09 Junho 2017
Publicamos a seguir a proposta temática do Pentálogo VIII, evento a ser realizado pelo Centro Internacional de Semiótica e Comunicação – CISECO, no Hotel Albacora, Alagoas, entre os dias 25 e 29 de setembro de 2017. A informação foi publicada por Centro Internacional de Semiótica e Comunicação – CISECO.
Ao anunciar a realização do Pentálogo VIII, entre 25 e 29 de setembro de 2017, no Hotel Albacora, em Japaratinga/Alagoas, o Centro Internacional de Semiótica e Comunicação – CISECO – propõe o tema: “Circulação discursiva e transformação da sociedade”. E convida pesquisadores, professores, especialistas, estudantes de comunicação e profissionais de todas as áreas de conhecimento para avançar nas discussões iniciadas em 2016, durante o Pentálogo VII, quando debatemos “A circulação discursiva: entre produção e reconhecimento”, tema formulado por Eliseo Verón antes do seu falecimento. Para discutir o tema proposto, levamos em conta interrogações suscitadas pelas complexas mudanças que têm sofrido as condições de circulação dos discursos sociais, particularmente com a emergência da internet. Esta além de provocar “mutação nas condições de acesso dos atores sociais à discursividade midiática”[1], desenvolve dinâmica que acentua a importância da circulação como um novo objeto de estudos, cujos processos são preconizados como “novo grande campo de batalha, e essa guerra apenas começou”[2].
A circulação foi situada, durante muitos anos, como uma referência sem problematizações. Mas sua existência e formas de funcionamento ocuparam a trajetória da obra de Eliseo Verón, ao longo de muitas décadas (1978-2014), quando desenvolveu várias hipóteses a respeito do estatuto da circulação especificamente no cenário da midiatização em processo. Particularmente a que propõe: “no nível social, a circulação discursiva de significado é estruturalmente rompida”[3].
As mutações da midiatização produzem na organização social pelo menos três alterações nas formas de contato nas quais a circulação tem uma atividade estruturante: as que envolvem as relações dos indivíduos com o conhecimento; as que dizem respeito às relações dos indivíduos entre si; e as que envolvem os vínculos entre eles e as instituições. Delas resultam paisagem que chama atenção para mudanças sobre a natureza dos elos e vínculos. Uma das consequências destas dinâmicas é o fato do acesso aos “modos de uso” da internet complexificar a existência dos mediadores, algo que sugere problematizações, em termos teóricos e metodológicos. Outras complexas trajetórias feitas pelos indíviduos podem se constituir como fontes de complexidades. Os efeitos das relações entre os indivíduos e estas três dimensões de acesso podem se tornar mais acentuados na medida em que “a incorporação progressiva de novos regimes significantes fazem com que os discursos sociais se submetam a uma complexidade crescente”[4], no cenário da circulação.
Segundo a proposta do Pentálogo VIII, examinaremos três níveis de mutações nos cenários da circulação discursiva: os que se manifestam nas práticas sociais de modo mais amplo, outros relacionados com âmbito na comunicação midiática e aqueles que envolvem as relações da circulação com o senso comum. Segundo mutações a serem examinadas, a circulação ganha um novo status ao afetar o funcionamento de práticas de instituições sociais (saúde, política, jurídica, associativa, científica, esportiva, educacional, religiosa etc), ao redefinir as fronteiras, ambiências dos campos sociais e as relações entre suas práticas. Tal realidade dá a circulação um novo status, enquanto instância “organizadora” de complexas intercambialidades de sentidos e, nestas condições ela tem se constituído em um objeto que desafia os processos observacionais da semiótica aberta, bem como seus diálogos com diferentes disciplinas (sociologia, economia, direito, antropologia, política etc).
Há registros observáveis sobre as manifestações da circulação, muitos deles emergentes, e que se constituem em novas pistas para análise. É o caso, dentre outras marcas, da mudança nas estruturas mediadoras através do desaparecimento de antigos “experts”, favorecendo a ascensão dos chamados “influenciadores”. Desponta a formação de novos “coletivos” (amadores, colaboradores, fãs etc), complexificando a noção de receptor. Emergem novas “ estruturas de contatos” entre indivíduos e bancos de dados, segundo circuitos que tiram do foco a figura do especialista em vários campos (medicina, religião, direito, educação etc).
No contexto da comunicação midiática examinaremos a ocorrência de fenômenos relacionados com a gestão de acontecimentos por parte dos atores sociais e que dependem cada vez mais de “uma consciência mais clara das possibilidades de relacionamentos mais instantâneos na internet (...) e que vão além de conversações estúpidas”[5].
Pretendemos, refletir sobre as articulações do funcionamento entre “velhos” e “novos” meios. Observaremos a abertura de espaços por grande parte dos meios massivos de comunicação, através de seus portais, sites, canais etc, para a publicação de “qualquer discurso”. Tal processo teve grande desenvolvimento com a emergência dos blogs, graças aos quais profissionais independentes e amadores passaram a contar com seus próprios espaços público-midiáticos. O passo adiante se deu através do desenvolvimento e consolidação das redes sociais, que oferecem espaços próprios de publicação a qualquer pessoa que detenha as mínimas condições de acesso, isto é, um dispositivo com conexão à internet. Concretiza-se, assim, a “sociedade de emissores”, cenário antevisto, já faz muito tempo, por Roland Barthes[6] e Gene Youngblood[7]. Os receptores transformados em emissores somaram-se aos “tradicionais” enunciadores, cujas atividades mediadoras vêm sofrendo transformações profundas. Há pouco tempo, ainda seria possível distinguir com mais clareza discursos produzidos pelos mediadores profissionais daqueles enunciados pelos amadores. Os complexos feedbacks que se produzem no trabalho da circulação, nas articulações entre as estratégias em produção e em reconhecimento, chamam atenção de estudiosos de diferentes perspectivas científicas. Tal processualidade resulta na formação de coletivos, enquanto protagonistas de novas discursividades, na medida em que têm em mãos, pela primeira vez, o controle dos dispositivos para exercitar formas de usos. Esta nova paisagem suscita multidões que falam e que “opinam a respeito de temas que não entendem”[8]. Mas, também promovem intensa circulação de idéias que pode multiplicar preconceitos e também mobilizar pessoas em torno de causas sociais importantes, como reivindicações de minorias, por exemplo. Estas novas formações de coletivos, tanto nas redes como nas ruas, fazem circular modos potentes de resistência baseados em identidades e posicionamentos políticos que podem ser mais ou menos voláteis, circunstanciais, situacionais etc.
No complexo cenário do funcionamento da circulação sabemos que as relações de poder e de produção de sentidos são assimétricas, algo que suscita a interrogação: quem pode fazer circular, em que canais, para quem?[9]. A despeito das complexas transformações, pergunta-se se os tempos atuais podem ser lidos como uma época de rupturas e de incertezas políticas, econômicas, sociais, éticas etc. Pois, faz-se interessar quais são condições de possibilidade de voz[10] de indivíduos e grupos em meio à miríade de discursos vindos de cantos diversos.
Outras dinâmicas atingem de modo vertiginoso a atividade significante na espaço-temporalidade da vida social. Discursos circulam 24 horas – dos meios massivos às redes e das redes aos meios massivos; das instituições aos coletivos de atores individuais, e dos indivíduos e coletivos às instituições; e, também, dos profissionais aos amadores, e vice-versa. Por isso, não existe uma origem determinada. E outra transformação, mais importante ainda nos processos de circulação, refere-se, antes de tudo, aos próprios discursos. A heterogeneidade que caracteriza a produção discursiva, em termos de enunciação, oferece tampouco um mapa de rota, um percurso fixo a seguir.
A respeito das manifestações da circulação no âmbito de práticas sociais diversas, propõe-se que sejam refletidos, pelo menos, dois ângulos de problema: o primeiro leva em conta a expansão das lógicas e operações tecno-discursivas-midiáticas, sobre diferentes práticas sociais (jurídicas, esportivas, políticas, científicas, religiosas, dentre entre outras). Manifestações de dispositivos tecno-comunicacionais se projetam, se adequam e se evidenciam na “arquitetura” e nas rotinas de ambiências das instituições. Instâncias jurídicas tem seus processos e julgamentos engendrados por tecnologias de comunicação – como a intranet – e visualizados por processos de midiatização diversos. Também complexos acontecimentos (“impeachment” da presidente Dilma Rousseff e a “Operação Lava Jato”) são engendrados a partir de práticas intersistêmicas e de várias “gramáticas” (jurídica, tributária, política, policial...) lógicas e “enquadramentos” da midiatização.
A segunda modalidade para ser debatida, tem a ver com a atividade circulatória ao produzir “encolhimentos” nos processos comunicacionais de práticas sociais e das suas potencialidades de produção de sentidos. Tal “encolhimento” resultaria dos efeitos da midiatização cujas operações sócio-técnicas atravessariam territórios cognitivos, físicos e simbólicos de práticas sociais diversas, fazendo emergir novas formas de acesso, de contato e de discursividades entre campos e atores sociais. Emerge uma nova cultura que se sustenta em fluxos e bifurcações que fogem aos horizontes dos esquemas lineares de produção de sentidos e que se inspiram em complexas operações enunciativas. Na esfera da política, por exemplo, novas possibilidades de contato direto – via internet – entre governantes e leitores descartariam a presença de “elos mediadores”, problemática já apontada[11] como algo que se associa ao o fim da democracia representativa. Tal “experimentação” também se manifesta em vários contextos nos quais as relações entre alguns presidentes e a sociedade dispensariam certos protocolos mediacionais da “velha mídia”. E é o caso também das últimas eleições presidenciais americanas (Barack Obama e Donald Trump), quando a internet teve papel determinante – ainda que – sob perspectivas diferentes para os dois mandatários americanos. Reenfatiza-se neste contexto de “encolhimento” com repercussões sobre a circulação fenômenos que deixam de ter fronteiras próprias, como aqueles que, apesar de diretamente relacionados com o campo político, são atravessados por lógicas do campo jurídico. E a sua gestão é urdida e deliberada a partir de articulações com as especificidades do subsistema midiático, em favor de um novo processo de produção e circulação de sentidos. É possível que o caso mais emblemático de investigação sobre corrupção no Brasil vá além dos holofotes dos velhos meios de comunicação e tenha seus próprios recursos tecno-comunicacionais. Juízes e demais especialistas do campo jurídico-policial inserem em suas práticas exercícios advindos do campo midiático, como, por exemplo, as ações de media training, a cujos treinamentos seus peritos são submetidos.
No contexto de várias práticas (educacionais, científicas, climatológicas, segurança, saúde, entre outras), a “religião dos dados”, por exemplo, é elevada a um patamar decisório. A interpretação de problemas da sociedade passa a depender menos de diagnósticos de campos específicos – e de seus especialistas – e mais de lógicas algorítmicas desenvolvidas por grandes empresas digitais[12]. Ocorrências de surtos de epidemias despontam como exemplos relevantes, pois o sistema de leitura de dados, por parte destas organizações digitais, suplanta em velocidade as metodologias que orientam e mensuram estudos epidemiológicos. Nomear a existência de surtos de gripes, por exemplo, resulta menos de longas investigações epidemiológicas e mais dos imediatos registros sobre sintomatologias que aparecem em conversas nas redes sociais. Informações sobre a difusão de doenças depende menos de inquéritos epidemiológicos e mais dos efeitos da circulação de dados que são captados e tratados através de algoritmos.
Na esfera da segurança, “lógicas de vigilância” e de “estratégias antivigilância” travam embates cujos efeitos de operações de circulação de sentidos apontam de modo paradoxal para a crise, falência e eficácia de protocolos de práticas oficiais e aquelas dos detentos. Motins, sublevações e chacinas nos presídios brasileiros mostram que parte de suas causas está associada ao uso de tecnologias, (indevido, consentido, negligenciado, etc) como celulares, inclusive em momentos de enfrentamento entre amotinados e policiais. Durante embate em uma cadeia no norte do Brasil, a iminente morte de um dos detentos é anunciada por ele mesmo, através de mensagem compartilhada com familiares por celular de dentro da cadeia: “‘Acho que vão matar a gente aqui hoje. Tá tudo estranho. Se eu for, amo vocês’. Essa foi a mensagem que o detento Abel Paulino de Souza enviou à mulher por celular, no último dia 5”[13].
Durante o Pentálogo VIII são propostas também reflexões sobre como a midiatização e suas consequências sobre a circulação transformam ou reforçam o senso comum. Uma das características da circulação midiática hoje é que os circuitos frequentemente ultrapassam o âmbito do controle pela indústria cultural, e mesmo por campos sociais de outra natureza, em perspectiva institucional, profissional ou política. Como afirmado em Pentálogos passados, debates especializados se fazem em “praça pública”, ou vemos surgir um personagem, desde sempre presente, mas agora com iniciativas que ultrapassam aquelas, habitualmente, atribuídas ao receptor: “qualquer um” pode ter acesso aos recursos de produção e aos espaços de circulação midiatizada. Não se trata de pretender que processos do senso comum sejam tomados como referência principal, mas não podemos abdicar de investigar e de refletir sobre a presença deles na circulação social.
Essas são apenas algumas das indicações de cenários que nos levam a apresentar o tema do Pentálogo VIII, indagando sobre seus interstícios com disciplinas diferentes (semiótica, sociologia, economia, psicologia etc). Será um mero acaso a transformação dos modos de informar, fazer política, contar histórias, diagnosticar enfermidades, planejar campanhas de saúde, transmitir conhecimentos, organizar aprendizados, produzir formas de crenças, organizar a vida e relações familiares? Essas e outras questões que apontam para um cenário de pistas sobre o funcionamento da circulação discursiva, deverão ser levadas em conta, no Pentálogo VIII, ao lado de princípios sobre os quais se assentam os objetivos e as atividades do CISECO.
Para continuar avançando neste esforço reflexivo, nos parece também fundamental aprofundar o estudo da circulação de modo não abstrato, mas levando em conta os tempos em que vivemos. Deste modo, questões teóricas devem surgir e ser debatidas como necessidade própria das contingências do mundo, a partir da perspectiva de uma “semiótica aberta”. Somente a articulação entre “mente” e “coração” outorga consistência aos desenvolvimentos sistemáticos do trabalho analítico e investigativo. Para tanto, reconhecemos estarmos diante da necessidade de repensar um conjunto de problemas básicos que comprometem os modos de produção e efeitos do sentido, especialmente para futuras gerações de pesquisadores. Tal sentido de urgência impõe a necessidade de mostrar que nossos recursos intelectuais, teóricos e investigativos são capazes de enfrentar as vicissitudes que o momento exibe, levando-nos a buscar em que medida a semiótica oferece uma palavra articuladora – em termos de formulação reflexiva, analítica e pragmática –, e como ela pode, a partir de ação em diálogo com outras disciplinas, colaborar para o exame das transformações na escala crescente de circulação de sentidos na contemporaneidade.
A Diretoria do CISECO
Notas:
[1] VERÓN, Eliseo. La Semiosis Social 2: Ideas, Momentos, Interpretantes. Buenos Aires: Paidós, 2013.
[2] Idem.
[3] VERÓN, Eliseo. Teoria da midiatização: uma perspectiva semiantropológica e algumas de suas consequências. In: Matrizes. São Paulo: ECA/USP, 2014. p.13-19.
[4] VERÓN, Eliseo. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2004.
[5] Entrevista de Eliseo Verón concedida à TV Universitária da UFPB: “Olhar sobre a internet e a midiatização no mundo atual”, João Pessoa, setembro de 2012.
[6] BARTHES, Roland. Roland Barthes por Roland Barthes. São Paulo: Estação Liberdade, 2003.
[7] YOUNGBLOOD, Gene. Expandid cinema, New York: P Dutton, 1970.
[8] “A Conspiração dos imbecis”, entrevista de Umberto Eco. Revista Veja, São Paulo, 26/06/2015.
[9] HALL, Stuart; JHALLY, Sut. Stuart Hall: Representation & the Media. Programa de TV disponível aqui. Acesso em: 19 mar. 2017.
[10] COULDRY, Nick. Why voice matters: culture and politics after neoliberalism. London: Sage, 2010.
[11] FAUSTO NETO, Antonio; MOUCHON, Jean; VERÓN, Eliseo. Transformações da midiatização presidencial: corpos, relatos, negociações, resistências. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2012.
[12] HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: Uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
[13] FSP, 13/01/2017 - versão eletrônica.
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Circulação discursiva e transformação da sociedade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU