Pão que desperta outras fomes

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30 Julho 2021

“Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede” (Jo 6,35).

A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 18º Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto de João 6,24-35.

Depois da multiplicação dos pães, Jesus, ao perceber que o povo não tinha entendido nada do que acontecera, pois tentava fazê-lo rei, retirou-se a uma montanha, sozinho. A multidão ficou satisfeita por ter se alimentado; ela segue Jesus por aquilo que Ele pode dar. No entanto, a identificação com Ele e seu projeto passa longe. Seus interesses vão em sentido contrário à atitude de Jesus de despertá-la para a compaixão e a partilha. Jesus ensina como repartir, isto é, como as pessoas precisam ser umas com as outras.

Jesus empenha-se por uma nova humanização, onde as pessoas possam ser livres, mas elas preferem continuar dependendo de outro (rei). Enquanto as pessoas buscam alguém que se responsabilize por elas, Jesus ensina a responsabilidade mútua, a corresponsabilidade. A abundância de alimento é graça de Deus, mas é igualmente empenho de cada pessoa e de todas juntas.

 

A solução para uma nova humanidade não é o dinheiro, o poder, o domínio ou um milagre externo, mas saber compartilhar tudo com todos. O problema não se soluciona comprando, o problema se soluciona compartilhando. A verdadeira salvação não está em que alguém solucione nossos problemas, nem sequer em ajudar a solucionar todos os problemas dos outros. A verdadeira liberdade está em superar o egoísmo e estar disposto e dividir com os outros o que cada um tem e o que cada um é.

“Não temos em nossas mãos a solução de todos os problemas do mundo, mas diante dos problemas do mundo temos nossas mãos” (Congresso de jovens latino-americanos).

No entanto, segundo o relato de João, a multidão continua buscando a Jesus. Há algo n’Ele que a atrai, mas ainda não sabe exatamente por que o busca nem para quê. As pessoas começam a intuir que Jesus está lhes abrindo um novo horizonte, mas não sabem o que fazer, nem por onde começar. “Do outro lado do mar” Jesus começa a conversar com elas. Há coisas que convém aclarar desde o princípio. O pão material é importante. Ele mesmo lhes ensinou a pedir a Deus “o pão de cada dia” para todos.

Comer nunca significa um mero ato biológico de ingerir alimentos; é sempre um ato comunitário e um rito de comunhão. À mesa, onde se parte o pão do Senhor, o cristão aprende a partir e a partilhar o “pão de cada dia” com os outros. Além disso, o pão que comemos esconde toda uma rede de relações anônimas; antes de chegar à mesa, ele passou pelo trabalho de muitos braços; há muitas lágrimas e suores escondidos em cada pão, como também há muito de solidariedade e partilha. Portanto, o pão que é produzido junto deve ser repartido junto e consumido junto. O Senhor resgata em nós a fome e a sede mais profunda de encontro, partilha e vida. A mesma necessidade básica nos iguala a todos; a satisfação coletiva nos confraterniza. Só então podemos, verdadeiramente, pedir: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”.

A conversa de Jesus com o povo, com os judeus e com os discípulos é um diálogo bonito, mas exigente. Jesus procura abrir os olhos do povo para que aprenda a ler os acontecimentos e descubra neles o rumo que deve tomar na vida. Pois não basta ir atrás de sinais milagrosos que multiplicam o pão para o corpo. Não só de pão vive o ser humano. A luta pela vida sem uma mística que inspira, não alcança a raiz do próprio ser.

Enquanto vai conversando com Jesus, o povo fica cada vez mais contrariado com as palavras dele. Mas Jesus não cede, nem muda as exigências. O discurso parece um funil. Na medida em que a conversa avança, é cada vez menos gente que sobra para ficar com Ele. No fim só sobram os doze, e nem assim Jesus pode confiar em todos eles. Esse é o eterno problema da vida cristã: quando o evangelho começa a exigir compromisso, muita gente se afasta; quando se trata de seguir e se identificar com uma Pessoa (Jesus), muitos se refugiam na doutrina, no legalismo, no ritualismo..., vivendo um seguimento estéril.

O dinamismo do seguimento é gerar vida, fazer o(a) discípulo(a) viver a partir da verdade mais profunda de si mesmo(a); ou seja, viver a partir do coração, do “ser profundo”.
“Trabalhai não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna”.

No gesto da multiplicação dos pães se condensou todo o caminho de Jesus: vida doada na luta contra todo tipo de sofrimento e fome, na mesa partilhada onde as relações humanas alimentam a fraternidade do Reino. Aqui se conecta a essência da Vida de Jesus com a vida dos seus seguidores.

Para a mentalidade bíblica, o pão é um dos sinais primordiais da graça e do amor com que Deus nos sustenta e nos protege. Diante do pão estamos face a uma realidade santa. O pão é tratado com respeito e veneração. O pão é santo porque está associado ao mistério da vida que é sacrossanta. Em cada pedaço de pão há mais presença da mão de Deus do que da mão do ser humano. Para o cristão o pão é ainda mais santo porque simboliza a reconciliação final de todos no banquete definitivo do Reino; o pão carrega a promessa de uma plenitude de vida.

O “pão do Reino” já se antecipou e é Jesus mesmo em sua vida e mensagem; Jesus continua presente na história e na vida de cada um através do “pão eucarístico”, alimento dos peregrinos rumo à pátria celeste. Somos eternos insatisfeitos; nunca nos saciamos de pão e milagres; queremos mais e mais. Isso nos revela que nosso interesse é ter vida assegurada e o estômago cheio. Esta realidade nos leva a perguntar: que pão nos sacia?

Porque há pães que, enchendo o estômago, nos tiram a liberdade. São pães repartidos em escravidão, pães seguros com sabor de suor e lágrimas; pães de Egito, pães que dão a falsa sensação de saciedade. Há pães que nos despertam para confiar em Deus; são pães que chegam providencialmente e de maneira gratuita. Aparecem quando menos esperamos e tem o sabor do caminho e do encontro.

Para qual pão trabalhamos? Ou ainda, a partir de onde pedimos pão? A partir da segurança e da escravidão ou a partir da insegurança e da confiança? Jesus se apresenta a nós como o alimento que não perece. Buscá-Lo é descobrir o que Deus quer de nós e agradecer o que nos dá para o caminho. Quem o rejeita fica atado aos pães deste mundo que exigem fadiga, competição e escravidão. Quem o aceita, liberta-se dos tempos e espaços e se sacia de confiança.

 

Que pão buscamos? Que pão desperta outras fomes em nós?

“O que é que nutre realmente o nosso ser essencial?”

“Não somente o nosso corpo, não somente nosso psiquismo, não somente nossa afetividade, mas o que é que nutre aquilo que não morrerá em nós?”

“O que é que nutre a eternidade em nós?”

“O que é verdadeiramente nutritivo? O que é que nutre a nossa identidade?

Para meditar na oração:

Não é possível reconhecer o Corpo do Senhor presente na Eucaristia se não se reconhece o Corpo do Senhor na comunidade onde alguns passam necessidades. Pois, se fechamos os olhos às divisões e às desigualdades mentimos ao dizer que Cristo está presente na Eucaristia.

 

Enquanto não nos mobilizamos a mudar nossa sociedade de maneira que mais pessoas aceitem a alegria de compartilhar o pão e a vida, faltará algo em nossa Eucaristia. Essa “ferida” o cristão deve sempre tê-la presente.

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