26 Junho 2018
Um dos pensadores mais lúcidos da atualidade está em visita à Argentina até amanhã. Convidado pela Fundação Medifé, nesta tarde, às 18h, Richard Sennett (Chicago, 1943) dará uma conferência no auditório da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires, onde receberá o título de Doutor Honoris Causa, o segundo que recebe nesta viagem. O primeiro foi outorgado anteontem pela Universidade Nacional de Córdoba. Na capital cordobesa, Sennett participou do Terceiro Congresso de Moradia e Cidade. Mais de 1.500 pessoas se inscreveram para escutar em Buenos Aires o autor de Juntos. Os Rituais, os Prazeres e a Política da Cooperação e A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Nesta ocasião, além disso, o pensador das urbes foi nomeado cidadão ilustre da cidade de Buenos Aires.
Graduado na Universidade de Chicago e doutorado em Harvard, Sennett dá aula de sociologia na London School of Economics e na New York University. Costuma visitar a Argentina com frequência. Sua esposa, a prestigiosa filósofa e socióloga Saskia Sassen, que viveu no país até 1950, viajou com ele à cidade de Córdoba para dar uma conferência. “Com ela falamos mais de comida que de nossos projetos”, disse Sennett, brincando. O autor de ensaios fundamentais para a compreensão da vida urbana sob o império do capitalismo foi aluno de Hannah Arendt e amigo de Michel Foucault. No entanto, antes de se dedicar à vida acadêmica, consagrou-se como violoncelista. “A música me conferiu disciplina”, afirma.
A partir de Carne e Pedra. O Corpo e a Cidade na Civilização Ocidental (seu fabuloso conjunto de ensaios sobre modos de habitar as cidades do Ocidente ao longo dos séculos, publicado em 1994), interessou-se pelas formas civilizatórias e seus inimigos.
Atualmente, o capitalismo financeiro é objeto de suas críticas, mas também a inércia das esquerdas, ocupadas em diagnosticar o que obviamente é evidente, e o individualismo exacerbado pelas empresas tecnológicas. Todos os ensaios de Sennett estão traduzidos ao espanhol, mas não assim seus três romances, dos quais ele resgata só o primeiro, de 1982. Agradável e erudita, sua obra aborda de maneira provocativa e incisiva o presente do trabalho, a família e as classes sociais no mundo contemporâneo.
A entrevista é de Daniel Gigena, publicada por La Nación, 22-06-2018. A tradução é do Cepat.
O que são as “cidades abertas”?
Na verdade, a ideia básica é tratar de responder a interrogação sobre o modo como é possível construir cidades onde as pessoas de diferentes procedências, classes, religiões e raças interajam melhor entre elas. Queremos construir cidades mais cosmopolitas, no sentido de que as pessoas estejam mais conscientes e predispostas a conviver com pessoas diferentes. Também é uma busca de alternativas para lidar com os problemas que enfrentamos no presente, como a mudança climática ou o abuso da tecnologia. Procuro conectar estes dois conceitos através do técnico e do sociológico.
Estão dadas as condições políticas para que sejam construídas cidades assim?
Não. A resposta ao capitalismo é o socialismo. Seria imodesto pensar que um arquiteto ou um planejador urbano possam construir soluções para sair do capitalismo. Para isso existe a política. Às vezes, os arquitetos ou os planejadores urbanos são pouco modestos e pensam que com suas grandes ideias irão encontrar soluções para os problemas políticos. No entanto, se há um movimento para romper com a ordem existente, se requer saber o que se necessita. O conceito de cidade aberta é muito mais um ensaio sobre como construiríamos uma cidade assim, se pudéssemos fazer isso.
É um exercício do pensamento. A política necessita da política. Criar a imagem de uma cidade aberta nos ajuda a pensar em respostas.
Funciona como uma utopia?
É o que espero, ainda que não goste muito da palavra utopia. Minha proposta tem elementos práticos. A utopia, ao contrário, parece uma fantasia ou algo que nunca ocorrerá. O que eu proponho é ter uma visão clara do que se quer. A cidade aberta não é uma fantasia, necessariamente. Os elementos para construí-la hoje estão desorganizados e fragmentados, e a ideia de meu livro é lhes dar certa ordem.
Qual é a sua opinião sobre o papel da sociologia no presente?
Nunca vi a mim mesmo como um sociólogo, mas como uma pessoa interessada na sociedade. Minha formação é em filosofia e em arquitetura. Em todo caso, sou um sociólogo apaixonado, que pensa na desigualdade urbana, nos espaços públicos e na inovação política.
Em “Carne e Pedra”, compara sua tarefa com a de um crítico de arte. Por quê?
Procuro ver as obras de arte e a arquitetura como práticas sociais. Utilizo obras de arte para estudar a vida social. Como a arte é algo que se pratica dentro de uma sociedade, é interessante utilizar tanto a arte como a arquitetura nesse marco.
Quais são as ameaças para a construção de cidades mais democráticas?
A resposta é óbvia. São o capitalismo e os monopólios. Ambos padronizaram a forma de construir cidades em todo o mundo. Há cinco grandes companhias tecnológicas que monopolizam seus produtos e muito poucas empresas construtoras que desenham moradias no mundo.
As empresas de tecnologia vendem os mesmos produtos a todas as pessoas do planeta e o mesmo ocorre com as empresas que projetam grandes desenhos de moradia. Trabalhei na Nações Unidas e vi como isso ocorria em várias cidades chinesas. Lá, poucas empresas desenhavam as mesmas moradias, que podiam estar na África ou na América Latina. Tudo era igual. Poucos produtos repartidos em todo o mundo padronizaram as cidades e isso acarreta uma menor expressão do local. Se olhamos pela janela, aquele ar condicionado foi feito na China; o cimento é daqui, mas certamente foi processado por máquinas alemãs e as janelas, provavelmente, tenham sido feitas nos Estados Unidos. Onde estou realmente? Em Buenos Aires?
No entanto, as sociedades não aceitam tudo passivamente.
Se levamos em conta o conceito de cidade aberta, podemos construir em menor escala e facilitar que as classes populares participem no desenho e construção. A solução ao capitalismo não é o protecionismo, mas uma forma diferente de política. Meu próximo livro trata sobre isso: o modo de empoderar as pessoas para que não só habitem um lugar, mas que também participem de seu desenho e de sua construção.
Como avalia o governo de Donald Trump?
É fascismo. Mas, é um fascismo mais cultural que estrutural, muito vinculado ao neoliberalismo.
O Estado, no caso de Trump, é como um chicote, com o qual ele se ocupa de castigar diferentes grupos sociais. A diferença com Benito Mussolini é que este construiu um Estado ao redor de sua pessoa.
Como é compartilhar a vida com uma intelectual como Saskia Sassen?
É uma casualidade que nós dois sejamos intelectuais. Discutimos mais sobre comida que sobre questões do intelecto. Isto que digo é uma brincadeira, mas o importante é que nós dois nos damos espaço para pensar e criar. Nosso trabalho é pensar, e pensamos juntos, às vezes, mas a ideia não é que um seja crítico do outro. Aprendo muito com ela.
Quem são os que você reconhece como seus mestres?
Além de mestres como Hannah Arendt e Jürgen Habermas, minha maior influência foi meu trabalho como músico. Fui violoncelista profissional até que tive que deixar, mas a disciplina do músico de praticar constantemente e de trabalhar nos ensaios me ensinou que deveria escrever de forma constante. Escrevo como se estivesse em um ensaio. A música também me influenciou em meu modo de me comunicar com o público. Na música, não se pode se fechar e se separar do restante, é preciso se integrar para se comunicar com muita gente. A música ajudou a me tornar um pensador social.
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"Para Trump, o Estado é como um chicote para castigar diferentes grupos sociais". Entrevista com Richard Sennett - Instituto Humanitas Unisinos - IHU