, tomando atitudes que, em última instância, negligenciam a existência das comunidades e favorecem a MRN. De acordo com documentos obtidos com exclusividade pela Pública, o Ministério Público Federal (MPF) de Santarém iniciou uma investigação, que corre em segredo de justiça, para apurar a conduta da instituição.
Mapa da região percorrida pela reportagem da Pública (Arte: Caco Bressane)
O pedido oficial de titulação das terras quilombolas denominadas Alto Trombetas e Alto Trombetas II ocorreu em 2004. Mas, diante da sobreposição com a Flona e com a Rebio, pouco foi feito por quase uma década. Até que, em 2013, o MPF de Santarém entrou com uma ação contra o governo federal, requerendo a solução do imbróglio fundiário.
A Justiça deu sentença favorável ao Ministério Público em fevereiro do ano passado e estabeleceu prazo de dois anos para que a demanda dos quilombolas seja atendida. O não cumprimento da decisão prevê multa de R$ 2 mil por dia de atraso. Ainda cabe recurso, mas o tempo está correndo: a União tem até fevereiro de 2017 para encontrar uma forma de transformar os negros do rio Trombetas em donos das terras.
Enquanto isso, a MRN segue batendo recordes de produção, o que a faz desmatar vastas áreas de floresta. Esse processo, mesmo ocorrendo dentro da Flona de Saracá-Taquera, é legal, mas deve obedecer a uma série de regras. A fiscalização fica a cargo do ICMBio e do Ibama, que fornecem autorizações de “supressão vegetal”, e a empresa tem de pagar um montante referente ao que a mata a ser retirada renderia se continuasse em pé. Entra nessa conta o valor da madeira e de outros produtos, como frutos, sementes e cipós.
O dinheiro desses bens florestais, atualmente, vai para o caixa do ICMBio, que, na prática, é dono da superfície. Mas, caso o processo de titulação das terras quilombolas caminhe e os descendentes de escravos se tornem donos da terra, uma parte considerável dessa riqueza mudará de mãos. E a MRN terá de negociar o ressarcimento da floresta com as comunidades, e não com os órgãos ambientais.
Diante disso, a empresa acelera o ritmo. Na região conhecida como platô Monte Branco, por exemplo, foi pedida uma autorização de “supressão vegetal” de 1.800 hectares, quase a totalidade daquela área de lavra. A estratégia, segundo especialistas, é pouco usual, mas a empresa alega que, por estar produzindo com velocidade maior, achou por bem abreviar o processo, devastando mais mata de uma só vez. Também nega que a pressa esteja ligada à probabilidade crescente de o governo titular as terras quilombolas, o que mudaria a dinâmica do sistema atual.
O ponto mais contraditório nos trâmites da supressão vegetal de Monte Branco, contudo, é a conduta do ICMBio, responsável por supervisionar o desmatamento. No intervalo de alguns meses, a instituição produziu dois documentos, com conteúdos diversos, para um mesmo processo de supressão vegetal: os 1.800 hectares do platô Monte Branco.
No primeiro parecer, obtido pela Pública, e elaborado em março pela equipe local, havia uma série de recomendações, entre elas a de que fosse observada a existência de comunidades quilombolas próximas à área de mineração. No texto, os técnicos afirmam que deveriam ser feitos estudos para avaliar o impacto sobre os povos locais e que estes deveriam ser consultados antes de o empreendimento ter início. Mas, de acordo com um despacho do MPF, obtido por meio da Lei de Acesso à Informação, o primeiro parecer foi ignorado pelas instâncias superiores do ICMBio, em Brasília.
No despacho consta que, no dia 30 de junho, usando uma segunda equipe, a instituição produziu uma nota técnica na qual não há nenhuma das recomendações do primeiro documento. Apenas a opinião favorável à derrubada da floresta, que deve render R$ 83 milhões aos cofres do ICMBio. O montante expressivo representa apenas uma parte do que vale o pedaço da Amazônia que recobre a região em disputa.
Segundo a Comissão Pró-Índio (CPI), ONG que desde a década de 1980 atua em parceria com os negros do rio Trombetas, há ainda 33 mil hectares passíveis de ser minerados (e de mata a ser derrubada) no território reivindicado pelos quilombolas. Tomando como referência a avaliação do platô Monte Branco, essa mata valeria aproximadamente R$ 1,5 bilhão. Quase três vezes o orçamento total do ICMBio para este ano, que é de R$ 546 milhões.
Por três semanas, a reportagem tentou agendar uma entrevista com a diretoria do ICMBio. Diante da negativa, as principais questões deste texto referentes à instituição foram encaminhadas ao setor de comunicação, que se manifestou por nota.
“A mina é como um motor”, exclamou o engenheiro da MRN, caminhando sobre a camada de solo duro e avermelhado que guarda a bauxita. Ao redor, escavadeiras e motoniveladoras moviam montanhas de terra de um lado para o outro. “Tudo acontece com precisão, e cada minuto que ficamos aqui impacta toda a produção”, explicou, dando a deixa para que o assessor de imprensa conduzisse a reportagem de volta à caminhonete Mitsubishi L200.
Enquanto pilotava pela estrada de terra que levava de volta à sede da empresa, o engenheiro explicou que o motor da MRN funciona por etapas. Primeiro, as árvores que têm valor comercial são retiradas e vendidas a madeireiras. Em seguida, os animais são afugentados com buzinas e é feito o corte raso. A vegetação é picada e reservada, assim como a primeira camada de solo, rica em nutrientes.
Após o desmatamento, máquinas escavam o solo até a profundidade de oito a dez metros. Essa camada argilosa é acomodada ao lado para que seja retirada a terra vermelha rica em bauxita – posteriormente levada até a beira do rio num sistema interligado de correias transportadoras (74 quilômetros) e ferrovias (28 quilômetros). Depois que deixa o porto da mineração, pouco mais da metade (54%) desse minério de alumínio é beneficiado em solo nacional, enquanto o restante segue de navio para diversos países do mundo, com destaque para EUA, Canadá e nações europeias.
No final, a lavra é recoberta pela parte argilosa, pelo solo rico em nutrientes, pela vegetação picada, e está pronta para o reflorestamento. Esse processo ocorre em faixas e, na teoria, a floresta deveria ser recomposta na mesma velocidade com que é extraída. Mas basta uma espiada em fotos de satélite e nas imagens aéreas da Comissão Pró-Índio para constatar que, na prática, há um descompasso no procedimento.
Além disso, a MRN mantém uma clareira de oito quilômetros de comprimento no meio da floresta. A empresa afirma que essa pústula de lama abriga tanques de rejeito, que serão reflorestados no final de todo o ciclo minerário, o que pode demorar mais de três décadas.
A MRN tem 22 barragens de rejeito de bauxita e areia e ainda pretende ampliar sua área de extração (Foto:Carlos Penteado/Comissão Pró-Índio de São Paulo)
A região onde esses milhares de hectares de floresta são virados do avesso é uma das mais isoladas do país. Para chegar ali, além do aeroporto da mineradora, o único caminho é subindo o rio Trombetas de barco a partir da pequenina cidade de Oriximiná (67 mil habitantes). Um percurso de seis horas, durante o qual a floresta se torna uma constante. Céu, mata e água é só o que se vê até que, após uma curva de rio, sem aviso prévio, tudo muda. Lá estão três enormes navios cargueiros transatlânticos, ancorados à espera do precioso minério de alumínio.
Um pouco adiante encontra-se o porto, a estrutura metálica cor de ferrugem da esteira que carrega bauxita, e, mais para o interior, a vila de Porto Trombetas, onde vive boa parte dos trabalhadores da MRN.
Ali, eles têm infraestrutura completa: saneamento básico, hospital, escola, aeroporto, supermercado, agências bancárias, restaurantes, locadoras de DVDs, clubes e academias. O alojamento obedece a um sistema de castas. Os que vivem só, em sua maioria, ficam em quartos coletivos, enquanto os que moram com a família são distribuídos por casas que variam de acordo com o nível salarial. Durante o trabalho, eles usam um mesmo uniforme bege acinzentado e são submetidos a regras rígidas.
Junto ao crachá de identificação, um cartão os instrui a interromper qualquer ação que possa fugir às normas. Eles levam a recomendação a sério: ao subirem um simples lance de escadas no prédio da administração, os jornalistas foram repreendidos por não estar utilizando o corrimão.
Essa compreensível rigidez no cumprimento das normas que a MRN impõe em suas dependências, contudo, não parece se estender à atuação da empresa como um todo. O terreno onde se situa o distrito de Porto Trombetas, por exemplo, é quase inteiro da União, mas isso não impediu a mineração de cercar a vila (incluindo a parcela que não lhe pertence legalmente) nem de colocar cancelas para controlar quem entra e quem sai. Em maio de 2015, a mineradora efetuou um Cadastro Ambiental Rural (CAR), reivindicando a posse dessa área.
Já o porto fica localizado dentro da Reserva Biológica do Rio Trombetas (Rebio), onde a única atividade permitida é a pesquisa científica, mas que serve cotidianamente a manobras e ao carregamento de navios de até 250 metros, capazes de transportar 75 mil toneladas de bauxita cada um. Sobre esse ponto, o Ibama afirmou que considera o rio um local de passagem e, portanto, não pode restringir o tráfego de navios.
Além deles, a presença da mineração gera um volume de barcos muito superior à capacidade de fiscalização dos agentes locais. “Esse tanto de embarcações circulando aqui causa um impacto que não é pra ter”, disse o chefe de unidade de conservação do ICMBio, Marcello Borges, 31 anos. Segundo ele, existem 8,7 quilômetros do rio Trombetas, dentro da Rebio, que não sofrem nenhum tipo de fiscalização. “A gente ia virar uma prefeitura local se ficasse controlando o movimento de uma cidade inteira”, disse, referindo-se à vila da mineradora.
No funcionalismo público há um ano e meio, Borges ainda se surpreende com as contradições do cargo e do local onde passou a viver. Ele dá expediente em um escritório contíguo à mineração e mora na vila de Porto Trombetas. A estrutura do ICMBio local é bancada pela empresa, que, com base em um termo de compromisso, faz repasses anuais de R$ 950 mil ao órgão.
“A situação, pra mim, é um pouco estranha”, disse Borges, escolhendo as palavras. “A gente está falando da maior lavra de bauxita do Brasil e, no fim, acaba que ela acontece meio que por uma dinâmica própria.”
A liberdade de ir e vir, por exemplo, inerente ao papel de polícia que o Instituto Chico Mendes deveria ter dentro da Flona, não vigora plenamente nos locais de lavra. Para entrar ali, é necessário um carro que, entre outros pré-requisitos, possui uma estrutura de canos metálicos que reforça o interior da cabine a fim de proteger os ocupantes em caso de desmoronamento ou capotamento.
O órgão não dispõe de um veículo do tipo, portanto seus agentes só podem efetivamente visitar o local da mineração se levados pela empresa. O ICMBio não soube afirmar por que não tem uma caminhonete com as especificações necessárias.
“A questão dos papéis, de quem manda aqui, é confusa”, explicou Borges. “Mas, querendo ou não, a gente é autoridade e, às vezes, a gente tem choques com o pessoal da mineração”, disse. E contou que, vez ou outra, ainda é parado nas guaritas da empresa, com o vigilante pedindo documento, perguntando o seu destino. “Agora se eu, que sou o chefe da unidade de conservação, tenho de passar por situações como essa, imagina um morador qualquer da região”, concluiu.
A relação íntima entre a MRN e as instituições ambientais não é nova. Remete à época em que ambos chegaram à região, ainda na década de 1970. E, de acordo com o geógrafo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Luiz Jardim de Moraes Wanderley, tampouco é obra do acaso. Ela foi pensada para proteger o escoamento de bauxita.
Segundo Wanderley, que é autor de diversos estudos sobre a mineração em Oriximiná, ambas as unidades de conservação foram delimitadas por lobby da empresa – então controlada pela estatal Companhia Vale do Rio Doce (a Vale é hoje a principal sócia da MRN, com 40% das ações). “O propósito maior é trazer institucionalidade, criar regras para o território e proteger o empreendimento”, explicou.
Sistema carrega a Bauxita da MRN por 74 quilômetros (Foto: Ana Mendes)
Ainda segundo o pesquisador, o procedimento, comum no Brasil, é uma forma de “terceirizar” a gestão do espaço ao Estado, barrando a chegada de empresas concorrentes e de fenômenos como migrantes em busca de trabalho e assentamentos irregulares. Concentrações humanas que propiciam o surgimento de movimentos sociais organizados abrem espaço para greves e dão margem ao aumento da criminalidade. “Carajás, da mesma Vale que é acionista da MRN, respeita o mesmo processo”, explicou.
A mineração também leva vantagem por operar em território conhecido. Os prazos e procedimentos dos órgãos ambientais são claros, definidos por um conjunto de leis que a empresa domina.
Assim, fica garantida a tranquilidade para a extração mineral e, por consequência, os impostos que anualmente engordam o caixa do governo. Em 2015, sem contar contrapartidas, a MRN pagou R$ 42 milhões de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), segundo o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Soma-se a isso o fato de que, quando o terreno é uma propriedade privada, o seu dono recebe royaltiesde 1,5%, que se somam aos 3% pagos aos governos. Isso significa que, pelo fato de lavrar em terras da União, a MRN deixou de gastar R$ 21 milhões, apenas em 2015.
Por fim, ao celebrarem convênios com Ibama e ICMBio, os empreendedores ainda podem levantar a bandeira da proteção à natureza. A MRN, por exemplo, é certificada pela ISO 14.001, um importante selo de gestão ambiental internacional.
A simbiose entre órgãos públicos e mineradora fica ainda mais evidente quando se examina a linha do tempo do empreendimento. A primeira carga de bauxita deixou o porto da companhia em agosto de 1979. Um mês antes de o então presidente do Brasil ditatorial João Batista Figueiredo decretar a criação da Rebio do Rio Trombetas.
A Flona do Saracá-Taquera, por sua vez, foi criada dez anos depois, em dezembro de 1989, no apagar das luzes do governo José Sarney. A motivação oficial foi a comoção do presidente após um sobrevoo do lago do Batata. Na época, operando praticamente sem fiscalização, a MRN lançava os rejeitos de bauxita direto nos rios.
Isso causou o assoreamento do lago, criando uma imensa zona estéril, numa catástrofe ambiental que ainda hoje é considerada uma das maiores da Amazônia. Há décadas a empresa tenta se livrar desse esqueleto no armário, por meio de um projeto de reflorestamento.
Mas a vegetação custa a crescer sobre a densa camada de lama, e quem sobrevoa a área ainda vê o malsucedido implante de cabelos na calva avermelhada de bauxita. A despeito do desastre, contudo, o decreto de criação da Flona dedicou um dos artigos a deixar claro que os órgãos ambientais estavam autorizados a celebrar acordos com a MRN – tais como o que garante os R$ 950 mil anuais ao ICMBio.
No que diz respeito à linha do tempo, o documento foi assinado logo após a promulgação da Constituição de 1988, em que, pela primeira vez na história, se garantia a posse de terra aos quilombolas. Os direitos, explicitados pelo artigo 68, não passaram despercebidos aos negros do rio Trombetas, descendentes de um povo que, mais de 200 anos antes, ao se embrenhar na floresta em busca de liberdade, tinha abalado os alicerces do sistema escravocrata do Pará.
A história das comunidades quilombolas de Oriximiná começou na segunda metade do século 18. Uma época em que escravos fugidos das plantações de cacau do entorno de Santarém subiram o Trombetas e foram se refugiar além de uma sequência de cachoeiras, que passaram a funcionar como uma proteção natural contra os capitães do mato.
As dificuldades de se avançar contra um povo que, com ajuda dos índios que viviam por ali, passou a conhecer a floresta, ficam evidentes nos relatos do capitão João Maximiano de Souza, comandante de uma expedição para destruir o quilombo Maravilha, em 1855.
“É minha opinião que os negros quilombolas hão sempre de zombar da força pública que ali for para batê-los, pelos muito recursos naturais que lhe empresta o terreno”, escreveu. Um terço dos 190 homens de Maximiano morreria na malfadada missão.
O porte das expedições punitivas, com duas centenas de integrantes, dá uma ideia de como os quilombos abalavam a estrutura de poder paraense. Eles “davam ao escravo mecanismos de pressão e influência na sua relação com o senhor”, escreveu o historiador Eurípedes Funes, no livro Entre águas bravas e mansas – Índios e quilombolas em Oriximiná. A ameaça da fuga, segundo ele, tornava-se um instrumento de barganha e de garantia de direitos.
Um século e meio depois, no final de junho, o quilombola Aluízio Severo dos Santos, 66 anos, vai na proa da canoa. Rema com uma mão e, com a outra, abre caminho a golpes de facão na mata que se fecha sobre o igarapé. E fala sem parar. Conta causos ou elenca as plantas ao redor. Primeiro o nome, depois o uso. O inajá dá uma palha ideal para fazer tapiri, o cipó ambé é bom para trançar paneiro, o acapu cura a ferida da leishmaniose.
Ele mostra a perna para provar. Uma cicatriz grande e funda atrás do joelho. A ferida chegou até o osso e foi curada com o tal acapu, uma receita que, segundo o velho descendente de escravos, não é difícil. Basta ferver a casca até virar um melado, depois colocar a coisa ainda borbulhando de quente sobre o machucado, enrolar com um pano e deixar lá até cicatrizar. “Não posso dizer que é um troço delicado”, explicou, “mas dá jeito.”
Seu Aluízio foi o guia da Pública em parte dos nove dias durante os quais se visitaram as comunidades do Trombetas a bordo de um pequeno barco de madeira, que também funcionou como cozinha e alojamento. Além da leishmaniose, ele diz ter curado seis picadas de cobra, uma febre tifoide, sabe-se lá quantas malárias, e um AVC da esposa. Sempre usando os remédios da floresta.
Nascido na comunidade da Tapagem, cresceu apanhando castanha (atividade que lhe custou parte do indicador) e cultivando roçados. Aprendeu a ler na areia, com uma professora que às vezes visitava a comunidade. Na juventude, fez um curso de rapel e foi trabalhar numa empresa que o largava de helicóptero no meio da floresta para abrir clareiras. Ele descia pela corda com a motosserra nas costas, passava o dia trabalhando e era recolhido no fim da tarde.
Na época, seu Aluízio não perguntou para que era o trabalho. Só tempos depois descobriu que, naquelas clareiras, fariam estudos geológicos que mais tarde permitiriam a extração de bauxita. “Hoje o governo olha no mapa e sabe toda a riqueza que o Trombetas tem, e eu trabalhei nisso”, lamentou. “Quando a gente faz as coisas sem saber, a gente quebra a cara depois.”
Seu Aluízio, atualmente, é uma das maiores lideranças na briga pela titulação e contra a presença da mineradora. Uma batalha que, na visão dele, ecoa a história de seus ancestrais. “Hoje, a luta quilombola é a mesma luta contra a escravidão, que vem de muito tempo. É a luta pra ter liberdade de viver com nossa cultura e com nosso costume”, disse, depois meteu o remo na água, apontou para alguma planta e explicou para que servia.
A comunidade da Tapagem, onde seu Aluízio nasceu e vive hoje, é uma das mais distantes da mineração. Por ali, o povo ainda vive do roçado, de pegar castanha, da pesca e da caça. Uma situação bastante diferente da pequenina Boa Vista, oito horas rio abaixo.
Entre todas as 37 comunidades da região, que hoje abrigam cerca de 10 mil pessoas, Boa Vista foi a que mais sentiu a chegada da MRN, nos idos da década de 1970. Colada à vila da mineradora, ela passou a ocupar uma faixa cinzenta entre o universo tradicional quilombola e o progresso trazido pela empresa.
De um lado, boa parte das casinhas que escalam a barranca do rio ainda são construções elementares, de madeira e telha de amianto ou zinco. Não há energia elétrica nem saneamento básico, o acesso é feito por picadas de terra batida, e a floresta segue ao redor, como um domo de proteção natural.
De outro, a algumas centenas de metros da prainha onde crianças tomam banho e pescam piranha no fim do dia, erguem-se os impressionantes paredões de metal cor de ferrugem dos cascos dos navios graneleiros que, de tão gigantescos, parecem ainda mais próximos.
As luzes do porto, da vila e das máquinas que trabalham 24 horas por dia trouxeram ares urbanos para a noite na floresta. E antes de o sol nascer já se escuta a zoeira de barcos e rabetas levando para suas jornadas diárias os cerca de 150 moradores locais que dão expediente na mineração.
Eles representam mais de 90% dos trabalhadores que vivem em Boa Vista. Atuam sobretudo em cargos de baixa remuneração como limpeza, manutenção e serviços gerais. A maioria é contratada por empresas terceirizadas, num sistema cooperativista que livra o patrão do pagamento de férias, décimo terceiro e recolhimento de Fundo de Garantia (FGTS). Em média, de acordo com depoimentos dos trabalhadores, eles recebem R$ 42,60 por diária, ou R$ 900 por um mês completo de trabalho (a MRN afirma pagar entre R$ 65,79 e R$ 84,95 por dia).
“A gente deixou de fazer o que fazia antes para ir trabalhar na mineradora”, contou o líder da comunidade Aildo Viana dos Santos, 40 anos. Depois, sentado sob a mangueira diante de sua casa, disse que a fiscalização que proíbe, por exemplo, a caça e a pesca para comércio ajudou a inviabilizar o modo de vida tradicional. “Com a reserva aí, se fosse viver de pesca e da agricultura ia morrer de fome”, disse.
O desconforto com as instituições ambientais, comum à maioria dos quilombolas de Oriximiná, remonta à época da demarcação da Rebio. Polícia Federal e Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, precursor do Ibama, agiam com a truculência típica dos braços da ditadura. Famílias que viviam na área da reserva foram removidas à força, trabalhadores foram espancados, casas foram postas abaixo e plantações foram arrancadas.
Em 1979 uma criança que tomava banho de rio foi morta por uma lancha a serviço do governo. Em 1994, um quilombola que caçava tartarugas bateu boca com um funcionário do Ibama e acabou baleado e morto na confusão.
“Aqui todo fiscal tinha sua espingarda”, disse Marcello Borges, o chefe do ICMBio no local. “Era um clima meio de jagunçagem mesmo.” Borges, que se diz favorável à titulação, vem fazendo uma gestão diplomática, com ênfase no diálogo. Como consequência, tem conquistado a simpatia dos quilombolas.
As leis e a fiscalização, porém, continuam lá. E, em parte por causa delas, os negros de Boa Vista foram empurrados para o trabalho na mineração, num processo que, na família de Santos, começou quando o pai dele recebeu uma proposta de emprego na MRN. “A possibilidade de uma vida melhor, de manter a gente na escola, fez ele [o pai] largar os roçados pra ir lá, fazer serviços na mineradora”, explicou.
Desde então, a história de Santos se desenrola na mesma zona cinzenta da comunidade da qual é líder. Ele se educou na escola da MRN (benefício oferecido a todos os habitantes da comunidade), começou a fazer bicos na empresa como jardineiro aos 15 anos e ainda hoje lá está, atuando na manutenção de equipamentos.
O fato de ter sustentado a si e à sua família com o trabalho na mineração não o impede de fazer críticas à empresa. Acha que ela deveria oferecer casas melhores e saneamento básico aos moradores de Boa Vista – projetos que chegaram a ser iniciados, mas não foram adiante. Acha também que não faz sentido ter aquela cidade inteira brilhando durante a noite ali do lado, enquanto, na comunidade, só tem luz quem comprar um gerador. E, acima de tudo, acha que o futuro é preocupante.
“O que vai acontecer depois que mineradora sair daqui, pra nós, é um ponto de interrogação. O trabalho que a gente se acostumou a fazer lá não vale nada se não tiver mercado”, disse com a voz séria e pausada.
O futuro sem mineração não deve demorar a chegar. A empresa trabalha com dois horizontes. Oito anos, se for explorar os platôs para os quais já tem autorização do Ibama; ou 30 anos, se for explorar também um segundo complexo de lavras, a oeste da Flona, numa região apelidada de Cruz Alta. O maior empecilho para que a MRN retire toda essa bauxita e fique mais tempo em Oriximiná está, ironicamente, no poder político adquirido pelos quilombolas ao longo das décadas.
Reivindicações que começaram a ganhar voz em 1989, ano seguinte ao advento da nova Constituição, quando foi criada a Associação dos Remanescentes Quilombolas de Oriximiná (ARQMO). Em 1995 eles obtiveram o título de posse coletivo de Boa Vista – uma área pequenina, de mil hectares, mas representativa por ter sido a primeira. Até o ano 2000 foram mais três terras tituladas na região, totalizando 300 mil hectares.
Em 2004 a ARQMO protocolou, no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), os pedidos de titulação, que hoje tramitam como Alto Trombetas e Alto Trombetas II. Processos que, como explicado anteriormente, estão emperrados num nó institucional devido à sobreposição com as unidades de conservação.
O porte delicado, os traços orientais e o riso fácil de Fabiana Keylla Schneider, 32 anos, chegam a soar irônicos diante da atuação pugilística que ela exibe desde que, há dois anos, assumiu o cargo de procuradora federal de Santarém. No caso dos quilombolas, distribui bordoadas jurídicas sobre os responsáveis, cobra respostas, questiona a burocracia local e procura meios de tornar a Justiça mais eficaz.
“A gente percebe que essas multas [previstas pela não titulação até 2017] aplicadas aos órgãos públicos têm pouca eficácia”, exclamou em meio às pilhas de processo erguidas sobre a mesa de seu escritório – uma sala impessoal no prédio do MPF, que, na manhã de 22 de junho, feriado de aniversário de Santarém, havia sido aberto só para que ela desse expediente.
“Como as multas saem do dinheiro público”, continuou, “não são tão persuasivas quanto poderiam ser. Por isso, a gente está tentando adotar medidas de forma a cientificar os detentores do poder de decisão. Responsabilizar pessoas, não instituições”, explicou.
Para a promotora, não há dúvida quanto ao direito constitucional dos quilombolas à terra, e a melhor forma de garanti-lo seria criar um território de “dupla afetação”, algo ainda inédito no Brasil. “Claro que a gente vai precisar de uma criatividade maior para expandir os limites jurídicos. Seria algo diferenciado, mas que a nossa Constituição admite.”
Nesse modelo, a terra seria dos quilombolas e o Estado ajudaria na fiscalização e na gestão, num esforço conjunto para preservar o ambiente e as tradições dos que vivem por ali. “Eu, enquanto procuradora, não quero congelar esse modo de ser das comunidades. Mas a intervenção por conta da mineração é exagerada”, ponderou.
Ainda segundo Fabiana, contudo, a possibilidade de a ideia da dupla afetação avançar emperra nas instâncias superiores do ICMBio, em Brasília. “Não adianta falar que é Incra, que é a Fundação Cultural Palmares, porque a questão principal é a sobreposição com as unidades de conservação. Então há, sim, uma obrigação de o ICMBio se posicionar.”
Para ela, isso se deve, em parte, a uma corrente ambientalista que se preocupa exclusivamente com a preservação da natureza. “Acho esse pensamento bem ultrapassado e acho que a presença de comunidades tradicionais pode ser uma grande aliada”, afirmou.
A coordenadora-geral de regularização de territórios quilombolas do Incra, Isabelle Lopes Picelli, 32 anos, concorda. “Os agentes locais do próprio ICMBio reconhecem a importância dessas comunidades na preservação”, disse. Apesar disso, segundo ela, durante as discussões com instâncias superiores da instituição, volta e meia surge a sugestão de reassentar os quilombolas.
“Houve posições de sair com essas famílias da área. Mas nunca se chegou a uma proposta formal, que a gente pudesse levar para consulta das comunidades, porque, sempre quando isso chegava na mesa de negociação, a gente falava ‘não tem como, não concordamos’.”
Segundo a lei brasileira, tudo o que está no subsolo pertence à União e qualquer um pode minerar em qualquer lugar (salvo em terras indígenas e em certas unidades de conservação), contanto que pague royalties e impostos.
O dono da terra é obrigado a firmar acordo com o minerador ainda na fase de pesquisa. Um trato que serve para que o proprietário seja recompensado pelos bens que possui na superfície. Se, por algum motivo, ele não estiver disposto a firmar esse acordo, um juiz fará isso por ele.
Isso vale também para os territórios quilombolas, e, em princípio, nada pode interromper a retirada do minério de alumínio. Há, contudo, novos impedimentos, que podem atrasar processos, aumentar custos e, numa hipótese mais remota, inviabilizar os negócios da MRN. Entre eles está a necessidade de consulta livre, prévia e informada, criada pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O documento, válido no Brasil desde 2004, é um apanhado de normas que busca redefinir a relação de governos e empresas de todo o planeta com povos indígenas e tribais. Segundo ele, habitantes tradicionais teriam de ser consultados por empreendimentos que estivessem em suas terras ou que pudessem afetá-los de alguma forma.
A aprovação do documento, em princípio, não trouxe mudanças significativas à região de Oriximiná, e nove anos se passaram sem que nada tivesse sido feito. Até que em 2013 o MPF determinou que, antes de iniciar as pesquisas nos platôs da região de Cruz Alta, a MRN deveria consultar os negros do Trombetas. Mais recentemente, o parecer do ICMBio que gerou a investigação do MPF quanto ao platô Monte Branco também foi embasado na Convenção 169 da OIT.
“A empresa tem o direito de explorar o subsolo se respeitar o licenciamento ambiental. E a consulta prévia tem de ocorrentes do licenciamento”, explicou a procuradora Fabiana Schneider.
Ainda há dúvidas sobre a real eficácia desse novo procedimento. Mesmo que a consulta ocorra, não está claro se ela daria direito a veto ou se seria apenas um parecer mais simbólico do que efetivo.
De qualquer maneira, desde que a questão foi colocada na mesa, os quilombolas se viram ainda mais enterrados na guerra psicológico-burocrática que há décadas vem acirrando os ânimos na região.
“Nunca essa empresa imaginou que teria de dialogar com os quilombolas”, disse a diretora-executiva da Comissão Pró-Índio, Lúcia Andrade, que desde 1989 auxilia as comunidades na briga pela titulação. E, segundo ela, quando essa necessidade surgiu, a MRN agiu de forma inábil.
“A consulta pressupõe uma lógica de votação pela maioria, enquanto os quilombolas costumam decidir pelo consenso”, afirmou durante uma conversa na casa geminada que a CPI ocupa no bairro de Pinheiros, em São Paulo. “Acontece que a empresa tem pressa, e simplesmente não respeita esse tempo.” Como resultado, as pressões da MRN têm aumentado exponencialmente.
“A empresa dá uma lancha, dá gasolina, promete educação, então você pega uma população que está muito desassistida, uma população vulnerável, pobre, e oferece esse tipo de coisa, numa troca extremamente injusta”, ponderou.
Essa troca tem números exatos. Em 2015, a MRN afirma ter investido R$ 5,4 milhões nas comunidades. Isso equivale a aproximadamente um quarto dos R$ 21 milhões que ela teria de pagar em royalties, no ano passado, se as terras onde opera fossem propriedade privada.
Diante do obstáculo da consulta, a MRN criou um grupo de trabalho com objetivo oficial de azeitar o diálogo com os quilombolas, mas que, na prática, acirrou ainda mais os ânimos.
“Quando comecei a participar, achei que era pra discutir sobre a mineração. Mas eles só falavam dos benefícios que iam trazer pra quem apoiasse a mineração”, contou a líder da ARQMO, Claudinete Cole de Souza, 36 anos. “Causou muita discórdia, e, no fim, a gente pensa no futuro. Como é que o nosso povo vai ficar depois disso tudo?”, indagou com alguma melancolia na voz.
O diretor-presidente da MRN, Silvano Andrade (na imagem acima), 50 anos, tem um jeitão informal que passa um ar de simplicidade. Usa o cabelo grisalho cortado à escovinha e tem um rubor constante na face, que se intensifica quando a conversa vai por trilhas espinhosas.
Recebeu a reportagem sob o ar-condicionado de uma sala de reuniões na sede da MRN, com vista para o porto e para os navios pretos e ferrugem atracados no rio Trombetas. O executivo, assim como os dois assessores de imprensa que o escoltaram durante toda a conversa, envergavam a mesma camisa bege acinzentada com faixas reflexivas verde-limão. Havia certa tensão no ar uma vez que a presença de jornalistas não é algo corriqueiro por ali. Em sete meses de trabalho na empresa, o assessor que nos guiou nunca havia recebido repórteres pessoalmente.
“A gente trabalha com total transparência”, disse o diretor-presidente logo de saída. “E sabe por quê? Porque a gente está dentro da Floresta Nacional. Não é permitido não trabalhar dessa forma. Se uma empresa não trabalhasse dessa forma, não ficaria 37 anos dentro de uma unidade de conservação, sendo vigiada dia e noite pelo ICMBio e pelo Ibama.”
A transparência, segundo Andrade, permeia todos os processos e se estende às ações sociais e à relação com os quilombolas. “As comunidades sempre participaram da Mineração Rio do Norte, comostakeholders [partes interessadas] importantes. A gente sempre teve proximidade e sempre ofereceu informação pra eles”, disse, numa fala recheada de convicção na integridade da empresa que comanda.
Uma convicção que, por vezes, tornou o diálogo ligeiramente truncado. Quando indagado sobre o fato de a empresa ter cercado um terreno da União utilizando até mesmo vigias armados, não soube responder a princípio: “Eu não vejo que importância tem isso”, exclamou. Pergunta reformulada, afirmou que ninguém era impedido de entrar ali. “É controle para segurança. Não tem restrição, tem identificação”, exclamou, separando as sílabas para não deixar dúvidas.
Mais adiante, quando confrontado com as acusações de que a empresa havia formado um grupo de trabalho para desmobilizar o movimento quilombola, a convicção do executivo aumentou e a tranquilidade se foi por alguns instantes. “De forma nenhuma! Pelo contrário. É diálogo, é aproximação das pessoas. Como uma reunião pra tratar as demandas que eles trazem pode ser para desmobilizar?”, questionou, enfático. “É cada coisa que aparece que até causa estranheza na gente”, completou, contrariado.
Os maiores problemas que rondam as comunidades do rio Trombetas, segundo Andrade, não têm a ver com a presença da mineração. Têm a ver com o fato de aquela ser uma região pobre e desassistida pelo poder público. Os quilombolas cobram que a mineração faça um papel que o Estado deveria fazer.
A empresa, por sua vez, não pode oferecer emprego a todo mundo, mas, ainda de acordo com o executivo, se preocupa. Por isso, está investindo num projeto batizado de Territórios Sustentáveis. Em parcerias com ONGs, vai ajudar a capacitar o poder público para gerir melhor os recursos de que dispõe (em 2015, foram investidos R$ 1,7 milhão no projeto).
De acordo com o diretor-presidente, a MRN tem compromisso com a manutenção da cultura e das tradições locais e é totalmente a favor da titulação das terras Alto Trombetas e Alto Trombetas II.
“No sul da Bahia, por exemplo, tem problemas seríssimos de povos teoricamente tradicionais tendo direito a titulação de terras, e depois se revelando que não tem nada a ver com tradicional. Mas aqui na região a gente tem certeza de que não é o caso. A gente reconhece que todos os povos aqui são quilombolas, têm a maior legitimidade possível e não temos nada contra isso”, garantiu.
Garantiu também que as consultas prévias sempre foram feitas. “Não tinha o nome de consulta livre, prévia informada, que isso foi algo que surgiu lá na OIT. Mas o processo de diálogo sempre foi estabelecido.”
No que diz respeito ao ambiente, voltou a bater na tecla da transparência. Os programas de reflorestamento, segundo ele, chegaram a um nível de excelência que entregam uma floresta melhor do que a que foi retirada. É possível, por exemplo, aumentar a concentração de castanheiras ou copaibeiras, o que favoreceria o sistema extrativista das comunidades.
Para o diretor-presidente da MRN, é completamente viável fazer mineração sem causar danos ao ambiente. E, a despeito do frescor do desastre da Samarco em Mariana (MG), tragédias como o lago do Batata são parte do passado. “Foi feito de forma equivocada, mas a legislação, na época, permitiu isso, os órgãos licenciadores permitiram. Eu acho que foi um erro coletivo, não só da mineradora. Mas foi visto que estava errado e foi corrigido”, disse.
No fim, após quase duas horas de entrevista, Andrade reuniu ânimo para fazer uma última reflexão. “A mineração é uma atividade muito discriminada pela sociedade de maneira geral”, ponderou. “Acho que isso vem de quando os portugueses e espanhóis vinham extrair ouro e prata. Se criou essa ideia de que a mineração é uma coisa que alguém tira a riqueza e leva embora. Mas o que se faz aqui, em termos de práticas socioambientais, é modelo pro Brasil”, exclamou, levantando-se da grande mesa oval de madeira. Antes de se despedir, pensou um pouco e achou por bem lançar um desafio final. “Agora tenta imaginar o mundo de hoje sem os bens que vêm da mineração.”
No vídeo, a Pública resume os pontos centrais da luta dos quilombolas em Oriximiná:
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Índios e quilombolas de Oriximiná vêm a São Paulo divulgar sua luta
Mineração em debate. Revista IHU On-Line, Nº. 451
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A guerra secreta pela bauxita - Instituto Humanitas Unisinos - IHU