14 Abril 2018
A carta do Papa Francisco aos bispos chilenos, reunidos em sua 115ª Assembleia Plenária, em Punta de Tralca, perto da cidade capital Santiago, diz: “No que me diz respeito, reconheço e assim quero que o transmitam fielmente, que cometi graves erros de avaliação e percepção da situação, especialmente pela falta de informação veraz e equilibrada”.
A reportagem é de Luis Badilla, publicada por Reflexión y Liberación, 13-04-2018. A tradução é do Cepat.
Esta é uma das chaves para compreender a carta do Papa, para entender toda a situação chilena dos últimos anos e sobretudo do período – decisivo – compreendido entre 2 de junho de 2017 e janeiro de 2018, vale dizer, desde que Francisco pela primeira vez recebeu uma carta oficial do governo chileno da senhora M. Bachelet, que o convidava ao país, e a Visita concreta entre 18 e 22 de janeiro passado. É um período breve, mas intenso, quando irrompem e ficam claros os principais elementos e componentes do declínio da Igreja chilena, gradual, mas imparável, que se iniciou nos anos 1970 e continua até a atualidade.
A partir dessa carta oficial do governo de Santiago começa, efetivamente, a “preparação” da viagem e a completar o mapa atualizado da Igreja chilena, cuja situação era conhecida há anos, sobretudo no Vaticano. Contudo, esse mapa precisava ser atualizado diante das novas circunstâncias, o Papa no Chile, incorporando todas as análises e considerações necessárias para que a peregrinação contasse com raízes pastorais, religiosas, sociais, eclesiais e políticas sólidas, que permitissem garantir o “êxito” pastoral, de imagem e de conteúdos da mesma.
Ao Papa e a determinadas autoridades do Vaticano chegaram toneladas de informação, e toneladas de informação foram solicitadas de maneira específica. O próprio Pontífice teve dois encontros a portas fechadas com o Episcopado chileno, durante a visita ad Limina, em 20 e 23 de fevereiro de 2017. No total, foram seis horas de encontro, evento bastante incomum e inédito há muitos anos. Posteriormente, no dia 16 de janeiro, Francisco voltou a estar com os bispos em Santiago do Chile, na sacristia da Catedral, e lhes dirigiu um discurso não muito exigente, evitando tocar em grandes questões que nesta nação romperam há muito tempo a comunhão eclesial.
Agora, segundo o convite transmitido pela carta publicada ontem, provavelmente, na terceira semana de maio, haverá um quarto encontro do Pontífice com todos os bispos chilenos. E este é outro fato inédito, mais ainda, surpreendente: um Papa que se encontra com todos os bispos de um Episcopado Nacional quatro vezes em quinze meses.
A esta altura, muitos se perguntam, sobretudo no Chile, ao que o Papa Francisco se refere quando diz: “incorri em graves erros de avaliação e percepção da situação, especialmente pela falta de informação veraz e equilibrada”. É possível supor, pelo contexto da carta e pelo que se pode ler nas entrelinhas, que esta “informação não veraz, nem equilibrada” corresponde a todo o caso Karadima e suas derivações, incluindo os quatro bispos que saíram da confraternidade do sacerdote processado e condenado, especialmente Barros. E certamente também se refere à maneira como foi relatado, ilustrado e talvez documentado ao Papa, de maneira pouco séria e sincera, o impacto de toda esta história no clima de preparação de sua Visita e, posteriormente, no desenvolvimento da própria Visita, muito pouco acompanhada pelo aparato midiático da Igreja chilena e do próprio Vaticano (Secretaria de comunicação e Sala de Imprensa), totalmente despreparados para a delicadeza quase trágica do evento.
Então, quem são os responsáveis pelo que o Santo Padre descreve como “falta de informação veraz e equilibrada”[?].
São várias pessoas, sobretudo no Chile, mas não só ali. Aquelas que desde o início resultam mais evidentes são três, e todas elas de grosso calibre e relevância. O primeiro é dom Ivo Scapolo, núncio apostólico no Chile desde 2011 e que já há alguns anos declarava ser abertamente contra uma Visita do Papa, porque se consideraria um apoio ao governo da senhora Bachelet que ele definia, a um diplomata chileno com quem falava dessa possibilidade, como “uma pessoa de esquerda, ateia e abortista”.
Em seguida, quem terá que dar muitas explicações e esclarecer diversas questões destes últimos 25 anos é o arcebispo emérito de Santiago, o cardeal Francisco Javier Errázuriz, de 84 anos, o membro mais idoso do Conselho de 9 cardeais (C9), grande defensor do padre Fernando Karadima, a quem definiu como “santo”, e que sempre fez tudo o que era possível, inclusive durante a visita do Papa, para desacreditar as vítimas do grupo Karadima.
Por último, o atual arcebispo de Santiago, o cardeal Ricardo Ezzati, pessoa muito subordinada ao autoritarismo de seu predecessor. Terá que dar numerosas explicações a perguntas inevitáveis e esclarecer muitas situações nas quais seu papel foi no mínimo suspeito. Obviamente, estes três prelados não são os únicos responsáveis. Há outros, mas estes três, diferente de todos os demais, foram os informantes mais próximos e constantes do Papa desde o próprio dia de sua eleição, há cinco anos. A eles corresponde a maior parte da responsabilidade neste caso.
A partir daqui, se há o desejo, seria necessário voltar a fins dos anos 1970, quando a Igreja chilena, por influências externas, começou a mudar de pele porque era considerada muito criativa, livre, dinâmica e influente na região latino-americana. Foram os anos em que se decidiu que era urgente a “normalização” das igrejas particulares da América Latina, para adequar sua vida, sua pastoral, aos interesses geopolíticos da guerra fria que se desenvolvia no coração da Europa. Mas, essa é outra questão.
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Chile. Quem mentiu ao Papa? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU