"A celebração da Paixão nos convida a vivenciar a crucificação de Cristo enquanto mistério e de modo místico na nossa própria existência, no sentido de que algo deve acontecer também em nós".
O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.
Um Pastorinho, só, está penando,
privado de prazer e de contento,
Posto na pastorinha o pensamento,
Seu peito de amor ferido, pranteando.
Não chora por tê-lo o amor chagado,
Que não lhe dói o ver-se assim dorido,
Embora o coração esteja ferido,
Mas chora por pensar que é olvidado.
Que só o pensar que está esquecido
Por sua bela pastora, é dor tamanha,
Que se deixa maltratar em terra estranha,
Seu peito por amor mui dolorido.
E disse o Pastorinho: Ai, desditado!
De quem do meu amor se faz ausente
E não quer gozar de mim presente!
Seu peito por amor tão magoado!
Passado tempo em árvore subido
Ali seus belos braços alargou,
E preso a eles o Pastor ali ficou,
Seu peito por amor mui dolorido.
O poema de São João da Cruz, o Doctor Mysticus, sobre o Mistério da Paixão, expressa, em outras palavras, duas verdades: a manifestação do amor de Deus por cada um de nós e o nosso esquecimento não propriamente do fato que se atualiza nesta Sexta-Feira Santa, mas da sua intenção e Dele próprio. Cristo não chora por ter sido chagado, mas porque sabe, desde então, que é e será esquecido pela sua própria Igreja.
A celebração da Paixão nos convida a vivenciar a crucificação de Cristo enquanto mistério e de modo místico na nossa própria existência, no sentido de que algo deve acontecer também em nós. Como explica o pregador da Casa Pontifícia, Raniero Cantalamessa, na Sexta-Feira Santa não nos reunimos apenas para celebrar como meros espectadores ou ouvintes, mas para tornar-nos atores do que celebramos. '
"Por conseguinte, aqui estamos, esta tarde, para realizar uma 'ação', e não uma simples 'comemoração'. E a ação a ser efetuada é esta: sermos batizados na morte de Cristo! Ouçamos o apóstolo Paulo: ele escreve: 'Todos os que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados em sua morte. Por meio do batismo, fomos, portanto, sepultados junto com ele na morte, porque assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos mediante a glória do pai, assim também nós possamos caminhar numa vida nova' (Rm 6,3-4)".
Ser batizado na morte de Cristo, esclarece, "é entrar na sarça ardente; é passar pela agonia, pois implica purificações, aridez, cruzes. Mas uma agonia que, em vez de preludiar a morte, preludia o nascimento; uma agonia-parto. Ser batizado em sua morte é entrar no coração de Cristo, tomar parte no drama do amor e da dor de Deus. Ser batizados em sua morte é algo que não se pode descrever, mas deve ser vivido. Dele sai-se criatura nova, pronta para servir o Reino de maneira nova".
A Sexta-Feira Santa, como declarou o pregador anos atrás, também é um convite para os cristãos sairem do silêncio e lembrarem-se da coisa mais preciosa que existe: "o eterno amor do seu divino Esposo, que se dirige à Igreja com as palavras do Cântico e lhe diz:
Levanta-te, amiga minha,
Formosa minha, e vem!
Eis que o inverno passou,
Cessou a chuva e desapareceu;
As flores se mostram nos campos
Voltou o tempo do canto".
(Ct 1,10-12)"
Que a cruz de Cristo seja a nossa alegria e que as palavras do pregador ressoem em nossos corações:
"Neste dia santíssimo da morte de Cristo, um sopro de alegria soergue o mundo".