17 Novembro 2016
Duzentos e quarenta e quatro milhões de pessoas. Histórias, rostos, vidas, esperanças, dores, medos. Uma imensidão. São os migrantes no mundo, 41% a mais desde o ano 2000. Migrantes econômicos, mas também ambientais, em fuga da pobreza, fome, além de guerras e de regimes que destroem direitos humanos, políticos, sociais.
A reportagem é de Umberto De Giovannangeli, publicada no jornal L’Unità, 15-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Diante dessa enormidade, a grande emergência do terceiro milênio, a resposta mais brutal é a dos construtores de muros, de quem militariza as fronteiras para caçar, expulsar. Deportar.
Palavra terrível, esta última, que evoca páginas terríveis da história da humanidade. Ainda mais terrível se quem a pronuncia é aquele que, a partir do dia 20 de janeiro de 2017, será o presidente da hiperpotência mundial: os Estados Unidos da América. Trump, o isolacionista e, agora, o "deportador". De mais de dois a três milhões de migrantes ilegais, por enquanto. Os Orban que infestam o planeta têm agora o seu Chefe absoluto, aquele que irá liderar a "Cruzada" contra o mundo dos migrantes.
De acordo com os dados do último International Migration Report das Nações Unidas, os migrantes do mundo provêm principalmente da Índia (com 16 milhões de indianos emigrados), do México (12 milhões), da Rússia (11 milhões) e da China (10 milhões).
Por outro lado, são de origem síria cerca de cinco milhões de migrantes. Dois terços dos "estrangeiros do mundo" vivem em apenas 20 países. No primeiro lugar, os Estados Unidos: nos movimentos das pessoas, o "sonho americano" – graças à proximidade com o México – continua existindo; os EUA absorvem sozinhos quase um quinto dos emigrados em nível global. Seguem a Alemanha, a Rússia, a Arábia Saudita e o Reino Unido.
De acordo com o relatório "Desarraigados" da Unicef, existem no mundo cerca de 50 milhões de crianças migrantes. Ou seja, que deixam o seu país para fugir de guerra e fome. E nem sempre o fazem acompanhados pelos seus pais: no ano passado, em 78 nações, mais de 100 mil crianças sozinhas pediram asilo, o triplo em comparação com dois anos atrás. Vinte e oito milhões dessas crianças fogem por causa de conflitos, que choveram sobre as suas cabeças por causa da estupidez dos grandes. Os outros milhões fazem isso esperando em um futuro melhor e mais seguro.
Em 2015, quase a metade de todas as crianças que pediram proteção às Nações Unidas vinham de nações em guerra, como a Síria e o Afeganistão. Aos 244 milhões de migrantes, além disso, devem se acrescentar mais de 65 milhões de pessoas em fuga das suas casas, que, quando somadas, poderiam formar o 21º país em número de habitantes, um país mais populoso do que a Itália e a Grã-Bretanha.
A cada dia, os conflitos e as perseguições forçam quase 34 mil pessoas a fugir, cerca de 24 por minuto. É o alerta lançado pela Save the Children no relatório Forced to Flee: Inside the 21st Largest Country, que examina os principais indicadores sobre as condições de vida do "21º país", comparando-os com os dos Estados, em particular nas áreas que influenciam no bem-estar das crianças – da educação ao acesso à saúde e à água, até a mortalidade materno-infantil e o desemprego. O dado mais preocupante é a velocidade de crescimento desse país hipotético: o número de pessoas refugiadas e deslocadas passou de 59,5 milhões em 2014 para 65,3 milhões em 2015.
Um aumento anual de 9,75%, superior ao de qualquer outro país do mundo. No ritmo atual de crescimento, até 2030, ele poderia se tornar o quinto país. A idade média está entre as mais baixas, metade da população tem menos de 18 anos, e muitos deles não conheceram nada mais do que instabilidades e conflitos.
Na Europa, apenas em 2015, 96 mil menores desacompanhados apresentaram pedido de asilo; 40% deles eram menores afegãos, que tiveram que enfrentar sozinhos uma viagem de 48 mil quilômetros. "Não podemos fechar os olhos diante das condições de miséria que existem no mundo e que, na maioria dos casos, são fruto da globalização e da exploração realizadas há anos pelos países do Norte do mundo. Devemos olhar para os indivíduos, não para os status. Para nós, a distinção entre refugiado e migrante não interessa, interessam as pessoas", reitera o responsável pela imigração da Cáritas, Oliviero Forti.
"É errado usar a palavra migrante. A palavra certa é refugiado": assim se pronunciava Bono Vox, líder do U2, na Expo Milão, diante da atual crise no mundo. "Essas pessoas – tinha acrescentado – não deixam as suas casas porque querem viver na Itália ou na Irlanda. Elas deixam os seus países porque não têm casa. Por isso, é errado usar a palavra migrante. A palavra certa é refugiado. Há líderes no mundo, como Angela Merkel e Matteo Renzi, que estão fazendo esforços enormes nesse sentido."
Quanto a Donald, o "deportador", como presidente recém-eleito, ele faria bem em refletir sobre as palavras do cardeal Sean Patrick O'Malley, arcebispo de Boston e membro do C9, o conselho cardinalício especial constituído pelo Papa Francisco: "O nosso país foi o beneficiário de tantos grupos de imigrantes que tiveram a coragem e a perseverança de chegar aos Estados Unidos. Chegaram superando condições horríveis e alimentando o sonho de uma vida melhor para os seus filhos. Estes foram alguns dos cidadãos mais diligentes, ambiciosos e empreendedores do nosso país, e trouxeram uma enorme energia e uma injeção de boa vontade na sua nova pátria. Trabalharam duro, e os sacrifícios feitos por eles fizeram esta grande nação".
E agora o chefe da nação está se preparando para expulsá-los. E para construir um muro na fronteira entre os EUA e o México, de 3.200 quilômetros de comprimento. O muro-cerca do medo. E da vergonha.
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A maré humana que nenhum muro pode conter - Instituto Humanitas Unisinos - IHU