Jesus Ressuscitado é o Crucificado! Comentário de Ana Casarotti

14 Março 2025

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas 9,28b-36, que corresponde ao 2° Domingo de Quaresma, ciclo C do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Eis o comentário.

Estamos no Ano Jubilar que nos convida a ser peregrinos da Esperança, como disse o Papa Francisco: "A esperança cristã não decepciona ou engana porque está fundamentada na certeza de que nada nem ninguém pode nos separar do amor de Deus". Neste tempo de Quaresma nos preparamos para a celebração da Páscoa. No primeiro domingo da Quaresma lemos o texto evangélico sobre as tentações de Jesus no deserto e hoje a Liturgia nos oferece o relato da Transfiguração segundo a evangelho de Lucas. O texto de hoje convida-nos a aprofundar mais na vitória de Cristo sobre a morte e o pecado. Para aprofundar no mistério pascal, deixamos aberta uma pergunta: por que tanta dor no mundo, por que as injustiças, é preciso dar sentido ao sofrimento, às injustiças? E podemos descrever e relatar muitas realidades injustas. Deixemos, pois, aberta a pergunta evitando dar respostas clichês ou padronizadas.

As injustiças, as grandes desigualdades, as guerras contínuas com suas consequências, geram em nós muitos questionamentos sobre o mistério do mal, sobre o agir humano, o egoísmo, as desigualdades sociais, e sem dúvida sobre as diferentes possibilidades que temos desde o nosso nascimento ou ainda antes. Por que algumas pessoas têm tanto, e outras estão quase condenadas a vaguear pelo mundo, suspirando um pouco de comida, sem saúde, sem moradia, sem famílias? Por que algumas crianças morrem sem ter nunca um sorriso no seu rosto? Por que pessoas, que devem ser os responsáveis do pais e garantir a equidade para toda pessoa que mora no seu território, age de modo contrário? Como é possível que hoje, depois de ter conhecido, os totalitarismos, as ditaduras, a escravidão e a falta de liberdade de expressão, a pobreza esteja ainda pior?

Fazemos nossa a pergunta do Papa Francisco: "Como é possível (...) que o grito desesperado por ajuda não esteja motivando os líderes mundiais a resolverem os numerosos conflitos regionais, tendo em vista suas possíveis consequências em nível global?" Ele disse que "a necessidade de paz nos desafia a todos e exige que sejam tomadas medidas concretas" e pediu que a diplomacia "seja incansável em seu compromisso de buscar, com coragem e criatividade, cada oportunidade para empreender negociações visando uma paz duradoura". A esperança é a mensagem central do decreto do Papa Francisco para o Ano Jubilar de 2025.

O tempo da Quaresma é um tempo de purificação. Ele nos permite, pessoal e comunitariamente, expandir o nosso olhar, abrir nosso coração e deixarmos nos afetar pelas realidades circundantes. E uma luta contra nosso egoísmo, nossa procura de poder, não deixarmos vencer pela tentação de desviar o olhar das necessidades de nossos irmãos. Para viver a Quaresma, precisamos fazê-lo tomados pela mão de Jesus Crucificado. Somente Ele pode nos levar no íntimo da Páscoa.

Seguindo a leitura do Evangelho, Jesus disse: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto, e ressuscitar no terceiro dia” (Lc 9,22). Não é fácil entender suas palavras. Os discípulos o consideram o Messias e possivelmente seguiam pensando num messias glorioso. Jesus tenta explicar que quem deseja segui-lo deve estar disposto a sofrer, a perder sua vida, a renunciar a si mesmo. Jesus não disse que é preciso fazer sacrifícios porque a vida da pessoa que procura viver segundo o reino de Deus e construí-lo vai sofrer. Ela deve enfrentar-se com os poderosos e será rejeitada, silenciada, e possivelmente assassinada como acontece com os/as profetas do nosso século.

No relato, o evangelista relaciona o que aconteceu nesse dia com uma Teofania.

“Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante”. Jesus está rezando e seu rosto muda de aparência. Esta transformação se produz “enquanto rezava”. Pode-se entender como uma modificação, que alguns evangelistas chamam transfiguração no seu aspecto. Pode-se entender como uma antecipação da ressurreição. Jesus Ressuscitado não foi reconhecido por seus amigos e amigas, pelos seus, de imediato. Aqueles que estiveram com ele durante toda sua vida têm dificuldade de reconhecê-lo ressuscitado. A “mudança” do rosto e as vestes de brancura resplandecente lembram o resplendor de Moisés quando desce do Sinai (cf. Ex 34,29).

Aparecem Moisés e Elias que “estavam conversando com Jesus”. Nos perguntamos: qual o sentido da presença de Moisés e Elias? Moisés é uma figura muito importante, representa a Lei e ele foi o mediador entre Deus e seu povo. Como vimos anteriormente, com ele Deus dialogava e o povo obedecia às palavras de Moisés. Elias simboliza os Profetas. Por sua fidelidade à palavra de Deus que comunicava ao povo, foi salvo num momento muito especial de crise. Para os judeus, Moisés e Elias eram duas pessoas fundamentais. Jesus dialoga com eles, e são os discípulos que o percebem. Jesus apresenta-se assim como o novo Moisés e o novo Elias.

“Conversavam sobre o êxodo de Jesus, que iria acontecer em Jerusalém”. Já não é o êxodo do povo saindo do Egito e caminhando pelo deserto em busca da terra prometida. O êxodo de Jesus vai acontecer em Jerusalém e significa sua partida, como tinha dito Jesus anteriormente. É um êxodo – partida no sentido libertador; sua morte traz uma nova aliança de Deus com seu povo, mas uma aliança que não pode ser quebrada: o triunfo de Vida do Ressuscitado sobre a Morte. Jesus deve cumprir seu destino de entrega, de amor total até a morte na Cruz.

“Pedro e os companheiros dormiam profundamente”. Jesus tinha-os convidado para subir ao monte para rezar. Eles ainda não estão capacitados para entender que Jesus, que lhes tinha falado que ia ser morto, dialogue neste momento com Moisés e Elias. Possivelmente excede suas possibilidades aceitar que o caminho do Messias passe pela cruz, pela humilhação.

Mas da nuvem sai uma voz que diz: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutem o que ele diz!” É ele quem deve ser escutado, são suas palavras que devem ser obedecidas. Ele é o Filho amado do Pai e é preciso escutar o que ele ensina.

Para escutar é preciso sair do sono do costume, daquilo que parece fácil e com que já estamos acostumados. Para seguir Jesus pelo seu caminho, é necessário escutá-lo. Fazer silêncio interior e deixar que sua voz ressoe no íntimo do nosso ser e conduza nossa vida.

Somos convidados, assim, a não deixar que o sono da rotina, do comportamento habitual guie nossa vida. Pelo contrário. É um chamado a abrir-nos à mensagem que ele tem para nos dizer, sabendo que a escolha dele foi o caminho da cruz porque confiava totalmente no Pai.

Como peregrinos da esperança, neste Jubileu peçamos ao Senhor que tenhamos nossas vidas abertas às necessidades das irmãs e irmãos mais necessitados para escutar neles a voz do Pai que nos disse: “estes são meus filhos e filhas muito amados”. Não nos deixemos vencer pela desesperança; pelo contrário, que sejamos chamados a renovar nossa esperança que nasce da Morte e Ressurreição de Cristo.

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