21 Setembro 2018
Para o Vaticano, o dossiê chinês se entrelaça com o da pedofilia e o caso Viganò. Isso poderia desencadear novos ataques contra o papa.
A reportagem é de Maria Antonietta Calabrò, publicada em L’HuffingtonPost.it, 19-09-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Santa Sé e a República Popular da China estão prestes a firmar um acordo sobre a nomeação dos bispos no país, mas esse passo histórico já é um novo fronte aberto para muitos setores da Igreja estadunidense contra o Papa Francisco. Os mesmos sites tradicionalistas que veicularam o chamado comunicado do ex-núncio Carlo Maria Viganò, em que ele pedia a renúncia do papa, temem agora (mas a campanha já tinha começado em janeiro, quando foram publicadas as primeiras notícias sobre um possível acordo) que o Partido Comunista Chinês controlará, de fato, a nomeação dos bispos católicos.
O acordo que poderia ser fechado até o fim deste mês de setembro (o dia 1º de outubro é o dia da Festa Nacional da República Popular da China) é de tipo apenas religioso, e não diplomático, mas isso é o suficiente para levantar dúvidas e medos.
A atenção da mídia católica norte-americana, como a CNA (Catholic News Agency), em particular, se concentrou no papel do arcebispo e agora ex-cardeal Theodore McCarrick (no centro das acusações do ex-núncio Viganò contra o papa) na promoção das relações Vaticano-China nas últimas duas décadas, como mediador “não oficial” até 2016, em plena era Francisco, portanto.
Ao longo de mais de 20 anos, McCarrick viajou para a China pelo menos oito vezes, incluindo uma estada em um seminário em Pequim, sob o controle do Estado, muitas vezes servindo também de ponte entre o Vaticano e os bispos chineses nomeados pelo governo.
Antes que as acusações de abuso sexual e assédio se tornassem públicas nos últimos meses, o ex-cardeal era um defensor explícito de um acordo entre o presidente chinês, Xi Jinping, e a Igreja do Papa Francisco.
O jornal Boston Pilot, órgão da Diocese de Boston, liderada pelo cardeal Sean O’Malley, deu amplo espaço para essas informações. Também foram citadas as declarações que o ex-cardeal fez ao Global Times em fevereiro de 2016, o jornal oficioso em língua inglesa do governo. “Vejo acontecer muitas coisas que realmente abririam muitas portas, porque o presidente Xi e o seu governo estão preocupados com as mesmas coisas que o Papa Francisco está preocupado.”
Na entrevista, McCarrick também disse que as semelhanças entre o Papa Francisco e Xi Jinping poderiam ser “um presente especial para o mundo”.
As visitas anteriores do ex-cardeal incluíam encontros com Wang Zuo’an, chefe da Administração Estatal para os Assuntos Religiosos, e o falecido bispo Fu Tieshan, ex-presidente dos bispos, isto é, a Conferência da Igreja Católica na China (BCCCC), uma organização não reconhecida pela Santa Sé.
Em junho de 2014, David Gibson relatou no jornal Washington Post que McCarrick havia viajado para a China “no ano passado” para “encontros confidenciais sobre liberdade religiosa”. Esse detalhe confirma, em parte, o testemunho do ex-núncio Viganò, que contou que se encontrou com McCarrick em junho de 2013, no Vaticano, quando este lhe teria dito: “O papa me recebeu ontem. Amanhã vou à China”.
Ele se hospedou no Seminário de Pequim durante pelo menos duas viagens à China, segundo um documento do Departamento de Estado de 2006, publicado pelo Wikileaks.
O vice-reitor de um seminário sob o controle do Estado comunista, Pe. Shu-Jie Chen, de fato, é descrito por duas vezes como o anfitrião de McCarrick no relato diplomático de Christopher Sandrolini, vice-chefe da missão da Embaixada dos Estados Unidos junto à Santa Sé. Chen se descreveu como “o rei” do seminário, dizendo que poderia fazer o que queria dentro dos seus muros.
O diplomata também observou no seu relatório que o vice-reitor “minimizou a perseguição da Igreja clandestina” e que “a evangelização não era uma opção para o pessoal religioso oficial”. Mas parece que houve – revela a CNA – uma interrupção das viagens de McCarrick à China entre 2006 e 2013 (ou seja, durante o papado de Bento XVI), embora a sua influência na China ainda fosse ativa.
Então, como se pode ver, o dossiê chinês no Vaticano se entrelaça com o da pedofilia e o caso Viganò. E isso poderia desencadear novos ataques contra Francisco, com a acusação de ter “vendido” ao Partido Comunista a nomeação dos bispos (nesse sentido, as repetidas intervenções publicadas desde janeiro pelo Lifesite), até porque a assinatura do acordo ocorre no momento em que começa a guerra comercial de Trump contra a China.
No entanto, trata-se de outro “dossiê” em que Trono (presidência dos Estados Unidos) e Altar (Papa Francisco) se encontram em sintonias muito diferentes.
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Sombras do caso McCarrick se prolongam sobre acordo entre Santa Sé e China - Instituto Humanitas Unisinos - IHU