A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 3º Domingo do Tempo do Advento, ciclo A do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto bíblico de Mateus 11,2-11.
“Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo...” (Mt 11,4)
Hoje precisamos ativar uma nova sensibilidade contemplativa para perceber a misteriosa ação de Deus em nosso mundo, marcado pela injustiça, pela violência, pela cultura da indiferença, do preconceito e da intolerância. Encontrar Deus numa realidade de profunda desumanização foi e será sempre um desafio.
Jesus, movido por uma sensibilidade oblativa, manda dizer a João Batista e a nós para que abramos nossos sentidos à realidade, ao novo. Não nos diz, como em outras ocasiões, “recordem”, “façam memória”, “pensem”, “reflitam”, “ponderem” ..., mas, sim, “olhem”, “escutem”, “abram bem os sentidos, percebam a realidade de outra maneira, tirem de suas vidas as formatações que lhes travam o olhar e entopem os ouvidos, sacudam para fora de vocês a escuridão e o frio do inverno que os tem congelados, percebam os brotos, o germinal que rompe as cascas endurecidas e os terrenos petrificados que lhes querem silenciar; descubram o novo que Deus realiza em cada momento”.
Jesus revela uma sensibilidade diferente. Em seu coração arde a certeza de que a criatividade de Deus não pode ser bloqueada e, portanto, é preciso estar sempre atento, acordado, olhando a realidade com olhos contemplativos, porque a qualquer momento pode brotar algo inesperado e surpreendente. A fidelidade de Deus é como uma semente que permanece aberta à vida debaixo da terra completamente seca e desolada. Basta uma chuva para que brotem as folhas verdes e pintem de esperança a paisagem sem vida.
É preciso estar olhando sempre o horizonte da história para ver se aparece um ponto pequeno, insignificante, que balança e cresce ao aproximar-se como novidade salvadora. É preciso estar olhando sempre o silêncio dos corações para ver se Deus faz surgir algo novo, uma intuição pequena que cruze o firmamento interior como uma estrela fugaz, algum sonho que abra a vida a novas possibilidades.
O Advento revela-se como um itinerário espiritual que vai nos transformando desde a “cegueira” e “surdez”, que pode levar-nos à perdição e morte, até a possibilidade de ver Deus presente em tudo, sem exclusão nenhuma, trabalhando sem descanso, para que possamos contemplá-lo em tudo, unindo-nos a Ele e à Sua atividade que tudo recria.
Nossa sensibilidade, cada vez mais petrificada pelo excesso de imagens e sons, tem maior dificuldade em perceber os detalhes mais finos da vida. Assim, esta mesma vida vai se banalizando, de tal maneira que vemos mortes, miséria e violência sem nos alterarmos, sem distinguirmos se é uma notícia ou um filme a mais que compete pela audiência, alimentando as atrocidades mais explícitas.
Por outro lado, a contemplação das “margens da dor e da injustiça” nos faz mergulhar no Mistério profundo de Deus. A experiência cristã nas margens da história é “mistério e contradição”, superabundância e sequidão, mística e vazio... Por isso é necessário reacender a “mistagogia do olhar” para poder compreender, ou ao menos vislumbrar, a “faísca de luz” que reluz nos contextos de exclusão.
“Tudo é segundo a dor com que se olha” (Benedetti). Ver a vida a partir da tela de um computador, ou auscultar os lamentos a partir de um celular, ou experimentar a vida a partir de um belo “PowerPoint” carregado de música emotiva e imagens impactantes, não nos capacita para “ver o novo nas margens da história”. João Batista pede um sinal porque teme por sua vida e quer deixar uma boa herança para seus seguidores. Envia uma delegação e Jesus lhes responde citando Isaías: “os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados”.
Jesus não veio impor nada, nem complicar a vida com mais leis e ritos, mas estabelecer um movimento de vida centrado no serviço e no cuidado. Sua atividade de não violência, seu ministério terapêutico, seu anúncio da Boa Notícia, sua liberdade diante da lei e das tradições religiosas, escandalizou a todos.
Não podemos imaginar Jesus pregando a conversão pelos povoados e oferecendo penitência aos pecadores. Ele quebrou as distâncias, aproximou-se dos enfermos e dos sofredores de tal maneira que, poderíamos dizer, Jesus introduziu uma revolução religiosa de caráter curativo, uma religião terapêutica que não tinha precedentes na tradição judaica. Ele anunciou a salvação curando; isto foi tremendamente novo.
Jesus revelou que o maior pecado é praticar a injustiça, causar sofrimento ou tolerar a exclusão, dando as costas aos preferidos de Deus. Para Ele, o pecado não é uma simples transgressão de leis, mas quebra de relação, indiferença diante dos excluídos ou daqueles que são vítimas de uma estrutura social e religiosa. O pecado revela seu rosto desumanizador encarnado naquelas pessoas que estão sofrendo, vítimas da dureza de coração de muitos e que estão sendo esquecidas por todos. Começou, então, a curar...
Jesus curou não de maneira arbitrária ou por sensacionalismo, mas movido pela compaixão; revelou que os sofredores são os primeiros a experimentarem, em sua própria carne, o que é a bondade de Deus; os mais excluídos, os mais desesperançados, os mais quebrados, os que já não tem nem rosto humano..., são aqueles que devemos colocar no centro de nosso coração, porque são o centro do coração do Pai.
A grande revolução de Jesus, portanto, foi nos mostrar que Deus é de todos, que o encontro com Ele vai além dos templos magníficos, das vestimentas ostentosas, dos ritos sofisticados, dos sacerdotes que não “sentem o cheiro das ovelhas”. Os sábios, os entendidos, os moralistas e legalistas não eram os seus preferidos; mais ainda, se nos deixamos inspirar por aquilo que vemos em Jesus, percebemos que Seu coração sempre se inclinou para os marginalizados, os impuros, os excluídos, os enfermos... Poderíamos dizer que o Deus de Jesus não é “justo”, mas “compassivamente parcial” em favor dos mais necessitados.
Jesus viu o Pai criando a vida nova e inimaginável, soltando todas as amarras que, precisamente por razões religiosas e por má interpretação do sábado e de Deus, paralisavam e mantinham seus filhos na escravidão. Esse é o dinamismo do Amor de Deus que se faz ternura e abraço acolhedor de todo ser humano.
Há um modo contemplativo de estar no mundo que nos capacita para perceber a Deus como Presença primeira e constitutiva da Realidade, pulsando em todas as coisas. Porque, em definitiva, o que nossos olhos querem ver, o que nossos ouvidos querem ouvir, é o Rosto-mais-além-dos-rostos que se manifesta através da realidade.
Revelar a beleza de alguém é revelar o seu valor e dignidade, dedicando-lhe tempo, atenção e ternura.
Amar não é apenas fazer algo pelo outro, mas revelar ao outro sua própria originalidade, comunicando-lhe, assim, que ele é especial e digno de atenção.
Podemos expressar essa revelação por meio da nossa presença aberta e gentil, pela maneira como olhamos e escutamos uma pessoa, pelo modo como falamos com ela e cuidamos dela.
Os sentidos, cristificados, nos impulsionam em direção ao outro e nos fazem acreditar na beleza e dignidade escondidas na fragilidade da condição humana.
Mergulhar na realidade que nos cerca, por meio dos sentidos bem abertos e evangelizados, é deixar estremecer de vida divina a fragilidade de nossa condição humana.
Uma comunidade de seguidores(as) Jesus não é só um lugar de iniciação à fé, nem só um espaço de celebração. Deve ser, de muitas maneiras, fonte de vida mais sadia, lugar de acolhida e casa para quem necessita de um lar.
Uma comunidade que segue o “Amigo da Vida” deve se constituir como “comunidade curadora”: mais próxima daqueles que sofrem, mais atenta aos doentes desassistidos, mais acolhedora daqueles que precisam ser escutados e consolados, mais presente nas situações dolorosas das pessoas...
Se alguém nos pergunta se somos seguidores do Messias Jesus: que obras em favor da vida podemos lhes mostrar? Que mensagem libertadora eles podem escutar de nós?
- Quais são as marcas características que não podem faltar em uma comunidade de seguidores(as) de Jesus?
- Sua comunidade cristã é “curadora” e “cuidadora”? É aberta à vida ou só se preocupa com ritualismos e moralismos? É “comunidade em saída” ou autocentrada?