Birmânia, o cardeal Bo: "Eu estou com Aug San Suu Kyi"

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

29 Setembro 2017

"Não é prudente que o Papa pronuncie em solo birmanês o termo Rohingya: poderia causar reações descontroladas dos grupos nacionalistas budistas. E sobre a questão da minoria muçulmana oprimida, a líder Aung San Suu Kyi está fazendo todo o possível e tem o total apoio da Igreja católica". O cardeal Charles Maung Bo, faltando dois meses para a viagem do Papa Francisco para a Birmânia (27-30 novembro) - na peregrinação de outono que também vai passar por Bangladesh – define a posição da Igreja birmanesa sobre as questões mais delicadas que afetam a visita papal e estão nas manchetes dos noticiários internacionais: na recente assembléia geral da ONU, o governo de Mianmar rejeitou qualquer acusação de "limpeza étnica".

A reportagem é de Paolo Affatato, publicada por Vatican Insider, 27-09-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.

O cardeal explicou em um relatório detalhado que foi entregue ao Vatican Insider as preocupações que atravessam neste momento a Igreja birmanesa: acima de tudo, teme-se que a presença do Papa possa "provocar tensões religiosas" em virtude de "determinados comentários do Papa sobre os Rohingyas que poderiam inflamar os nacionalistas: eles argumentam que os Rohingyas não são birmaneses, mas sim bengalis, e não têm o direito de viver no país". Se estourassem desordens, seria criado um grande embaraço para o governo e para as instituições, e isso poderia estragar o clima geral. Inclusive porque, ressalta Bo, "a presença do Papa em Mianmar foi acolhida como uma contribuição para a paz e a harmonia tanto pelos membros civis do governo, como pelos militares"; passo, este, muito significativo, considerando que o Papa traz uma mensagem de apoio à paz, à reconciliação, à dignidade de cada homem e aos direitos humanos.

Por sua parte, a pequena comunidade católica birmanesa (450 mil fiéis, 1% da população), vê a chegada de Bergoglio como "uma bênção" e grande parte da população a considera uma "visita de cura". Muitos cidadãos birmaneses, de fato, acompanharam a visita do Papa à Colômbia, país dilacerado pela guerra civil, e identificam analogias com a Birmânia, que vive há várias décadas conflitos internos com numerosos grupos étnicos minoritários.

Não é só benevolência para Francisco, contudo: alguns grupos já estão em pé de guerra e o esperam na entrada, relata o cardeal, "Ashin Wirathu, monge que lidera o movimento budista Ma Ba Tha, classificou a visita papal como ‘uma visita política’", denunciado Francisco como defensor da causa dos rohyngyas. Sobre esse delicado campo está sendo jogado o significado e o impacto da peregrinação de Francisco em uma nação que está a duras penas emergindo de 60 anos de ditadura militar que influenciaram estruturas, instituições, mentalidades e organização social.

A questão dos Rohingyas explodiu com toda força e o Papa Francisco é indicado por várias correntes como possível "aríete" para forçar o governo birmanês: muitos esperam que ele fale abertamente sobre esse problema durante a viagem. Tal interpretação da visita de Bergoglio é, ao contrário, restritiva e equivocada, dizem os bispos, pois a peregrinação terá em primeiro lugar "um caráter pastoral". Além disso, de acordo com a Igreja birmanesa, precisa ser evitado em todos os sentidos que a presença do papa na Birmânia - a primeira vez na história - tenha um efeito contraproducente e, paradoxalmente, torna-se um prenúncio de conflitos ou desordens sociais.

Por essa razão, enfatiza Bo, a Igreja sugere ao Papa Francisco "não usar o termo Rohingya", mas "falar dos direitos humanitários de muçulmanos que sofrem no estado de Rakhine, da necessidade de uma solução pacífica e duradoura, da adoção de medidas não-violentas e da urgência de uma cooperação regional".

Aqui entra em jogo a posição da histórica líder birmanesa Aung San Suu Kyi, Prêmio Nobel da Paz e hoje Ministra do Exterior no governo da Birmânia; ela é amiga de velha data do cardeal, com quem compartilhou o sofrido percurso de luta pela democracia, sacrifício pessoal e envolvimento político direto. Bo a defende, confirmando-lhe "seu total apoio" e observando que "foi atacada impiedosamente pelas mídias ocidentais", que "foram bem rápidas em descartar seus sucessos" no caminho da democratização da Birmânia, na defesa dos direitos humanos e na reconciliação nacional.

Bo expressa apreço pelo recente discurso da Prêmio Nobel na ONU, no qual reiterou a urgência do respeito pelos direitos à assistência aos refugiados no estado de Rakhine. Aung San Suu Kyi, ressalta, "estabeleceu um comitê especial de trabalho para implementar as recomendações da Comissão Kofi Annan: iniciativa positiva que merece respeito e cooperação da comunidade internacional".

Lembrando seus méritos para o renascimento de Mianmar, o cardeal Bo afirma que "sua integridade e seu empenho estão acima de qualquer suspeita". A líder não pode puxar demais a corda com os militares, arriscando um novo golpe de estado. "Uma maior democracia e uma mais forte inclusão poderão sanar as feridas históricas. É urgente a paz com os grupos étnicos através da adoção de um sistema federal", concluiu o cardeal. "E a Igreja birmanesa, graças também à presença do Papa, contribuirá para construir a paz".

Leia mais