17 Mai 2017
Fala o Pe. Alejandro Solalinde, 72 anos, sacerdote mexicano que fundou há dez anos o centro para migrantes “Hermanos en el camino” (“Irmãos no caminho”) em Ixpetec, no Estado de Oaxaca, um dos candidatos para o Nobel da Paz de 2017: “Quero continuar defendendo os migrantes, apesar das ameaças e apesar dos perigos”. O seu centro estima mais de 10 mil migrantes desaparecidos, mas, de acordo com outras fontes, são mais de 70 mil. No segundo país mais violento do mundo (depois da Síria), com 23 mil homicídios por ano e o horror das valas comuns clandestinas, o seu testemunho é corajoso.
A reportagem é de Patrizia Caiffa, publicada por Servizio Informazione Religiosa (SIR), 15-05-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sobre a cabeça do Pe. Solalinde, paira uma recompensa de um milhão de dólares. Por isso, ele vive há cinco anos sob escolta. Os narcotraficantes querem vê-lo morto, porque ele não tem medo de denunciar a tragédia dos 500 mil migrantes sem documentos da América Central e do Sul que têm que passar pelo México na tentativa de chegar aos Estados Unidos. Nem – acima de tudo – as conivências com as forças da ordem e a política, com altíssimos níveis de corrupção.
Os migrantes são raptados, torturados, violentados e mortos se não pagarem o resgate ao crime organizado ou se recusarem a entrar nas suas fileiras. O corajoso testemunho do padre Solalinde – que se encontra nestes dias na Itália para apresentar o seu livro I narcos mi vogliono morto [Os narcos me querem morto] (Ed. Emi) –, ele deu a volta ao mundo. A ponto de lhe valer uma nomeação para o Nobel da Paz de 2017.
Como se vive com contínuas ameaças de morte e um preço sobre a sua cabeça?
Apesar das ameaças de morte e das ações violentas, eu vivo tranquilo na minha fé, porque sou um missionário itinerante do Reino de Deus: para mim, é importante levar a termo esse compromisso, e estou fazendo isso todos os dias. Se a máfia e o governo corrupto me permitirem, vou seguir em frente. Não quero perder a responsabilidade da missão, nem a alegria de viver. Quero continuar defendendo os migrantes, apesar das ameaças e apesar dos perigos. Até agora, Deus esteve ao meu lado e me salvou.
Como se sente depois da candidatura ao Prêmio Nobel da Paz de 2017?
Eu acolhi essa candidatura com muita cautela e precaução. Para mim, é claro que, se houver, não será um prêmio para mim, mas para mais de 90 organizações da sociedade civil no México que lutam pelos migrantes. E para a Igreja Católica, que trabalhou muito nesse campo, para as organizações e para quem defende os direitos dos migrantes. Não esqueçamos que existem outras 317 pessoas indicadas para o Prêmio Nobel da Paz, e todos estão fazendo um trabalho importante pelos direitos humanos. Quem quer que vença, será um reconhecimento a toda a comunidade mundial dos defensores e defensoras dos direitos humanos.
No México, os defensores dos direitos humanos arriscam muito. O último homicídio remonta ao dia 12 de maio: trata-se de Miriam Elizabeth Rodríguez, mãe de uma dos milhares de desaparecidos, cujo corpo tinha sido encontrado em uma vala comum há cinco anos.
Não existe outro país no mundo como o México, onde tantas pessoas desaparecem, não só migrantes. As valas clandestinas são um horror. Todos os dias, descobre-se uma. Na noite antes de partir para a Itália, eu falei com pessoas de quatro localidades diferentes, que me contavam sobre novas valas clandestinas. A maioria dos corpos são de migrantes pobres que vinham da América do Sul e Central: encontraram a morte no México porque não puderam pagar o resgate ou não quiseram trabalhar como assassinos para o crime organizado. Esses desaparecimentos têm a ver com as corporações policialescas do México, mas também com o Exército e a Marinha. Vivemos em um Estado em que o crime organizado se infiltrou de forma maldita.
O senhor vive com escolta. Não teme traições?
Tenho certeza de que não corro o risco de traições por parte da minha escolta pessoal (três homens e uma mulher). Eles estão comigo há cinco anos, eu os quero muito bem, são como a minha família. Mas pode vir um ataque de qualquer lugar. Porque são agentes de polícia dissuasiva. Só podem conter os riscos e me afastar do perigo.
O que acontece hoje na fronteira entre o México e os Estados Unidos com a presidência de Trump?
Ainda continuam morrendo muitos migrantes, mas muitos continuam passando pela fronteira. Desde que Trump é presidente, 25% da população migrante (de 500 mil presentes no México) conseguem chegar aos Estados Unidos. Donald Trump não pode conter a migração, porque a fronteira não é controlada pelos Estados Unidos, nem pelo governo mexicano, mas pelo crime organizado. Em ambos os lados, há corrupção. Há pelo menos quatro modos de entrar. A corrupção é a ponte por onde passam os migrantes, pagando. Cerca de 25% se renderam e estão retornando ao próprio país. Mas 50% estão decidindo se vão permanecer no México, pelo menos enquanto Donald Trump estiver.
A ameaça de Trump de construir um muro, portanto, não adianta?
Não adianta, porque já é tarde. Os migrantes já estão nos Estados Unidos: existem 34 milhões de mexicanos, com 11 milhões de migrantes sem documentos, e outros que continuam chegando. Uma população que está se multiplicando por três. O rosto novo das Igrejas católica e evangélica nos Estados Unidos é migrante. A Conferência dos Bispos dos Estados Unidos se organizou muito bem para ajudá-los.
É verdade que muitas crianças mexicanas dizem que, quando crescerem, querem ser assassinos de aluguel?
É verdade. Crianças e jovens dizem que querem ser narcotraficantes para serem importantes, ter mulheres, dinheiro e armas. “Não importa se a vida vai durar dois ou três anos, mas quero vivê-la bem”, dizem. Isso significa que, nas instituições educacionais, escola e Igreja Católica, deixou-se de apresentar Jesus como um exemplo. A maioria das pessoas não se aproximam das paróquias, vivem nas ruas, aonde a Palavra de Deus não chega. Portanto, é necessária uma verdadeira educação à fé e aos valores. Temos 82% dos católicos no papel, mas a maioria não é de verdadeiros fiéis. Temos políticos corruptos, narcotraficantes e jovens que querem se tornar narcos.
Como lhe parece a atitude da sociedade italiana em relação aos migrantes?
Eu notei mudanças positivas, mais interesse dos bispos, da Conferência Episcopal Italiana e dos párocos. Mas ainda falta muito: é preciso mudar a visão negativa em relação aos migrantes. Não é preciso ter medo de receber as pessoas que vêm do Sul, porque elas trazem consigo muitos valores, o sentido da vida, da partilha, o dom da fé, o respeito e o amor pela terra, que elas não consideram como uma mercadoria, mas como uma mãe que nos dá o alimento. O melhor presente para os migrantes é o Papa Francisco. Eu nunca conheci um papa que tenha amado tanto os migrantes. Ele os defende não só porque são os mais excluídos, mas também porque são um sinal dos tempos. No dia 17 de maio, eu vou à audiência geral em São Pedro, mas ainda não sei se vou conseguir encontrá-lo pessoalmente.
Infelizmente, em uma Europa atingida pelo terrorismo, desliza-se facilmente para o medo do diferente...
Uma coisa que falta à Europa é um melhor conhecimento da história da colonização europeia na África: a Europa estabeleceu fronteiras e criou conflitos históricos, saqueou os recursos africanos com os quais viveu comodamente por muitos anos. É preciso distinguir entre os migrantes que vêm trabalhar e que reconstruirão uma nova Europa e os migrantes terroristas que vêm para se vingar pelo dano que a Europa causou à África. Há uma espécie de vingança, de revanche, do Isis para com a Europa, mas isso não tem nada a ver com os migrantes: é uma questão política.
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Solalinde, o padre dos migrantes que desafia os narcotraficantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU