À sombra de Romero, Igreja latino-americana renova seu chamado à missão

Imagem: Celam

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10 Mai 2017

Uma importante assembleia de bispos das 22 nações membros do Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (Celam) iniciou nessa terça-feira, 9, em El Salvador. A sombra do Bem-aventurado Oscar Romero, o arcebispo assassinado que será canonizado em breve, subjaz ao encontro – junto com um forte sentimento de que este é um tempo favorável para o continente.

A reportagem é de Austen Ivereigh, publicada por Crux, 09-05-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Há uma faísca de história pairando sobre o encontro das 22 Conferências Episcopais da América Latina nesta semana em San Salvador, sendo mais do que uma sugestão de que este é um “tempo favorável” para a Igreja desse continente.

É verdade que essa é apenas uma assembleia “ordinária” do Celam, o Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe, do tipo que acontece a cada quatro anos. Isso significa que, ao contrário das suas cinco grandes “conferências gerais” continentais desde 1955, que emitem documentos históricos, essa reunião está principalmente preocupada com relatórios e discussões internos.

Mas este é um momento especial – a primeira dessas assembleias sob o primeiro papa latino-americano no 10º aniversário da Conferência Geral de Aparecida, no Brasil. Francisco dirigiu e liderou o documento conclusivo daquela conferência geral, que forma o pano de fundo da “revolução pastoral” do seu papado. No mínimo, esta semana comprometerá novamente a Igreja latino-americana com a chamada “missão continental” – em saída, pastoral, focada na periferia – como programa e atitude.

A assembleia dos dias 9 a 15 de maio está acontecendo em El Salvador, porque é o centenário do nascimento de Oscar Romero, o mártir moderno mais famoso da América Latina e ícone da “Igreja dos pobres”.

O ex-arcebispo de San Salvador, morto a tiros durante a celebração da missa em março de 1980, depois de se pronunciar contra a repressão sangrenta aos pobres, foi finalmente beatificado há dois anos, depois que Francisco desbloqueou a sua causa, estancada por muito tempo em Roma por causa da insistência do núncio de El Salvador e das classes dominantes. Francisco deve declarar Romero santo ainda este ano.

Esta semana é também o 50º aniversário da assembleia do Celam de 1968 em Medellín, que lançou a Igreja latino-americana em sua forma moderna, comprometendo-a a uma tarefa histórica de libertação. Embora o conceito tenha levado a ferozes desentendimentos no rastro da revolução cubana, a promessa dos bispos latino-americanos de se manterem ao lado da sua maioria pobre contra todas as ameaças ao seu bem-estar está agora, indiscutivelmente, mais firme do que nunca.

Dom Juan Espinoza, secretário-geral mexicano do Celam, diz que o fato de o encontro desta semana ocorrer em El Salvador sob a sombra de Romero dá uma razão especial para recuperar aquele compromisso.

“Neste ano, estamos colocando uma especial ênfase sobre todo o nosso trabalho no Celam na promoção de uma Igreja pobre para os pobres”, disse ele à Rádio Vaticano.

Outro item significativo será um segundo sínodo de todas as Américas, o primeiro dos quais ocorreu há 20 anos. Os laços entre bispos do norte e do sul do Rio Grande – organizacionais, assim como de afeto e de afinidade – têm crescido cada vez mais: os projetos do Celam recebem a maior parte do seu financiamento dos bispos norte-americanos. Um encontro sobre a misericórdia em Bogotá, Colômbia, no ano passado, foi o maior encontro de bispos do Norte e do Sul desde o sínodo de 1997, que levou à Ecclesia in America.

O encontro desta semana terá um contingente de bispos dos Estados Unidos e do Canadá para discutir um novo “sínodo das Américas” – que acontecerá não em Roma, mas, digamos, na América Central ou no México. Ele permitiria que as Igrejas do Norte e do Sul falassem com uma única voz sobre questões-chave globais como a imigração, as mudanças climáticas, a violência, as drogas e as ameaças ao casamento e à família. Como as Américas agora contêm quase a metade de todos os católicos do mundo, seria difícil de ignorar a sua voz.

Também seria um passo-chave para fortalecer a voz dos organizamos episcopais continentais, o que Francisco quer ver acontecer. Em uma era globalizada, quando tantos desafios atravessam as fronteiras, mas que está vendo um retorno do nacionalismo e do nativismo, os encontros regionais de bispos serão uma importante plataforma profética. O Celam, de longe o mais velho e mais forte desses organismos, é chamado a liderar o caminho.

A maioria das discussões desta semana terá um foco interno, ouvindo as iniciativas da Igreja continental. Entre estas, a formação de líderes leigos terá uma proeminência especial. Francisco quer que o Celam resista ao clericalismo e ajude a formar pessoas leigas empenhadas e imbuídas na doutrina social católica, a resgatar a política no continente dos messias de esquerda e dos tecnocratas neoliberais.

Mas ele quer ver mais líderes leigos formados para servir as paróquias locais. Preocupado com o fato de que muitos católicos latino-americanos vivem isolados da Igreja, ele pediu que o Celam ajude as Conferências Episcopais a formar líderes e catequistas locais, alguns dos quais poderiam ser diáconos.

Esses “agentes de pastoral” formados permitiriam a multiplicação daqueles que, na Arquidiocese de Bogotá, Colômbia, são chamados de “centros de escuta” – lugares aonde as pessoas podem ir para falar dos seus problemas e pressões, e serem ouvidas por um pastor ou por um leigo formado em discernimento.

O Celam criou um novo órgão de treinamento e formação, o Cebitepal (Centro Bíblico Teológico Pastoral para América Latina e Caribe), para focar seus esforços. Dentro dele, a chamada Escola Social, criada no ano passado, tem uma espécie de função de observatório, para ajudar os bispos do continente a coordenarem as respostas a desafios como as mudanças climáticas ou o tráfico de drogas e ensinar a doutrina social católica.

Tudo isso – e novos financiamentos para tais iniciativas – sugere que provavelmente ouviremos mais do Celam nos próximos anos. Não há nada tão energizante quanto acreditar que agora é um kairós, um tempo favorável – e não há nenhum lugar na Igreja exatamente agora que transpareça isso mais do que a América Latina.

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