29 Agosto 2018
O movimento nos Estados Unidos e em todo o mundo para criar paróquias amigáveis à comunidade LGBT, que trabalhou durante décadas para acolher e incluir pessoas marginalizadas e alienadas, finalmente foi reconhecido nesta semana, quando, no Encontro Mundial das Famílias, em Dublin, promovido pelo Vaticano, o padre jesuíta James Martin discursou no evento sobre a criação de comunidades católicas inclusivas.
O comentário é de Francis DeBernardo, publicado em New Ways Ministry, 24-08-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em uma sala lotada com capacidade para 1.000 pessoas e com fila de espera, o Pe. Martin fez uma palestra que o moderador da sessão apresentou como a sessão “mais divulgada e comentada” do Encontro Mundial das Famílias.
A palestra, intitulada “Mostrando acolhida e respeito em nossas paróquias para as pessoas LGBT e suas famílias” [disponível aqui, na íntegra, em inglês], foi acrescentada à programação depois que o Encontro Mundial das Família tomou uma série de decisões que haviam alienado a comunidade LGBT na Irlanda e no exterior.
O Pe. Martin havia descrito anteriormente a decisão de convidá-lo como uma mensagem para a comunidade LGBT que expressava “um sinal inequívoco de acolhida por parte da Igreja”.
O Pe. Martin introduziu a sua palestra dizendo que “as seguintes observações se baseiam não apenas em conversas com pessoas LGBT, mas também na experiência de ministérios LGBT e de grupos que eu consultei para esta palestra. Eu lhes perguntei: quais são as coisas mais importantes que as paróquias precisam saber e fazer?”.
Essa é a razão pela qual eu vejo esse evento não apenas como um endosso ao ministério do Pe. Martin, mas também aos inúmeros ministérios paroquiais, diocesanos e universitários que têm trabalhado por tanto tempo, muitas vezes recebendo comentários severamente negativos das lideranças da Igreja e de paroquianos.
Com a palestra do Pe. Martin em um evento promovido pelo Vaticano, os esforços e as mensagens desses milhares de membros de equipes paroquiais e voluntários finalmente receberam uma audiência no mais alto nível da Igreja. Só por esse motivo, esse evento foi um momento histórico.
E o Pe. Martin certamente foi uma ótima escolha para transmitir essa mensagem à Igreja. Escritor e palestrante habilidoso, sua eloquência é perfeitamente entrelaçada com a sua sabedoria e compaixão. O Pe. Martin foi direto na sua palestra, descrevendo os muitos abusos e opressões que as pessoas LGBT têm experimentado na Igreja e foi igualmente forte ao descrever a profunda fé delas e os dons espirituais que elas oferecem.
Usando imagens no PowerPoint, o Pe. Martin acompanhou sua fala com fotos de católicos LGBT e de suas famílias. As fotos eram diversas em termos de gênero, raça, etnia, idade e localização. Ele mostrou imagens de pastorais LGBT em Nova York, Boston, Nova Jersey, Califórnia, incluindo “Out at St. Paul’s”, na paróquia de St. Paul the Apostle, Manhattan, a paróquia de St. Cecilia, Boston, estudantes da Universidade de Santa Clara, Califórnia, a paróquia de St. Ignatius, Manhattan, e participantes da conferência IgnatianQ para estudantes LGBT nas universidades jesuítas, e muitos outros ministérios identificados apenas pela localização geográfica.
Essas imagens trouxeram à tona que a palestra do Pe. Martin se baseava na vida real e na fé das pessoas LGBT e na sabedoria pastoral desenvolvida pelos ministérios LGBT.
O discurso do Pe. Martin incentivou mais paróquias e comunidades de fé católicas a se tornarem mais amigáveis à comunidade LGBT. Ele explicou:
“Infelizmente, grande parte da vida espiritual dos católicos LGBT e de suas famílias depende de onde eles moram. Se você é uma pessoa gay, lésbica, bissexual ou transexual tentando dar um sentido à sua relação com Deus e com a Igreja, ou se você é pai de uma pessoa LGBT e mora em uma grande cidade com pastores de mente aberta, você está com sorte. Mas se você mora em um lugar de mente menos aberta, ou se o seu pároco é homofóbico, seja silenciosa ou abertamente, você está sem sorte. E o modo como os católicos são acolhidos ou não acolhidos em sua paróquia influencia fortemente a sua visão não apenas da Igreja, mas também da sua fé e de Deus.”
“Esse é o verdadeiro escândalo. Por que a fé dependeria de onde você mora? É isso que Deus deseja para a Igreja? Será que Jesus queria que as pessoas em Betânia sentissem menos o amor de Deus do que as pessoas em Betsaida? Será que Jesus queria que uma mulher de Jericó se sentisse menos amada do que uma mulher de Jerusalém?”
Ele também retratou um quadro vívido da realidade de vida dos católicos LGBT. Por exemplo, ele enfatizou:
“Eles não escolhem a orientação deles. Infelizmente, muitas pessoas ainda acreditam que as pessoas escolhem sua orientação sexual, apesar do testemunho de quase todos os psiquiatras, biólogos e, mais importante, da experiência vivida das pessoas LGBT. Você não escolhe a sua orientação ou identidade de gênero, assim como você não escolhe ser canhoto. Não é uma escolha. E não é um vício. Assim, simplesmente ser LGBT não é pecado. Muito menos, não é algo pelo qual se deve ‘culpar’ alguém, como os pais.”
E ele descreveu o tratamento muitas vezes duro que essas pessoas receberam das autoridades da Igreja:
“Muitas vezes, elas têm sido tratadas como leprosos pela Igreja. Nunca subestimem a dor que as pessoas LGBT experimentaram – não apenas nas mãos da Igreja, mas também da sociedade em geral.”
“A maioria dos católicos LGBT foram profundamente feridos pela Igreja. Eles podem ter sido ridicularizados, insultados, excluídos, condenados ou criticados, seja em particular, seja do púlpito. Eles podem nunca ter ouvido o termo ‘gay’ ou ‘lésbica’ ser expressado de qualquer maneira positiva ou mesmo neutra. E, mesmo que comentários de ódio não surjam no âmbito paroquial, eles podem ter ouvido outras lideranças católicas fazerem comentários homofóbicos. Desde seus primeiros dias como católicos, eles são frequentemente levados a se sentir como se fossem um erro. Eles temem a rejeição, o julgamento e a condenação da Igreja. De fato, estas podem ser as únicas coisas que eles esperam da Igreja. Isso frequentemente os leva a se excluírem da Igreja.”
Ele explicou que o anseio espiritual das pessoas LGBT é semelhante em muitos aspectos ao de todas as pessoas:
“Elas anseiam conhecer a Deus. Como muitos católicos, muitas pessoas LGBT lutam com vários aspectos do magistério da Igreja – por exemplo, termos como ‘intrinsecamente desordenados’. Ao mesmo tempo, muitos não estão tão focados nessas partes da tradição como as pessoas pensam. Muitos querem algo muito mais simples: querem experimentar o amor do Pai através da comunidade. Querem encontrar Jesus Cristo na Eucaristia. Querem experimentar o Espírito Santo nos sacramentos. Querem ouvir boas homilias, cantar boa música e se sentir parte de uma comunidade de fé. Trate-os assim – não como manifestantes, mas como paroquianos. Ajude as pessoas LGBT e suas famílias a satisfazer seus desejos mais profundos: conhecer a Deus.”
E, finalmente, talvez o mais importante, ele enfatizou o primado do amor de Deus:
“Eles são amados por Deus. Deus os ama – nós também devemos amá-los. E eu não me refiro a um amor mesquinho, relutante, julgador, condicional, indiferente. Quero dizer amor de verdade. E o que significa amor de verdade? O mesmo que significa para todos: conhecê-los na complexidade de suas vidas, celebrar com eles quando a vida é doce, sofrer com eles quando a vida é amarga, como um amigo faria. Mas eu digo ainda mais: ame-os como Jesus amou as pessoas às margens: extravagantemente.”
Ele ofereceu os seguintes dez passos práticos que as paróquias podem dar para serem mais acolhedoras (você pode ler as explicações mais amplas do Pe. Martin sobre cada um desses passos no texto completo de sua palestra):
1. Examine suas próprias atitudes em relação às pessoas LGBT e suas famílias.
2. Ouça-os. Ouça as experiências de católicos LGBT e de seus pais e famílias.
3. Reconheça-os nas homilias ou nos eventos paroquiais como membros de pleno direito da paróquia, sem julgamento e não como católicos decaídos.
4. Peça desculpas a eles. Se os católicos LGBT ou suas famílias foram prejudicados em nome da Igreja por comentários, atitudes e decisões homofóbicas, peça desculpas.
5. Não reduza gays e lésbicas ao chamado à castidade que todos nós compartilhamos como cristãos. As pessoas LGBT são mais do que suas vidas sexuais. Mas, às vezes, isso é tudo o que elas ouvem.
6. Inclua-os nos ministérios e nas pastorais.
7. Reconheça seus dons individuais.
8. Convide toda a equipe da paróquia a acolhê-los. Você pode ter um pároco acolhedor, mas e os outros e outras?
9. Promova eventos especiais ou desenvolva um programa voltado às pessoas LGBT.
10. Lute por eles. Seja profético. Há muitas ocasiões em que a Igreja pode oferecer uma voz moral para essa comunidade perseguida. E não estou falando de temas candentes como o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Estou falando de incidentes em países onde homens gays são presos e jogados na cadeia, ou até executados por serem gays, e lésbicas são estupradas para “curá-las” de suas orientações sexuais.
Elaborando este último ponto, o Pe. Martin disse:
“Isso faz parte do que significa ser cristão: defender os marginalizados, os perseguidos, os abatidos. É chocante como a Igreja Católica fez pouco disso. Faça com que seus paroquianos LGBT saibam que você está do lado deles, mencione a perseguição deles em uma homilia, quando apropriado, ou nas Preces dos Fiéis. Seja profético. Seja corajoso. Seja como Jesus.
“Porque, se não estamos tentando ser como Jesus, qual é o objetivo?”
O Pe. Martin concluiu a sua palestra com uma análise bíblica da história de Zaqueu no Evangelho de Lucas. Ele comparou Zaqueu, um pária em sua comunidade, que era considerado um grande pecador, a uma pessoa LGBT moderna, que frequentemente é tratada como um pária e como um grande pecador por parte das instituições religiosas. Jesus acolheu Zaqueu naquela história, embora as pessoas da cidade tenham se queixado da resposta de Jesus. O Pe. Martin ofereceu a ação de Jesus como um modelo de como as pessoas da Igreja deveriam responder às pessoas LGBT hoje:
“É assim que Jesus trata as pessoas que se sentem nas margens. Ele as procura antes de qualquer outra pessoa; ele as encontra e as trata com respeito, sensibilidade e compaixão.”
“Então, quando se trata das pessoas LGBT e de suas famílias nas nossas paróquias, parece que há dois lugares para ficar. Você pode ficar com a multidão, que resmunga e que se opõe à misericórdia para com aqueles que estão nas margens. Ou você pode ficar com Zaqueu e, mais importante, com Jesus.”
O Pe. Martin foi aplaudido de pé no fim da sua palestra, a única ovação que eu vi no Encontro Mundial das Famílias. Muitos ficaram impressionados com os seus comentários, opinando favoravelmente entre si, enquanto saíam do salão.
Eu ouvi alguns dizerem que a palestra dele não foi longe o suficiente, desafiando a linguagem do magistério da Igreja sobre as pessoas LGBT, que usa termos como “desordem objetiva” e “intrinsecamente maus”. Não, ele não fez isso. Mas o que ele fez foi mostrar a uma audiência católica global, muitos dos quais não têm discussões prósperas sobre questões LGBT em suas comunidades de origem, como eles podem agir para tornar essas comunidades um pouco mais inclusivas. Ele também ajudou a dissipar mitos e ofereceu informações sólidas sobre a realidade das pessoas LGBT, dando aos seus ouvintes uma nova forma de pensar sobre as minorias sexuais e de gênero.
A abordagem gentil, mas direta, do Pe. Martin ajudou as pessoas a encararem as questões LGBT à luz da realidade vivida e da sabedoria bíblica. Seu exemplo pode ajudar a tornar as questões LGBT menos ameaçadoras para as autoridades da Igreja e preparar o caminho para um Encontro Mundial das Famílias em que as pessoas LGBT possam falar sobre a sua fé e sobre as suas próprias famílias.
No mínimo, a grande e entusiasmada multidão que assistiu à sessão naquele que foi basicamente um evento católico muito tradicional deveria dizer às lideranças da Igreja que os católicos de todo o mundo estão famintos por esse tipo de discussão.
Mais importante, ele forneceu um modelo para as lideranças da Igreja sobre como eles podem começar a discussão sobre as questões LGBT na Igreja e, ainda mais necessário, uma discussão com as pessoas LGBT. O Pe. Martin abriu uma porta para a Igreja, e agora é hora de as lideranças da Igreja entrarem por essa porta em uma sala cheia da luz da verdade do Evangelho.
Se você estiver interessado em saber mais sobre como tornar a sua paróquia ou comunidade de fé em um lugar mais acolhedor, confira os recursos na página do New Ways Ministry em “Parish Life & Pastoral Care”, aqui [em inglês].
Se você estiver interessado em recursos para tornar as escolas católicas em locais mais seguros para os alunos LGBT, clique aqui [em inglês].
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Encontro Mundial das Famílias: Pe. James Martin pede acolhida e respeito a católicos LGBT - Instituto Humanitas Unisinos - IHU