20 Outubro 2016
No dia 31 de outubro, em Lund e Malmö, na Suécia, a Igreja Católica e a Federação Luterana Mundial vão comemorar juntas, pela primeira vez na história e em nível mundial, o 500º aniversário da Reforma. Em preparação ao evento, o cardeal presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, Kurt Koch, e o reverendo secretário-geral da Federação Luterana Mundial, Martin Junge, escreveram juntos um artigo que destaca os passos dados em quase 50 anos de diálogo internacional entre as duas comunidades. Publicamos nossa própria tradução.
O artigo foi publicado no sítio da Lutheran World Federation, 11-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No ano de 1517, na cidade alemã de Wittenberg, o monge Martinho Lutero tornou pública a sua oposição à prática generalizada de venda de indulgências. Ele o fez com base nas suas convicções teológicas e espirituais. Sua voz pública desencadeou um profundo processo de transformação em um contexto já muito complexo de convulsão social, política e econômica.
Embora Lutero nunca tenha tido a intenção de iniciar uma nova Igreja, os desdobramentos posteriores, no fim, dividiram a cristandade ocidental e espalhou conflitos e violência, cujas ramificações ainda se fazem sentir hoje. Os centenários da Reforma têm sido uma fonte de polêmicas e de confronto entre as duas confissões.
Desta vez vai ser diferente. No dia 31 de outubro de 2016, o Papa Francisco, pela Igreja Católica, e o bispo Munib Younan e o reverendo Martin Junge, representando a comunhão mundial de 145 Igrejas da Federação Luterana Mundial, irão copresidir uma comemoração conjuntar da Reforma, inaugurando o seu 500º aniversário.
Será a primeira vez na história que católicos e luteranos irão comemorar juntos o aniversário da Reforma em nível global. Esse evento-marco reflete o progresso feito em 50 anos de diálogo católico-luterano internacional. Iniciado depois das importantes decisões tomadas pelo Concílio Vaticano II, esse diálogo criou uma compreensão mútua. Ele ajudou a superar muitas dificuldades e, ainda mais, criou confiança. Ele afirmou a convicção comum de que há mais coisas que unem católicos e luteranos do que aquelas que os dividem. Ele deu expressão à profunda convicção de fé de que, mediante o batismo, católicos e luteranos são chamados a ser um só corpo.
Mas a comemoração também expressa o fortalecimento das relações e uma compreensão mútua mais profunda alcançada em muitas partes do mundo em serviço e testemunho. Luteranos e católicos se aproximaram, muitas vezes em contextos extremamente difíceis de perseguição, opressão e sofrimento.
Dentre os muitos acordos que foram alcançados durante essas décadas de diálogo, a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, assinada pela Igreja Católica e pela Federação Luterana Mundial em 1999, é central. Com essa declaração, católicos e luteranos superaram os efeitos dividindo da polêmica-chave do século XVI. Esse marco nas relações ecumênicas católico-luteranas é o fundamento teológico para a comemoração conjunta, o que torna possível o compromisso público para virar a página dos conflitos do passado e para se abrir à unidade à qual a Igreja é chamada.
A comemoração comum será realizada sob o significativo lema "Do conflito à comunhão: juntos na esperança". Ela irá incluir uma oração comum na Catedral de Lund e um evento público no estádio de Malmö (Suécia)
"Do conflito à comunhão" é também o título de um relatório produzido pela Comissão Internacional Católico-Luterana sobre a Unidade. Esse relatório conta a história da Reforma do modo como ela é entendida conjuntamente, analisa as questões teológicas em debate e identifica aquelas diferenças que hoje podem ser consideradas como superadas por causa do diálogo e do entendimento comum. Ele também aponta as questões que ainda requerem mais discussão e acordo teológicos, especialmente a compreensão da Igreja, do ministério e da Eucaristia. A comemoração conjunta estará estruturada em torno da ação de graças, do arrependimento e de um compromisso com um testemunho comum.
Ação de graças: pelo dom da Palavra de Deus e pelas novas formas pelas quais ela falou, e continua falando ainda agora, à Igreja e ao mundo. Mas também pelos dons particulares da Reforma, assim como pelos dons que luteranos e católicos reconhecem uns nos outros.
Arrependimento: porque, embora lidando com diferenças, a unidade da Igreja foi perdida. Mas também em vista do imenso sofrimento imposto sobre as pessoas comuns devido a uma disputa teológica, que se alinhou e foi instrumentalizada pelos interesses políticos hegemônicos. Consequentemente, longas "guerras religiosas" foram travadas na Europa nos séculos XVI e XVII.
Compromisso com um testemunho comum: porque, enquanto luteranos e católicos continuam buscando a unidade, nada impede o seu testemunho comum da alegria, da beleza e do poder transformador da fé, especialmente no serviço aos pobres, aos marginalizados e aos oprimidos. A comemoração conjunta convida católicos e luteranos a doarem, em virtude da misericórdia que eles recebem em Cristo e por Cristo.
Embora esses três elementos serão fortemente refletidos na oração comum na Catedral de Lund, assim como na Declaração Conjunta a ser assinada pelo Papa Francisco e pelo bispo presidente da Federação Luterana Mundial, Munib Younan, o terceiro – o compromisso com um testemunho comum – será particularmente enfatizado no estádio de Malmö, que pode acomodar até 10 mil participantes. Durante esse evento público, um acordo de cooperação será assinado entre o Lutheran World Federation World Service, que atende atualmente mais de 2,3 milhões de refugiados globalmente, e a Caritas Internationalis, presente em 164 países em todo o mundo com um impressionante recorde de serviço diaconal prestado a pessoas em necessidade. Mediante testemunhos, músicas e reflexões partilhadas, católicos e luteranos, assim, vão enfatizar que o seu apelo a deixar para trás o conflito não vai ficar apenas entre essas duas confissões, mas irá frutificar em um serviço compassivo e amoroso ao próximo em um mundo ferido e fragmentado por conflitos, violência e destruição ecológica.
Embora luteranos e católicos sejam convidados a deixar para trás o seu conflito e a se voltarem para o seu futuro comum, está claro que esse passo significativo e histórico não pode ocorrer isoladamente das suas outras muitas relações ecumênicas. Representantes ecumênicos participarão da comemoração conjunta, acompanhando católicos e luteranos nesse momento significativo e encorajando com sua presença o caminho que existe pela frente. Tal contexto ecumênico também ressalta a convicção de que a Reforma do século XVI não se sustenta por conta própria, mas foi precedida e sucedida por outros movimentos de reforma. O movimento reformador iniciado por Lutero foi recebido e é apropriado de diferentes formas pelas diferentes tradições confessionais.
Em um mundo que lida com falhas na comunicação, com a crescente recorrência de discursos inflamados e divisivos e com o aumento da violência e dos conflitos, luteranos e católicos irão partir do profundo da sua fé compartilhada no Deus Uno e Trino para declarar publicamente:
- juntos, católicos e luteranos vão se aproximar cada vez mais do seu Senhor e Salvador comum Jesus Cristo.
- vale a pena permanecer em diálogo.
- é possível deixar o conflito para trás.
- o ódio e a violência, também motivado pela religião, não deveriam ser banalizados, muito menos justificados, mas enfaticamente rejeitados.
- as memórias obscuras podem desaparecer.
- uma história dolorosa não exclui a possibilidade de um futuro brilhante.
- é possível ir do conflito à comunhão e trilhar essa jornada juntos e com esperança.
- há poder na reconciliação, pois ela nos liberta para nos voltarmos uns aos outros, mas também para nos voltarmos uns aos outros em amor e serviço.
A comemoração conjunta será de grande encorajamento para católicos e luteranos no seu testemunho comum em um mundo ferido e quebrado. Além disso, também irá oferecer a motivação para se comprometer com um diálogo ainda mais apaixonado, de modo que as diferenças restantes sejam superadas e a unidade esperada possa ser recebida e celebrada.
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Rumo à comemoração comum católico-luterana dos 500 anos da Reforma: "Juntos na esperança" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU