18 Julho 2017
Primeiramente, algumas palavras sobre de onde venho: minha mãe foi professora em escolas públicas e católicas em Trenton, Nova Jersey, e meu pai, veterano da Primeira Guerra Mundial, escrevia editoriais para os jornais Trenton Times e Brooklyn Eagle, trabalhava como freelancer para o Philadelphia Record e o New York Herald Tribune, além de ter sido correspondente para o Monitor, jornal da Diocese de Trenton. Segundo me disseram, o meu pai escreveu mais de 40.000 editoriais em sua carreira.
A reportagem é de Raymond A. Schroth, publicada por America, 12-07-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Na Fordham University, depois de retornar de Paris, onde estudei por um ano, trabalhei como editor e colunista da revista Fordham Ram. Após dois anos no exército, entrei para os jesuítas, lecionei por três anos na McQuaid High School, em Rochester, e por 40 anos ensinei jornalismo em cinco universidades jesuítas e seculares. Foi editor temporário e colunista da revista America no final da década de 1960, juntei-me à Commonweal na qualidade de editor de livros nos anos 70, tendo trabalhado também no National Catholic Reporter por aproximadamente 30 anos, e voltei à America, seis anos atrás, para me dedicar em tempo integral à função de editor de livros.
Durante todos esses anos, escrevi nove obras, a maioria delas sobre jornalistas e jesuítas, e raramente distingui entre trabalho e lazer. Mas sempre percebi uma dada tensão entre a imprensa e alguns setores da Igreja. Certo dia, ainda jovem, acompanhei meu pai à missa em nossa paróquia. Acho que o pastor nunca preparava o sermão com antecedência e, frequentemente, divagava queixando-se da “imprensa secular” – termo que ele pronunciava com rispidez. Desta vez, ele estava no púlpito criticando a cobertura jornalística numa polêmica relacionada a um padre. O meu pai, que sempre tinha 102% de controle das próprias emoções, começou a apertar o seu rosário e a enrolá-lo no próprio punho. Interpretei este ato com um sinal de que, se me tornasse jornalista, teria de aceitar uma grande quantidade de abuso e manter-me sob controle.
Eu também aprendi que os meios de comunicação – que hoje incluem rádio, filme, televisão, Facebook, sítios eletrônicos, blogs e o Twitter, bem como os jornais – podem abusar do privilégio que têm de falar para o (e pelo) público que, em tese, deveriam representar. Vejamos as seis funções que os meios de comunicação desempenham e consideremos as suas obrigações.
Informar. Difundir as notícias de forma ampla e profunda o suficiente para os cidadãos desfrutarem de uma democracia real enquanto administram e constroem as suas comunidades.
Estimular o comércio. Por meio de anúncios, os jornais e a comunidade irão prosperar.
Educar. No século XIX, o jornal New York World, de Joseph Pulitzer, ajudou os imigrantes a dominarem o idioma inglês.
Há uma bela cena no filme “A hora da vingança”, com Humphrey Bogart, lançado década de 1940. Bogart é o editor de um jornal local que há pouco fora vendido para a concorrência e tem só alguns dias de publicação para expor um mafioso responsável pelo assassinato de uma jovem imigrante. No último minuto, a mãe da jovem leva ao editor cartas que provam a culpa do mafioso. Bogart pergunta por que ela trouxe estas provas a ele, ao invés de levá-las à polícia. A mãe responde: “Eu não conheço a polícia. Eu só conheço o jornal”. No último instante, quando as prensas giram com o sujeito na primeira página, o gangster telefona para Bogart. “Que barulho é este?”, diz. Bogart se senta em sua cadeira e diz: “É a imprensa, companheiro, e não há nada que você possa fazer”.
Preservar a história. Sem os arquivos de jornais responsáveis, com seus documentos públicos – e eleições e guerras travadas, vitórias e derrotas –, o nosso passado desapareceria como se a nossa vida nunca tivesse acontecido.
Desenvolver a cultura. Sem os críticos literários, sem os jornalistas esportivos e sem os analistas em geral, a literatura local, os filmes, o teatro, a música, a dança, as revistas em quadrinho, além dos eventos esportivos, todos iriam se deteriorar. A qualidade do entretenimento envelheceria e o intelecto público encolher-se-ia.
Inspirar. A página editorial é a mente e o coração do jornal. Acima de tudo, ela é a sua consciência.
Essa é obrigação mais importante tanto da imprensa confessional como da secular. Recentemente, o New York Times publicou uma nota, de uma página inteira, com 19 frases em negrito sobre a “verdade”, dizeres que se aplicam a eles próprios e a todos os outros órgãos de comunicação também. Por exemplo: “A verdade é dura. A verdade não pode ser ignorada. A verdade não assume lados. A verdade é dura de aceitar. A verdade exige assumir uma posição”.
Em suma, ser jornalista exige sabedoria e coragem. O conselho editorial deve imprimir a verdade, muito embora ela possa ofender certos leitores. Em alguns países, os jornalistas que contam a verdade hoje estão sendo mortos. Enquanto escrevo estas palavras, o Times, o Brooklyn Tablet, o London Tablet, o Catholic Free Press, a revista America, o National Catholic Reporter, o New York Daily News, o The Guardian, as revistas Commonweal, The Nation, The Michigan Catholic [publicação oficial da Diocese de Detroit] e outros estão espalhados por sobre minha mesa. Portanto estas regras se aplicam a todos nós, confessionais e seculares.
Este ano completa-se o quarto aniversário da eleição do Papa Francisco, e talvez o que mais se destaca é a sua disposição – até mesmo um desejo ardente – de se misturar com as pessoas, não importa qual a seja a religião ou a condição social delas. É uma reminiscência dos romances e filmes onde um rei, disfarçado, se mistura com os cidadãos mais pobres e aprende o que estas pessoas pensam dele – como Henrique V, de Shakespeare, em que Henrique se infiltra entre seus soldados ao redor de uma fogueira na noite anterior à batalha.
Conhecido em sua história pré-papal por resistir a entrevistas, assim que assumiu o papel de pastor mundial Francisco rapidamente estendeu a mão a seu rebanho. Antonio Spadaro, SJ, editor de La Civiltà Cattolica, periódico editado pelos jesuítas, conduziu a primeira entrevista de Francisco publicada, tanto na Civiltà quanto na revista America. Enquanto isso, em 16 de março Francisco não tardou em desafiar diretamente os meios de comunicação num discurso aos correspondentes romanos, já nos primeiros dias.
Eventos eclesiásticos, confessou Francisco, são mais difíceis de cobrir do que eventos políticos, em parte porque os eventos religiosos são “mais espirituais” do que políticos. “Cristo é o Pastor da Igreja”, disse na audiência com os jornalistas, “mas a sua presença na história passa através da liberdade dos homens”. Devemos ter “em devida conta este horizonte interpretativo, esta hermenêutica, para identificar o coração dos acontecimentos destes dias”. Ele elogiou o trabalho importante destes profissionais e acrescentou: “é que vós tendes a capacidade de identificar e exprimir as expectativas e as exigências do nosso tempo, de oferecer os elementos necessários para uma leitura da realidade”. Isto implica “um cuidado especial pela verdade, a bondade e a beleza”.
O papa concluiu o discurso com uma explicação do por que se chamou Francisco.
Aconteceu que um amigo, o cardeal que se sentava perto dele durante a eleição quando os votos foram contados, deu-lhe um abraço, beijou-lhe e disse: “Não te esqueças dos pobres!”. Imediatamente ele começou a pensar naquele que amou os pobres, um homem de paz, que ama e protege a criação: São Francisco de Assis. Naquele momento, a “imagem” do novo papa foi selada, o que se reforçou com ele escolhendo viver numa pousada vaticana, em vez da suíte palaciana, andando num carro simples e pequeno, evitando sapatos vermelhos e vestes clericais luxuosas, além de regularmente pedir à multidão para que reze por ele.
Em um discurso para o 50º Dia Mundial das Comunicações Sociais (25-01-2016), Francisco falou sobre os meios de comunicação. A internet e as redes sociais eram um “dom de Deus”, disse, e podem ser “formas de comunicação plenamente humanas”. Mas só se forem capazes de “superar a lógica que separa nitidamente os pecadores dos justos. Podemos e devemos julgar situações de pecado – violência, corrupção, exploração, etc. –, mas não podemos julgar as pessoas, porque só Deus pode ler profundamente no coração delas”. Não obstante, em “Buscando o rosto de Deus” (10 de fevereiro), ele pediu que as religiosas tenham o cuidado de não “perder tempo” ou de usar as mídias sociais para escapar às demandas da vida religiosa.
É difícil julgar até que ponto a presença do papa no Twitter ou Facebook está influenciando o compromisso religioso da geração atual. De acordo com Editor and Publisher, o Facebook parece ter assustado muitos executivos das comunicações. Atualmente, mais de 40% dos adultos americanos atualizam-se nas notícias pelo Facebook. Em termos globais, cerca de 1 em 10 pessoas diz que as mídias sociais são a principal fonte de notícias. A forma do presidente Trump de lidar com o público é através de tuítes, em vez do face a face com jornalistas reais; ele tem complicado ainda mais os esforços dos jornais em obter a verdade. Um jornalista católico me disse que um tuíte de Francisco alcança mais de 30 milhões de pessoas.
Uma rápida análise das notícias recentes indica a disposição do papa em falar a qualquer momento. No final de fevereiro, em sua missa privada, o papa criticou os fiéis que não praticam o que pregam. São fiéis que não pagam um salário adequado a seus empregados. Lavam dinheiro, levam uma vida dupla. Donos de empresas em processo de falência não pagam os trabalhadores. Um tirou férias de inverno no Oriente Médio enquanto os seus funcionários passavam sem receber. Em um nível mais doloroso, lê-se em uma reportagem do New York Times, Myanmar reprimiu o grupo minoritário muçulmano rohingya, matando e violentando sexualmente centenas de homens, mulheres e crianças numa “campanha de terror”. Em sua audiência semanal, Francisco contou que estas pessoas estavam sendo torturadas e mortas somente por causa da fé que professavam. Deveríamos rezar pelos nossos irmãos e irmãs muçulmanos, disse, e não erguer muros, e sim pontes. A referência a muros aqui inspirou-se também no muro proposto por Trump ao longo da fronteira mexicana e, talvez, no muro de Israel junto aos palestinos.
Segundo os principais analistas, o que Francisco realizou? Na publicação The Catholic Journalist, Thomas Rosica, OSB, fundador da Salt and Light Media Foundation – primeira rede televisiva nacional católica do Canadá –, diz que Francisco “renovou” o catolicismo. Não muito tempo atrás, os católicos, perguntados quanto ao que a Igreja defendia, responderiam: os católicos são contra o aborto, o casamento gay e o controle de natalidade, e são conhecidos pelas crises de abusos sexuais. Hoje, responderíamos: temos um papa preocupado com o meio ambiente, a misericórdia, a compaixão e o amor. Temos uma paixão pelo cuidado aos pobres e pessoas deslocadas que percorrem a face da terra.
Entre a imprensa, ele fez da função “jornalista religioso” algo divertido novamente. Prestigiadas faculdades de pós-graduação em administração o tem como um exemplo de “rebranding”. Rosica cita duas situações que ainda clamam por atenção: a falta de responsabilização no “mundo maluco da blogosfera” e os inúmeros católicos que têm feito da internet uma fossa de ódio e veneno em nome da defesa da fé.
Entrevistando vários bispos e pesquisadores, Joshua J. McElwee, correspondente em Roma do National Catholic Reporter, focaliza o “sentido pastoral único” que tem alterado a visão que a Igreja tem do mundo, numa cultura geral não mais cristã, muito menos católica, e, segundo os cardeais Donald Wuerl (de Washington, DC) e Sean O’Malley (de Boston), Francisco está forçando a Igreja a transformar a sua “conduta” na medida em que transforma as suas estruturas, lentamente trabalhando a partir da base.
Uma reportagem publicada por McElwee reproduz o discurso do bispo de San Diego, Dom Robert McElroy, proferido em fevereiro no Encontro Mundial dos Movimentos Populares, onde convocou os 700 participantes do evento a se tornarem “destruidores e reconstruidores”, em resposta ao ataque “destruidor” de Trump a programas nas áreas de justiça social: devemos nos colocar contrariamente aos que mandam tropas às ruas para afastar pais e mães de seus familiares, que descrevem os refugiados como inimigos, que veem os muçulmanos como fontes de medo, que tiram a assistência médica dos pobres, que tiram os vale-refeição da boca das crianças.
Como se ecoando o anúncio do New York Times, McElroy disse que jamais devemos temer falar a verdade. Na batalha para salvaguardar a dignidade da pessoa humana, devemos acompanhar um “governo forte e a proteção aos mais fracos, o trabalhador, os sem-teto, os famintos, aqueles que não contam com assistência médica, os desempregados”.
De um ponto de vista histórico, talvez as duas contribuições mais significativa do Papa Francisco são a encíclica Laudato Si’ (“Louvado Sejas, meu Senhor”, 24-05-2015), sobre a preservação do meio ambiente, e a exortação apostólica Amoris Laetitia (“A Alegria do Amor” (19-03-2016), sobre o amor na família. Ambos os documentos foram grandemente lidos e discutidos, e ambos têm os seus críticos. O dizer “Louvado sejas, meu Senhor” vem de um cântico de São Francisco de Assis, que declarou a terra a nossa casa comum. O Papa Francisco lista o prejuízo que temos feito ao não conseguir cumprir o mandamento de Deus presente em Gênesis de cuidar da criação: poluição, desperdício, cultura do descarte, as mudanças climáticas induzidas pelo aquecimento global causado pela concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, o abuso da “água potável e limpa […] indispensável para a vida humana e para sustentar os ecossistemas terrestres e aquáticos”.
Portanto a preservação é um direito humano básico e o nosso mundo tem uma dívida social profunda para com os pobres, a quem o acesso é negado. Quase como se estivesse escrevendo para a imprensa americana, Francisco enfatiza o declínio na qualidade da vida humana e o aumento da desigualdade global, e lamenta a fraqueza da resposta institucional a estas crises. A “palavra mágica” do Papa Francisco em resposta a todos os problemas em disputa que ele enfrenta é “diálogo”. Aqui a discussão deve se difundir a partir da comunidade internacional até as lideranças, os cientistas e cidadãos em todos os níveis. A grande maioria da população mundial acolheu o chamado à ação feito pelo pontífice; outros negam a realidade da mudança climática.
“A Alegria do Amor” é o produto de um longo processo em que cada paróquia e diocese foi convidada a se reunir e discutir abertamente os problemas que enfraquecem a vida familiar e, em seguida, encaminhar os resultados da consulta a Roma, onde delegações da hierarquia, em reuniões durante dois anos, proporia respostas em forma de assessoria ao papa. Alguns católicos recasados e que se encontram vivendo um segundo casamento, quando o primeiro, por motivos variados, não foi anulado, não estão livres para receber a Eucaristia. Francisco claramente quer, em casos onde o discernimento no nível local tende à liberdade, acolher estas famílias de volta aos sacramentos. Um grupo de quatro cardeais vem desafiando o papa. Eles consideram que Francisco está violando o Direito Canônico. Enquanto isso, os bispos alemães, em duas dioceses, elaboraram orientações para facilitar a discussão entre os casais e párocos.
Na Argentina, os bispos emitiram uma interpretação própria do documento sobre a vida familiar visando ordenar homens casados; e, no Brasil, onde existem apenas 1.800 padres para 140 milhões de fiéis, os bispos pediram que padres que deixaram a Igreja e se casaram possam retornar ao sacerdócio com suas famílias.
O jornalista teólogo Thomas Reese, SJ, listou as cinco grandes realizações do Papa Francisco:
a) Ele evangeliza enfatizando a compaixão e a misericórdia.
b) Permite uma discussão aberta e o debate na Igreja; é “impossível exagerar o quão extraordinário isto é”, escreve Reese.
c) Afastou o debate de temas morais e foi em direção ao discernimento, contanto com a graça na vida de pessoas imperfeitas.
d) Elevou o tema ambiental a um posto central da religiosidade católica.
e) Colocou-se a reformar as estruturas de governo da Igreja. E o mais importante: o papa está tentando transformar a cultura clerical, para especialmente convencer os bispos de que não são príncipes, mas servos.
Em artigo na Commonweal (27 de janeiro), Richard R. Gaillardetz lembra-nos de que, muito embora o Papa Pio XII proclamava que quando o papa fala sobre uma doutrina ela não está mais aberta ao debate, João XXIII criticou a confiança da Igreja nas condenações e insistia no diálogo, “o remédio da misericórdia”. O que a Igreja precisava era de uma vitalidade pastoral. Gaillardetz sugere que o dom do Papa Francisco é a sua insistência numa forma de autoridade magisterial com seis características distintivas:
a) Estamos ouvindo a Igreja.
b) O magistério pastoral é melhor via gestos simbólicos, como lavar os pés de uma muçulmana na Quinta-Feira Santa.
c) O movimento da hierarquia brasileira no sentido de padres casados decididos pela autoridade local, não pela autoridade romana.
d) Admitir a realidade da dúvida e incerteza na vida da fé. A doutrina não é um sistema fechado, mas está sempre em movimento.
e) A formação da consciência ultrapassa normas jurídicas rigorosas.
f) Nem todas as perguntas exigem conclusões magisteriais. As entrevistas abertas durante os voos papais que os jornalistas desfrutam são diálogos, não definições solenes. O autor recorda que o ensino católico sobre a escravidão, a usura, a liberdade religiosa e a igualdade fundamental de homens e mulheres mudou ao longo dos tempos.
Como sabemos que este estilo magisterial está influenciando a profissão de jornalismo? Temos de ler, ler e ler. Dias atrás as páginas do New York Times para artigos de opinião e o editorial soaram como os evangelhos. A coluna de Nicholas Kristof introduziu um personagem chamado “Pious Paul of Ryan”, quem continuamente interrompe Jesus enquanto este cura uma mulher que estava sangrando havia 12 horas, cura 10 leprosos e conta a história do Bom Samaritano que se compadece de um homem espancado por salteadores e ignorado por um ministro rico, até que Jesus pega o homem ferido e o leva ao hospital.
Pious Paul of Ryan conta a Jesus como deveria ensinar os enfermos e empobrecidos a serem responsáveis por si próprios.
Ryan protesta que o emprego feito pelo samaritano de seu dinheiro para ajudar os viajantes em estradas perigosas significa doar dinheiro a perdedores. Isto é socialismo!
Ryan propõe que o samaritano encontre um amigo seu, O Donald, abra uma fundação e construa um hospital com fins lucrativos. Deixe de lado esta idiotice de que a assistência à saúde é um direito humano. Jesus volta-se a Pious Paul e diz: “Vai-te embora. Quando não dás de comer aos famintos, é a mim a quem não alimentas”.
Em “The Pope and the Panhandler” [O papa e os pedintes de beira de estrada], editorial de 4 de março, o New York Times diz que o Papa Francisco fez aos nova-iorquinos um favor aconselhando-os sobre como lidar com os pedintes, especialmente nas grandes cidades onde a situação de pessoas sem-teto não está resolvida e diariamente encontramos uma pessoa sofredora que pede ajuda. Tendemos a continuar caminhando ou a procurar algumas moedas soltas. Ou nos perguntamos: Registros de antecedentes criminais? Saúde mental?
Entrevistado, o Papa Francisco diz que dar uma coisa a alguém é “sempre certo”. Não simplesmente o dê. Pare, olhe a pessoa nos olhos e toque-a com sua mão. A questão não é construir muros, nem ver a pessoa como um problema social, mas sim tê-la como um ser humano cuja vida é tão valiosa quanto a nossa própria.
Finalmente, existem dois motivos pelos quais Francisco desfruta de um tratamento simpático por parte da imprensa. O primeiro, estou convencido, é que eles compartilham um sistema de valores: a obrigação de informar o público, um senso de história e a sensação de que ambos estão fazendo história quando se encontram e viajam juntos, um compromisso com a liberdade de imprensa e com a justiça pelos membros mais vulneráveis da sociedade. O segundo é que, quando a imprensa se reúne com ele, ele de fato é a pessoa calorosa e humilde que transparece ser.
Um crítico do Washington Post, Hank Stuever, diz isto de uma forma melhor: “Há um verdadeiro senso entre os repórteres, especialmente os que somente conheceram os últimos dias do Papa João Paulo II e, depois, Bento XVI, que existe menos uma cultura do NÃO perpassando as histórias em torno do Vaticano. Não é necessariamente uma cultura do SIM, mas tem a ver com uma cultura de escuta e preocupação”.
Estes correspondentes dividiam suas impressões de uma viagem de avião com o papa que ia de Roma para a América Latina. Alguns dos jornalistas argentinos conheciam Jorge Bergoglio dos anos anteriores ao seu papado. Ele parecia uma pessoa muito diferente. Bastante séria, raramente sorria. Agora, o seu sorriso radiante é constante.
Entre os jesuítas argentinos, recebeu o apelido de “La Gioconda”, nome italiano para a Mona Lisa, quem, em seu retrato, nunca sorri. O papa raramente falava à imprensa; agora estas coletivas a bordo do avião papal podem durar mais de uma hora. Os que a bordo destes voos fizeram o seu dever de casa sabem sobre a sua nomeação para provincial jesuíta, quando tinha 36 anos, e sobre os anos difíceis da Guerra Suja (1976-1983), em que a ditadura de direita exterminou milhares de pessoas consideradas “subversivas”. E sabem de seu choque com companheiros de ordem religiosa que se arriscavam a trabalhar nas favelas, bem como do seu problema com a Companhia de Jesus, o que levou ao seu exílio temporário numa parte remota da Argentina e, depois, na Alemanha.
E agora temos aqui esta pessoa “nova”, lentamente se pondo no corredor do avião, conversando e cumprimentando a cada um dos 77 repórteres, os quais, embora admoestados a permanecerem calmos e sentados, tiram fotos com as câmeras de seus celulares e ele os abençoa, abençoa as fotografias de seus familiares, pessoalmente entrega uma torta de aniversário ao “decano” do corpo de imprensa do Vaticano. Um dos repórteres brevemente põe o seu boné sobre a cabeça do papa de forma a poder usá-lo em festas com a inscrição “o chapéu do papa”. Uma repórter da Spanish TV, de Miami, presenteia o papa com uma caixa com 48 empanadas preparadas por imigrantes argentinos da mesma cidade. Encantado, Francisco sorri, brinca e compartilha as empanadas.
Bart Jones, do Newsday, passou dez anos trabalhando como jornalista na Venezuela, tendo entrevistado Hugo Chavez, de quem escreveu uma biografia. Bart é diferente. Quer causar um certo tipo de impacto. Ele mostra ao papa uma foto de sua esposa venezuelana imigrante e seus dois filhos. Francisco autografa a imagem e a abençoa. Bart quer só mais um minuto. Conta a Francisco de seus estudos com os jesuítas da Fordham University e diz que foram muito bons aqueles anos de aprendizado. O jornalista estende a mão e toca o braço do papa. Francisco deixa sair um pequeno sorriso e, em espanhol, diz: “Agora tu tens o vírus” de ter estudado com os jesuítas. Estende a mão e move-a pela testa de Bart: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, e segue em frente.
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O Papa e a imprensa: uma relação surpreendentemente amigável - Instituto Humanitas Unisinos - IHU