17 Agosto 2017
Por oito votos a zero, ministros rejeitam ação do governo de Mato Grosso que negava ocupação tradicional indígena e pedia indenizações.
Indígenas fazem vigília diante do STF em Brasília. Foto: Mídia Ninja.
A reportagem é publicado por Instituto Socioambiental - Isa, 16-08-2017.
Os povos indígenas obtiveram uma vitória importante no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta (16/8). A corte rejeitou as duas ações do governo de Mato Grosso que exigiam indenizações da União por ela ter supostamente demarcado o Parque Indígena do Xingu e áreas dos índios Pareci e Nambikwara sobre áreas devolutas estaduais.
O resultado final foi incontestável: todos os ministros presentes acompanharam o voto do relator, Marco Aurélio Mello, contra as ações. O placar final ficou em oito votos a zero a favor do relatório.
Conforme a decisão final, o STF confirmou definitivamente a ocupação tradicional em toda a extensão do Parque Indígena do Xingu, das Terras Indígenas (TIs) Nambikwara, Salumã e Tirecatinga, do povo Nambikwara, e Pareci e Utiariti, do povo Pareci. Portanto, não cabe nenhuma indenização ao Estado de Mato Grosso pela demarcação das áreas.
“O STF decidiu que, em nenhum momento, essas terras passaram ao Estado do Mato Grosso e que não é possível ignorar a presença dos índios”, comemorou, ao final do julgamento, Luís Enrique Eloy, indígena terena e advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
O temor do movimento indígena e das organizações indigenistas era que alguns ministros tentassem usar os dois casos para discutir restrições aos direitos territoriais indígenas diante das pressões de ruralistas e do governo Temer.
Um dos receios era de que o chamado “marco temporal” fosse incluído no debate. Segundo essa tese, defendida por alguns ministros e juízes de instâncias inferiores, só pode ser considerada TI a área ocupada pelos índios em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O marco não leva em conta expulsões sofridas pelas comunidades indígenas e dificulta as demarcações.
Não houve nenhuma decisão sobre o tema. O ministro Luís Roberto Barroso deixou claro que os dois casos não colocavam em questão o assunto. “Não se trata de uma discussão que envolva o marco temporal”, disse Barroso. Ele reafirmou que as determinações da decisão, de 2009, sobre a TI Raposa-Serra do Sol (RR) – na qual foi definido o “marco temporal” – devem ser aplicadas somente para esse caso. “Entendo que somente será descaracterizada a ocupação tradicional indígena se os índios deixarem voluntariamente a área ou os laços culturais forem desfeitos”, mencionou.
Em julho, o governo Temer adotou um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que determinou a aplicação das condicionantes do caso Raposa-Serra do Sol a todos os processos de demarcação de TIs, o que deve paralisá-los de vez e pode implicar a revisão de vários deles.
Luís Enrique Eloy avalia que a decisão de hoje é um recado do STF ao Executivo e ao Legislativo em defesa do direito originário dos índios sobre suas terras e que ele não deve ser flexibilizado em nome de interesses econômicos.
Eloy também avalia que a decisão foi desfavorável à consolidação da tese do “marco temporal”. Ele lembrou que alguns ministros mencionaram normas que, desde a época da Colônia e ao longo dos séculos seguintes, confirmaram o direito dos índios sobre suas terras. “Não é possível afirmar que essa discussão foi encerrada, mas os ministros deram uma sinalização clara de que os marcos temporais para a comprovação da posse da terra indígena não começam em 1988”, aponta.
Na noite de ontem, foi retirada da pauta do STF a ação da Fundação Nacional Indígena (Funai) que pede a anulação dos títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo Estado do Rio Grande do Sul sobre essa TI Ventarra, dos Kaigang, no Rio Grande do Sul. Nesse caso, o risco da imposição do “marco temporal” era maior ainda, conforme as organizações indígenas e indigenistas. Segundo informações, as partes envolvidas pediram para reanalisar o processo.
Também foi retirada de pauta a retomada do julgamento sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239, proposta, em 2004, pelo então PFL, hoje DEM, contra o Decreto 4.887/2003, que regulamenta a demarcação dos quilombos atualmente. O ministro que deveria votar logo no reinício do julgamento, Dias Toffoli, teve um problema de saúde e não pode comparecer ao tribunal.
Quilombolas e seus apoiadores defendem a norma e também temem que o STF declare sua constitucionalidade, mas restringindo o direito das comunidades à terra, ou sua inconstitucionalidade. Nesses dois casos, procedimentos de demarcação em andamento e futuros podem ser prejudicados (saiba mais).
“Convocamos toda a sociedade brasileira a continuar acompanhar o julgamento e defendendo os territórios quilombolas, que são um patrimônio do Brasil”, disse Givânia Silva, da direção da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
A Conaq e organizações parceiras, como o ISA, lançaram a campanha O Brasil é Quilombola! Nenhum Quilombo a menos! em defesa do decreto. A petição divulgada pela mobilização já tem mais de 70 mil assinaturas.
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Vitória indígena no STF - Instituto Humanitas Unisinos - IHU