27 Junho 2018
Em Brownsville, no Texas, está uma das 11.528 lojas que a multinacional tinha no mundo até 2016. Ainda não se sabe o destino final das 1.500 crianças separadas dos pais que vivem no antigo hipermercado.
A reportagem é de Gustavo Veiga, publicada por Página/12, 25-06-2018. A tradução é de André Langer.
A política migratória dos Estados Unidos que separa as crianças de suas famílias tem um lado comercial que multiplica as ondas de repúdio. O Walmart vendeu uma filial localizada no Texas para a companhia Southwest Key Programs para servir de centro de detenção de menores. Ativistas de Chicago denunciaram, na frente de um hipermercado localizado no Bairro La Villita dessa cidade, que a rede tinha conhecimento da finalidade para a qual o imóvel seria usado. Eles mostraram publicamente a escritura dessa transação que foi feita por 4.225.000 de dólares. A empresa negou saber o destino que seria dado ao seu imóvel. Mas o debate sobre as decisões tomadas pelo governo de Donald Trump provocou tanta agitação nos Estados Unidos que a acusação contra o Walmart sintetiza o problema até nos mínimos detalhes.
Em Brownsville, no Texas, está uma das 11.528 lojas que a multinacional tinha no mundo até 2016. Ainda não se sabe o destino final das 1.500 crianças separadas dos pais que vivem no antigo hipermercado transformado em centro de reclusão. Jornalistas de diferentes meios de comunicação norte-americanos que o visitaram depararam-se aí com um lugar desumanizado. “Eu estive em prisões. Eles chamam esse lugar de refúgio, mas as crianças estão encarceradas”, disse Manny Fernández, do The New York Times.
Quando os jornalistas entraram na prisão de Brownsville, não conseguiam acreditar no que estavam vendo. Havia dois murais. Um em que Trump aparece com uma citação escrita em inglês e em espanhol que diz: “Algumas vezes, ao perder uma batalha, você encontra uma nova forma de vencer a guerra”. No outro aparecia o ex-presidente Obama e uma frase atribuída a ele: “Sempre somos e sempre seremos uma nação de imigrantes; nós também éramos estranhos uma vez”. O paradoxo dessas mensagens é que aí as crianças passam seus dias longe dos pais. Elas que não podem ganhar uma guerra, nem se sentir imigrantes em um país que as rejeita.
A Casa Pai – como as autoridades chamam a antiga loja do Walmart – é uma das cem instalações em dezessete Estados do país, que mantêm cerca de 11 mil crianças imigrantes separadas de suas famílias. Elas vêm principalmente da Guatemala, Honduras e El Salvador, de onde fugiram da pobreza extrema, do narcotráfico e das gangues. O presidente Trump percebeu que sua política é talvez tão eleitoreira quanto imoral, que, a caminho das eleições primárias que acontecerão no dia 6 de novembro, assinou um decreto para freá-la. Mas ainda não se sabe como as famílias serão reunificadas e quanto tempo levarão para fazê-lo.
O governo federal há muito tempo vem estimulando o negócio da construção de prisões multimilionárias. Ele fez isso com os adultos e a consequente exploração de mão de obra escrava que beneficia certas corporações. IBM, Motorola, Microsoft, Telecom e a petroleira britânica BP se valem desse execrável recurso que era tão comum até o século XIX. A Corrections Corporation of America (CCA) é a companhia mais antiga que administra prisões nos Estados Unidos. Ela foi fundada em 1983. Em escala diferente está acontecendo o mesmo com os centros de internamento para estrangeiros que desafiam a fronteira onde se levanta o muro de Trump. E dessa política não escapam nem as crianças.
O hipermercado-prisão de Brownsville foi denunciado na frente do Walmart que funciona no bairro mais mexicano de Chicago: La Villita. O comissário do Condado Cook, Chuy García disse em perfeito castelhano aos ativistas que se mobilizaram com cartazes e a escritura da venda daquela propriedade em letras garrafais: “Esta corporação está cooperando com a política terrorista da administração Trump de separar as famílias, especificamente separando os jovens, bebês e crianças de seus pais”.
O grupo que o ouvia pertence à campanha “Making Change at Walmart” e Anahí Tapia Torres é uma de seus integrantes. Ela afirmou: “Nosso pessoal encontrou ‘deed of trust’ (a escritura) que traz explicitamente o nome da Southwest Key Programs, a organização que está com todas essas crianças detidas”.
Em mundohispanico.com foi citada a réplica do Walmart para a denúncia. Randy Hargrove, seu porta-voz, disse que a cadeia “não sabia que esse seria o propósito final da propriedade”. Ele até forneceu informações de que o imóvel tinha sido vendido há mais de um ano para a Chacbak LLC e não para a Southwest Key Programs. Acontece que depois as duas empresas se associaram.
A política de “tolerância zero” anunciada pelo procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, a um ponto sem retorno. O funcionário que está inclusive à direita de Trump, apelou às escrituras sagradas e aos Salmos para justificar a mão dura. Ele disse que “cumprir a lei é bíblico” e citou o apóstolo Paulo em Romanos 13. A menção pertence ao jornalista David Brooks do La Jornada (do México), para quem Sessions fazia alusão a “obedecer às leis do governo porque Deus ordenou o governo para seus propósitos”.
O presidente dos Estados Unidos teve que recuar, mas enquanto isso parece ganhar tempo. De acordo com a NBC News, o estado federal começará a construir uma “cidade de tendas” para confinar mais outras 450 crianças imigrantes em Tornillo, no Texas. Naquele inóspito local de fronteira quase despovoado, vários prefeitos se reuniram em um ato para repudiar a “imoral e desumana” política de Trump.
Mas as iniciativas xenófobas que surgiram de Washington não terminam aí. O Departamento de Defesa anunciou que começou os preparativos para receber em bases militares até 20 mil crianças imigrantes que poderiam chegar ao país. Como as crianças da Casa Pai, onde funcionava um Walmart, que têm permissão para brincar ao ar livre apenas algumas horas por dia.
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Estados Unidos. Antiga loja do Walmart virou prisão para crianças migrantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU