A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Evangelho de Lucas 6,17.20-26 que corresponde ao 6° Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Naquele tempo, Jesus desceu da montanha com os discípulos e parou num lugar plano. Ali estavam muitos dos seus discípulos e grande multidão de gente de toda a Judeia e de Jerusalém, do litoral de Tiro e Sidônia. E, levantando os olhos para os seus discípulos, disse: "Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus! Bem-aventurados, vós que agora tendes fome, porque sereis saciados! Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque havereis de rir! Bem-aventurados, sereis, quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome, por causa do Filho do Homem! Alegrai-vos, nesse dia, e exultai, pois, será grande a vossa recompensa no céu; porque era assim que os antepassados deles tratavam os profetas. Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! Ai de vós, que agora tendes fartura, porque passareis fome! Ai de vós, que agora rides, porque tereis luto e lágrimas! Ai de vós quando todos vos elogiam! Era assim que os antepassados deles tratavam os falsos profetas".
Neste domingo, continuamos com a leitura do Evangelho de Lucas, também chamado de Evangelho da misericórdia. Jesus desce da montanha e se aproxima das pessoas que o procuram para ouvir sua palavra. É um grande grupo de pessoas vindas de diferentes lugares que anseiam por ouvir sua mensagem. Ao detalhar os lugares de onde cada grupo vem, uma ampla gama se abre para nós, dentro da qual está a Galileia, que é a terra de Jesus. “A palavra se espalhou” e a mensagem chegou ao litoral (Tiro e Sidom) e também a Jerusalém, o centro da província da Judeia. Jesus não pertence mais a um pequeno grupo, mas vem falar a todos que querem aceitar sua palavra.
É uma grande multidão em que cada pessoa ou cada pequeno grupo traz situações muito diferentes, tem sentimentos, desejos e buscas diferentes; talvez para alguns tenha sido um momento de reunião, de se sentirem unidos em uma mesma necessidade e desejo. Pessoas que vêm de longe, possivelmente cansadas da estrada e das realidades que precisam percorrer, feridas por dentro, mães e pais que não têm muitos recursos para dar a seus filhos, que não sabem onde procurar uma saída e precisam de uma mudança. Situações em que saciar a fome é a prioridade e isso não é fácil. Jesus conhece essa realidade porque viveu com ela e a conhece profundamente. Ele conhece a tristeza e o peso que a pobreza e a fome geram, o choro profundo daqueles que se veem cercados pela injustiça que não escolheram viver.
O texto nos diz: E, levantando os olhos para os seus discípulos
Esse é um detalhe importante: Jesus fala olhando para seus discípulos, portanto suas palavras contêm um ensinamento para aqueles que querem segui-lo e para toda a comunidade cristã. Lembremos que Jesus havia subido ao monte para orar e, depois de orar a noite toda, “quando amanheceu”, chamou os discípulos para estarem com ele e enviá-los para pregar. Jesus desce com os discípulos - apóstolos - e, no meio da multidão, dirige-lhes estas palavras.
Jesus disse: "Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus!
Quantas vezes interpretamos erroneamente as palavras de Jesus, como se ele abençoasse a pobreza, a fome, a exclusão, a falta de justiça... Às vezes, a Boa Nova e o compromisso com a justiça que ela implica foram reduzidos, como se Jesus prometesse àqueles que vivem na pobreza, com tudo o que isso implica - dor, choro, angústia, tristeza, desenraizamento - uma recompensa na “outra vida”, após a morte! Nada poderia estar mais longe da mensagem cristã!
As pessoas que sofrem com a pobreza passam fome porque não têm comida, porque não têm os recursos e os bens necessários para viver. Essa situação gera tristeza, dor e choro por causa da injustiça com a qual temos de conviver. A pobreza é fruto da injustiça, econômica, social, cultural, e deve acabar com a chegada do reino de Deus, que é a mensagem cristã de abrir caminhos de justiça, de igualdade de direitos, do compromisso de gerar possibilidades para todas as pessoas. As palavras de Jesus são um projeto a ser levado adiante. Aqueles que seguem Jesus têm a tarefa de tornar o reino de Deus traduzido em categorias de justiça uma realidade efetiva e de viver a alegria da presença de Deus em nosso meio! Jesus fala aos discípulos porque são eles que assumem esse compromisso. A distribuição injusta de alimentos, de recursos, de oportunidades, terá de desaparecer como resultado do compromisso de todos na busca da justiça que gera igualdade de oportunidades e autêntica fraternidade.
A justiça busca acabar com a pobreza, com a desigualdade, com a falta de recursos para tantas pessoas devido à acumulação de muitos bens por alguns. É uma luta e um esforço constante para alcançar essa sociedade que Deus sempre quis e que Jesus colocou no centro de sua missão e da missão de seus seguidores. Mas isso não será alcançado pacificamente, e é por isso que Jesus também adverte os discípulos sobre a perseguição, a crueldade e a violência que sofrerão por parte daqueles que se opõem ao compartilhamento de bens. Com base nessa realidade, é compreensível que Jesus diga: Bem-aventurados, sereis, quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome, por causa do Filho do Homem
Lembramos de maneira especial a irmã Dorothy, que morreu –há 20 anos- “recitando as bem-aventuranças”, como disse Don Erwin ao lembrar as últimas palavras da religiosa: “antes de ser assassinada abriu sua sacola de pano, cumprindo ‘ordem’ de seus algozes que queriam saber se ela estava armada. Mostrou-lhes o que ela chamava de sua arma: a Bíblia Sagrada. Este seu gesto derradeiro é o último recado que Dorothy nos deixou. É sempre a Palavra de Deus que nos inspira e orienta em nosso caminho. ‘As armas com que combatemos não são humanas, o seu poder vem de Deus e são capazes de destruir fortalezas“ (2Cor 10,4)’”. Dorothy Stang: “Quem derramou o seu sangue pela causa mais nobre, o Reino de Deus, nunca pode ser esquecido”
Jesus também adverte aqueles que escolhem viver em uma ordem totalmente injusta, em que os bens da criação, da cultura, da ciência e da tecnologia são absorvidos por poucos, gerando mais pobreza, pessoas morrendo por falta de comida, lágrimas como consequência do acúmulo de riqueza por poucos. Pessoas que colocaram o significado de suas vidas em posses, em bens. São elas que estão fartas, que ignoram os destituídos, que são objeto do desprezo dos outros, uma vida jogada no esquecimento.
Jesus proclama um ano de graca para todo o povo. Lembreos que o Ano Santo ou jubilar remete à festa memorial do povo judeu” tal como “consta do livro do Levítico na Bíblia Hebraica capítulo 25 versículos 8 a 17: “O jubileu será uma coisa sagrada, e vocês comerão o que o campo produzir (frugalmente)”. Portanto a cada 50 anos deve-se dar descanso à terra, libertar os escravos, devolver os bens tomados de outrem, mudar a vida toda do povo todo. Tal qual uma nova constituinte. Um recomeço na justiça”. Disponível: Os 30 jubileus ou Anos Santos na História da Igreja de 1300 ao ano 2025. Pesquisa de Fernando Altemeyer Junior.
Nós que seguimos Jesus, os que fazemos parta das comunidades cristãs, não podemos ignorar esse compromisso com a busca da igualdade social, onde as dívidas são perdoadas, os bens são recuperados, o direito à propriedade e à terra é igual para todos. A possibilidade de retorno à casa da família daqueles que foram escravizados.
Estamos em um novo ano jubilar em que o Papa Francisco nos disse "somos chamados a ser sinais tangíveis de esperança para aqueles de nossos irmãos e irmãs que experimentam dificuldades de qualquer tipo". Ano Jubilar de 2025.
Um pobre assim, um Deus assim
Pobre
daquele que descobriu
a dor do mundo
como dor de Deus,
a injustiça dos povos
como rejeição de Deus,
a exclusão dos fracos
como batalha contra Deus!
Já tem a cruz assegurada!
Feliz
o que descobriu
no protesto do pobre
a ruptura do sepulcro,
na comunidade marginal
o por-vir de Jesus,
nos últimos que nos acolhem
o regaço materno de Deus!
Já começou a ressuscitar!
Pobre
do que se encontrou
com um pobre assim,
com um Deus assim!
Feliz dele!
Benjamin González Buelta SJ
Salmos para sentir e saborear as coisas internamente