05 Março 2017
“Lund foi uma daquelas experiências que mudam a vida.” Agora, porém, “é importante que esse diálogo não seja vivido apenas em Roma ou em Genebra”, mas “alcance as comunidades locais”. É o que defende Munib Younan, desde 2010 presidente da Federação Luterana Mundial, recordando o encontro ecumênico vivido na Suécia, junto com o Papa Francisco, “meu irmão em Cristo”.
A reportagem é de Riccardo Burigana, publicada no jornal L’Osservatore Romano, 01-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Younan, bispo da Igreja Evangélica Luterana na Jordânia e na Terra Santa, nos últimos dias em Florença para participar do congresso “Reler a Reforma”, aceitou o convite do nosso jornal para responder a algumas perguntas sobre o estado do diálogo ecumênico no 500º aniversário da Reforma protestante e sobre o compromisso dos cristãos na construção da paz no mundo, em particular na Terra santa.
O que representa o diálogo ecumênico para a Federação Luterana Mundial?
Para os luteranos, o ecumenismo é o centro da própria vida de fé. Por isso, a Federação promoveu diálogos bilaterais com a Igreja Católica, a Igreja Ortodoxa, as Igrejas Reformadas e os anglicanos, conversas com os pentecostais e os batistas, um caminho penitencial com os menonitas. O ecumenismo, porém, não é apenas um debate teológico para entender como superar as divisões. Ele deve mudar o rosto das comunidades, deve penetrar profundamente na experiência cotidiana de cada cristão. Uma das questões em aberto é a recepção daquilo que foi feito do ponto de vista do diálogo teológico justamente na vida cotidiana: o espírito de Lund pode ajudar os cristãos a descobrir que o ecumenismo é viver Cristo juntos, para enfrentar juntos os desafios que são os mesmos para todos os cristãos.
Quais serão os temas da próxima assembleia geral da Federação que será realizada em Windhoek, Namíbia, de 10 a 16 de maio?
A cada sete anos, a Federação Luterana Mundial realiza uma assembleia geral em que são discutidas as diretrizes para os anos seguintes. É um momento importante, porque se encontram os luteranos de todo o mundo para compartilhar as experiências das comunidades locais. Neste ano, falaremos da Reforma, que constitui um patrimônio espiritual que chama todos os cristãos, não só aos luteranos, a refletir sobre o fato de termos sido “libertos pela graça de Deus”, tema da assembleia.
Em Windhoek, serão três os pontos de debate: o primeiro é recordar a todos que a salvação é gratuita e não pode ser comprada de modo algum; deve-se fugir da ideia de que a prosperidade do indivíduo é uma estrada que leva à salvação, como alguns tentaram dizer ao ler algumas páginas das Sagradas Escrituras.
O segundo aspecto diz respeito à dignidade do ser humano: não se pode aceitar a pobreza, a escravidão, a negação dos direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa; os cristãos devem colocar no centro o respeito a cada homem e a cada mulher, condenando qualquer ato de violência e de marginalização.
O terceiro ponto concerne à salvaguarda da criação: estamos em um ponto de “não retorno”, como repetem muitos cientistas; depois dos acordos firmados em nível internacional, as Igrejas devem trabalhar para inverter a rota na exploração da criação, a fim de intervir nas mudanças climáticas em ação. Não se trata de algo que diz respeito a luteranos e católicos, mas a todo o mundo: construir a paz e a justiça partindo da salvaguarda da criação é uma tarefa que deve envolver a todos.
Qual é o estado das relações entre a Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica depois do encontro ecumênico de Lund?
Lund foi uma daquelas experiências que mudam a vida: foi importante vivê-la depois da redação do documento “Do conflito à comunhão”, que ajudou luteranos e católicos a sempre buscar os pontos de convergência a partir daquilo que já nos une; o documento indica cinco imperativos que devem guiar o caminho ecumênico, que parte do reconhecimento comum do único batismo em Cristo. No presente do caminho ecumênico entre luteranos e católicos, adquire um valor profético a diaconia em relação ao mundo, pois testemunha o compromisso comum em favor dos últimos.
Lund foi possível porque, há 50 anos, católicos e luteranos iniciaram um diálogo ecumênico que produziu documentos, mas, acima de tudo, fez aumentar a confiança e a amizade. Agora, é importante que esse diálogo não seja vivido só em Roma ou em Genebra, mas alcance as comunidades locais. Nos próximos meses, serão abordadas as questões que ainda separam luteranos e católicos; será discutida a eclesiologia, a natureza do ministério e a comunhão eclesial. Nesse diálogo, pesa o passado de séculos de silêncio. O nosso passado não pode ser mudado, mas não deve determinar o nosso presente e o nosso futuro. Tenho certeza de que, um dia, será possível superar essas divisões e se poderá compartilhar o pão da mesa eucarística: tal caminho não depende de nós, mas está nas mãos de Deus.
Como acha que os cristãos estão vivendo a comemoração do 500º aniversário da Reforma?
Existem três níveis para comemorar esse aniversário: dar graças ao Senhor, juntos, lembrando que isso nunca foi feito antes; arrepender-se dos nossos pecados e das nossas divisões, sabendo muito bem, assim, que nós podemos ver Cristo no rosto do outro; viver esse aniversário em um espírito ecumênico, isto é, promover uma missão compartilhada no mundo, especialmente no Sul do mundo, onde são mais difusas as situações de pobreza. Comemorar juntos a Reforma significa, assim, perguntar-se o que a Reforma diz a cada um de nós, sabendo muito bem que ela não terminou no século XVI, mas permanece viva no espírito da expressão “ecclesia semper reformanda”, que remete à dinamicidade de Cristo, que nos convida a enfrentar os desafios presentes. Concordo com o Papa Francisco quando pede para levar “o púlpito para a rua”, de modo a se dirigir a todos: o mundo precisa da Palavra de Deus em um tempo em que se difunde cada vez mais a secularização e se sente a ausência de líderes mundiais.
Qual a sua opinião sobre a situação da Terra Santa?
Neste momento, eu não estou otimista. A paz parece distante. Nos últimos dias, a solução dos dois Estados foi questionada. Não existe outro caminho senão a do diálogo: a cidade de Jerusalém não deve ser dividida, mas compartilhada, tornando-se um lugar de diálogo. Tenho medo pelos cristãos do Oriente Médio, por causa da tentação de deixar tudo e partir para outro país. Diante dessa tentação, que já levou muitos cristãos a partirem, devemos nos perguntar o que seria o Oriente Médio sem cristãos. Justamente para tentar reverter o curso, deve-se promover a justiça para se reafirmar os direitos humanos e a liberdade religiosa para todos. Os cristãos de todo o mundo devem se sentir responsáveis pelo destino dos cristãos da Terra Santa: por isso, devem apoiar espiritual e materialmente os fiéis que, com a sua presença, podem ajudar na construção da paz.
O que os cristãos podem fazer pela paz?
A paz não é uma questão que diz respeito apenas à Terra Santa: em todo o mundo, a paz está posta em discussão, até mesmo pelo aparecimento de tantos políticos que alimentam o fogo das divisões em nome de um interesse pessoal e local, ignorando o bem do mundo. O egocentrismo é um dos pecados mais terríveis no mundo atual. Os cristãos devem sempre lembrar que a construção da paz é uma tarefa que foi confiada a eles por Deus. Diante dessa situação, a Igreja deve fazer algo: deve se tornar a consciência dos Estados, assumir uma liderança moral, falando de justiça em voz alta, sem ter medo. A Igreja pode e deve fazer muito mais do que os cristãos já fizeram até agora, até porque, em 2017, a Igreja deve ser “una” ao pedir justiça, fazendo-se ouvir pelo mundo da política a uma só voz.
O que fazer pelos refugiados e os migrantes?
Eu considero uma vergonha a política dos países europeus que se recusam a acolher os migrantes. É uma vergonha por dois motivos: depois da Segunda Guerra Mundial, toda a Europa viveu a tragédia dos migrantes, e a Europa tem responsabilidades específicas nas crises que abalam o mundo, levando homens e mulheres a escapar de seus países, da Síria à Somália, passando pelo Sudão do Sul. Nessa perspectiva, é importante o documento “Dar as boas-vindas aos estrangeiros”, que foi assinado por muitos líderes religiosos que assim quiseram responder a uma pergunta do Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas, pedindo que a política faça algo por uma acolhida diferente aos migrantes. Eu mesmo sou um refugiado e entendo o que significa buscar uma vida, uma dignidade de vida. No mundo, os luteranos assistem mais de dois milhões de migrantes sem pedir nada; nisso, há uma profunda sintonia. Deve-se condenar a islamofobia, o antissemitismo, a cristianofobia, a xenofobia que não ajudam a construir uma cultura da acolhida que é uma resposta a Deus: quem der um copo de água, não uma garrafa, terá parte no reino de Deus.
O que o senhor acha do compromisso do Papa Francisco e do seu envolvimento pessoal no movimento ecumênico?
Acima de tudo, acho que é importante lembrar que João XXIII, com o Concílio Vaticano II, abriu uma nova temporada que foi levada adiante pelos seus sucessores. Eu tive a alegria de me encontrar com João Paulo II, com Bento XVI e com o Papa Francisco, fazendo a experiência daquilo que eles traziam no coração, não só o caminho ecumênico, mas também a promoção do diálogo com todos. O Papa Francisco, o meu irmão em Cristo, recorda que, caminhando juntos, os cristãos são mais fortes para anunciar Cristo. O diálogo é o futuro: o Papa Francisco compreendeu isso e o faz e o encarna. No diálogo e com o diálogo, os cristãos são chamados a viver juntos a paz, a justiça e a salvaguarda da criação, o amor.
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Ecumenismo é viver Cristo. Entrevista com Munib Younan, presidente da Federação Luterana Mundial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU