22 Janeiro 2025
"Mesmo que se tenha permitido o horror “apenas” com o silêncio. A Sara custou muito caro a teimosa alegação de não culpada, um sinal de avareza emocional, de uma ausência de empatia, que é hoje, embora em uma forma menos extrema, um 'mal do século' ", escreve Marco Revelli, professor da Universidade do Piemonte Oriental “Amedeo Avogadro”, em artigo publicado em La Stampa, 21-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sara Cherici desmaiou durante a leitura da sentença que em 9 de janeiro a condenou a 16 anos “por cumplicidade moral na tentativa de homicídio com o agravante de motivos fúteis e abjetos” realizado por amigos que estavam com ela quando jogaram uma bicicleta elétrica dos Murazzi. Uma sentença que impressionou a todos, pela dureza da pena e pela desproporção em relação àquelas infligidas aos autores materiais desse crime indesculpável (entre 10 e 6 anos). Sobre isso se poderá discutir exaustivamente do ponto de vista jurídico e processual. Mas o importante aqui é tentar entender “quem é” Sara (que “tipo humano” se revela por trás do perfil daquele grupo de adolescentes que por diversão jogaram com o mal radical por diversão). E, em relação a isso, qual é o “espírito” dessa sentença exemplar. A mensagem que aquelas juízas (um painel composto por mulheres, assim como uma mulher era a promotora) quiseram nos enviar. Evidentemente cientes da natureza aberrante daquele crime. E do perfil inquietante de seus autores, tanto material quanto moral.
O crime é horrendo por suas consequências: um jovem de 23 anos confinado para o resto da vida a uma cadeira de rodas, um percurso virtuoso - estava estudando medicina, preparando-se para ajudar os outros - truncado em um instante de loucura. Mas também é horrendo por suas modalidades, de gesto gratuito, irresponsável, indiferente em relação a seus possíveis efeitos, para quebrar o tédio de uma noite de loucura, para preencher um vazio existencial inconsciente com uma dose adicional de anônima agressividade destrutiva. 23 quilos de metal jogados de uma altura de 10 metros no vazio (novamente o vazio!), sobre uma massa humana compacta, como se os outros não fossem nada, não existissem. E depois a fuga desordenada, sem sequer se virar para olhar as possíveis vítimas, como se o afastamento anulasse o fato, um ônibus pego na corrida, em direção ao bloco de apartamentos de subúrbio, um sono inconsciente, a ideia de que a impunidade garantida pelo silêncio conivente do grupo poderia resolver tudo, permitir que tudo continuasse como antes. E podemos nos perguntar, para além da sacrossanta indignação, que universo existencial revela esse episódio exemplar. Que patologia individual e coletiva se revela nesse pequeno grupo de adolescentes, três garotos e duas garotas, um microcosmo flutuante na massa de colegas que animam a vida noturna de sábado à noite e demonstra, mesmo cercados pela multidão solitária que flui, que é incapaz de ver qualquer outra pessoa fora de si mesmo, sem compartilhamento, pertença, reconhecimento mútuo, cada um fechado em seu próprio eu incerto. E, por essa razão, instintivamente atraído por aquele “jogo do mal” que dá a ilusão de existir.
Refletindo sobre isso, lembrei-me, sabe-se lá como, de um velho livro que li há muitos anos, de um autor vienense da década de 1930, Hermann Broch - o grande ciclo literário da crise - intitulado Os Sonâmbulos. Seu protagonista, mas como ele de certa forma todos os personagens envolvidos na narrativa são marcados por uma inconsistência substancial, irremediável (“A inconsistência (...) está na vida da cidade e na vida do campo, em toda a vida, na História”, já foi dito. “E esse ver a si mesmo viver sem nunca participar, esse não se reconhecer em nada é o desolador leitmotiv do romance..."). Um pouco como o protagonista de O Estrangeiro, de Camus - outra grande figura da literatura da dissolução dos valores -, distante e indiferente a tudo, até mesmo à morte de sua própria mãe, eles também se movem como sonâmbulos. E da mesma forma, como sonâmbulos, nos parecem os tristes protagonistas da tragédia dos Murazzi. “Não carece de capacidades cognitivas”, escrevem as juízas do mais jovem deles, “mas tem dificuldade para expressar os sentimentos e controlar a raiva e a tristeza”.
“Desconfiado em relação aos outros”, ele é “emocionalmente bloqueado, frio”. E do mais velho: ele ainda não “adquiriu consciência da gravidade do crime cometido”. Isso para os três garotos, autores materiais do ato.
Mas acredito - quero pensar assim, porque, caso contrário, seria sadismo judiciário - que essa também é a mensagem que as juízas quiseram nos enviar com essa última sentença anormal contra Sara, afinal de contas a menos culpada de todos do ponto de vista material: que a indiferença é um pecado mortal. Que não se pode tirar o corpo fora das próprias responsabilidades para com os outros, mesmo que a mão não tenha tocado o corpo do crime. Mesmo que se tenha permitido o horror “apenas” com o silêncio. A Sara custou muito caro a teimosa alegação de não culpada, um sinal de avareza emocional, de uma ausência de empatia, que é hoje, embora em uma forma menos extrema, um “mal do século”. Como foi declarado com autoridade no Avvenire, o crime dela foi um crime de “humanidade omitida” porque “Sim, nós também somos as coisas que não fazemos”. Tanto no âmbito pequeno quanto no grande, com uma bicicleta às margens do rio Pó ou com um barco de náufragos no meio do Mediterrâneo. Como cantava De André, “Mesmo que vocês pensem ter sido absolvidos, vocês estão para sempre envolvidos”. Depois, a apelação poderá (deverá) atenuar a pena, mas a mensagem é justo que sobreviva.
Uma nota: a obra-prima de Broch foi escrita entre 1928 e 1931. Às vésperas de uma grande catástrofe europeia.