11 Julho 2017
“Enquanto aguardamos reformas amplas às estruturas de comando da Igreja, em particular a plena inclusão das mulheres em papéis decisórios, os esforços de Francisco em dar forma às periferias católicas são um passo à frente significativo e louvável”, afirma editorial da publicação norte-americana National Catholic Reporter, 08-07-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Embora papa algum o diria abertamente, mas nomear cardeais é o ato mais abertamente político em todos os papados. É a única vez que um papa toma uma decisão quase totalmente eleitoreira: Quem deverá votar em meu sucessor quando eu tiver terminado o meu trabalho?
Este processo é, claro, inteiramente sexista e pouco democrático. Um homem (e é sempre um homem) nomeia outros homens (e são sempre somente homens) que um dia irão eleger o líder responsável por ministrar a uma enorme parcela da população mundial.
Para um número grande de católicos, a nomeação para o Colégio Cardinalício apenas ressalta o abismo entre o discurso oficial da Igreja sobre direitos e dignidade da mulher e a sua falta de ação em nome delas. Isso com certeza vai de encontro às esperanças de todos os que compartilham o desejo declarado do Papa Francisco em “criar oportunidades ainda mais amplas para uma presença feminina mais incisiva na Igreja”.
Mesmo assim, apesar de tudo, Francisco está fazendo coisas interessantes e louváveis com o seu grupo de cardeais: ele está tornando-o um pouco mais representativo dos 1.3 bilhão de católicos aos quais ministra.
Francisco está claramente também começando a reconhecer que ele se preocupa mais com quem está empoderando para eleger o seu sucessor do que com quais dioceses ou departamentos eclesiásticos o sujeito irá presidir.
Em seus quatro consistórios desde 2014, Francisco nomeou 49 dos 121 cardeais com menos de 80 anos aptos a votar num conclave. Desse número, ele escolheu 13 de países que nunca antes tiveram um cardeal.
Esta lista de países diz algo por si, e vale repeti-la por extenso: Haiti, Myanmar, Panamá, Cabo Verde, Tonga, Síria, a República Centro-Africana, Bangladesh, Papua Nova Guiné, Mali, Suécia, Laos e El Salvador.
Lendo essa lista, encontramos países insulares isolados e marcados pela pobreza, países assolados por guerras civis e por esforços ocidentais neste século XXI em colonizá-los, além de países que possuem uma pequena população católica em seus territórios.
Este último aspecto é fascinante. Laos e Myanmar, por exemplo, têm comunidades católicas minúsculas vivendo em sociedades e culturas imbuídas do budismo; os católicos suecos representam menos de 1% da população em um país nominalmente luterano, mas esmagadoramente secularizado.
O novo cardeal sueco Anders Arborelius explicou o sentimento por trás das escolhas cardinalícias de Francisco em entrevista concedida no dia 28 de junho passado ao dizer que o papa “tem esse amor pelos pequenos, pelas pequenas e pobres comunidades (...) e também pelos que vivem distante”.
Em certo sentido, as escolhas de Francisco o colocam diretamente em harmonia com os antecessores João XXIII, Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI, os quais, por décadas, buscaram internacionalizar a representação no grupo mais seleto da Igreja. Estes esforços, porém, foram paralisados nos últimos anos sob o comando de Bento. Para termos uma ideia da mudança ocorrida com o Papa Francisco, basta olhar para o penúltimo consistório de Bento XVI, ocorrido em fevereiro de 2012, quando um número impressionante de 10 dos 18 novos cardeais eleitores nomeados ocupavam cargos no Vaticano.
Imaginemos a diferença em perspectiva trazida ao Colégio Cardinalício por Arborelius, que está à frente da única diocese de seu país, em comparação com aquela trazida pelo presidente do Pontifício Conselho para Textos Legislativos ou pelo presidente da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica.
Como muitos outros cardeais designados por Francisco, Arborelius sabe que a Igreja não é a força dominante em sua cultura e que ela deve aprender a evangelizar através do exemplo, e não por meio do poder ou via decretos. Na entrevista, ele falou de coisas que a Igreja pode aprender, em invés de ensinar, com o seu país secularizado.
Da mesma forma, o cardeal laosiano Louis-Marie Ling Mangkhanekhoun concedeu uma entrevista no dia 24 de junho em que falou sobre a necessidade de se identificar prioridades para uma população católica de 45.000 em seu país de 7 milhões. Os católicos, segundo ele, devem estar em diálogo com as demais religiões e com o governo, a fim de “estabelecer relação e conversar com eles”.
Pensemos na perspectiva que o salvadorenho Jose Gregorio Rosa Chávez, bispo auxiliar já em idade avançada que literalmente caminha nas pegadas do martirizado Dom Oscar Romero, trará ao Colégio Cardinalício. Pensemos na mensagem que esta nomeação envia a todos os que trabalham em prol dos pobres e privados de direitos.
Até ao nomear cardeais de países que já contavam com purpurados antes, Francisco está fazendo mudanças. Em 2016, o cardeal eleito Joseph Tobin – que atuou na investigação vaticana às ordens religiosas femininas nos EUA – era arcebispo de Indianápolis, jurisdição que nunca contara com um cardeal, e depois o designou para Newark, Nova Jersey, outro local que nunca tivera um cardeal à frente.
Em fevereiro de 2015, Francisco criou dois cardeais italianos, mas contornou as sés cardinalícias tradicionais de Veneza e Turim. Um barrete vermelho foi para Dom Francesco Montenegro, de Agrigento, na Sicília, que preside a comissão sobre migração da conferência dos bispos italianos, migração que é um tema de importância especial ao papa. Nesse mesmo ano, um outro barrete cardinalício foi para o arcebispo mexicano Alberto Suárez Inda, de Morelia, diocese sitiada pelo crime organizado e pela violência.
Enquanto aguardamos reformas amplas às estruturas de comando da Igreja, em particular a plena inclusão das mulheres em papéis decisórios, os esforços de Francisco em dar forma às periferias católicas são um passo à frente significativo e louvável.
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Cardeais das periferias são um passo à frente dado na Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU