01 Março 2024
"E para entender isso, o que melhor do que imagens? A iconografia da Expulsão é rica, a partir da pintura de Giotto na Capela Scrovegni aos flamengos e Caravaggio e muitos outros pintores barrocos que se dedicaram a isso. Varia tanto no espaço como no tempo, desde o mundo bizantino à Espanha, à Alemanha, à Itália. Em todas Cristo segura o chicote, como no Evangelho de João. Mas, ao contrário da bolsa de Judas, com as suas trinta moedas de prata, que é uma precisa referência à usura, e representa um módulo iconográfico antijudaico que tem longa história, a presença dos mercadores no Templo não assume esse valor antijudaico", escreve Ana Foa, historiadora e professora da Universidade La Sapienza, em Roma, em artigo foi publicado por L’Osservatore Romano, 27-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Presente nos quatro Evangelhos, a passagem de João sobre a expulsão dos mercadores do Templo difere das outras três em alguns aspectos, um deles é a menção às cordas que Cristo teria amarrado para fazer um chicote para expulsar os mercadores do templo, que não está presente nos evangelhos sinópticos.
Os exegetas debateram muito o significado do episódio: purificação do Templo por um comércio indigno da sua santidade? Rejeição ao dinheiro e ao comércio ou, em vez disso, rejeição da religião sacrificial dos judeus? No entanto, o pensamento logo corre para o uso que os séculos subsequentes fizeram dele, como sempre que nos deparamos com o tema do dinheiro, referindo-se aos judeus.
E para entender isso, o que melhor do que imagens? A iconografia da Expulsão é rica, a partir da pintura de Giotto na Capela Scrovegni aos flamengos e Caravaggio e muitos outros pintores barrocos que se dedicaram a isso. Varia tanto no espaço como no tempo, desde o mundo bizantino à Espanha, à Alemanha, à Itália. Em todas Cristo segura o chicote, como no Evangelho de João. Mas, ao contrário da bolsa de Judas, com as suas trinta moedas de prata, que é uma precisa referência à usura, e representa um módulo iconográfico antijudaico que tem longa história, a presença dos mercadores no Templo não assume esse valor antijudaico. Talvez um sinal de que o sentido da purificação prevalece, que a ideia da passagem do culto judaico sacrificial para o cristão importa mais do que a acusação de usura, que a presença de cambistas no Templo teria podido evocar?
Mas há um elemento que diferencia as escolhas iconográficas de Giotto nos primeiros anos do século XIV, daquelas posteriores de El Greco ou dos pintores barrocos: a violência do Cristo que expulsa os mercadores e a extrema confusão das imagens. E se a desordem pode fazer parte dos módulos pictóricos do seu tempo, o mesmo não pode ser dito da violência, neste único caso atribuída a Cristo nos Evangelhos, tanto que alguns intérpretes falaram de um Cristo revolucionário, de um Cristo que destrói o Templo.
O que aconteceu entre os séculos XIV e XVII para explicar imagens tão complexas e forte? Purificação, em suma, ou expulsão? Que significado teve a passagem da compostura do Cristo de Giotto ao Cristo enfurecido de El Greco? Um Cristo no Templo, ainda mais, expressão de um mundo sem judeus, enquanto o mundo de Giotto está bem consciente da sua presença, da sua vida. E por que na Espanha totalmente católica de El Greco, eles aparecem-nos numa massa confusa de rostos e corpos no chão, enquanto naquelas de Giotto os sacerdotes ficam de pé e questionam-se mudos e dignos sobre o que está acontecendo? Como no texto de João, a imagem da expulsão dos mercadores do Templo, com seus enigmas e suas transformações, ainda nos sugestiona e questiona.
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Purificação ou expulsão? Artigo de Ana Foa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU