04 Outubro 2016
A Itália lembra nesta segunda-feira os três anos da morte de 368 migrantes em um naufrágio em Lampedusa em 2013, episódio que é considerado uma das piores tragédias do Mediterrâneo neste século e emocionou a Europa.
As vítimas eram eritreus que vinham da Líbia - outros 155 migrantes sobreviveram, entre eles 41 crianças.
A reportagem é de Carolina Montenegro, publicada por BBC Brasil, 03-10-2016.
A data foi declarada no país como Dia Nacional em Memória das Vítimas da Imigração. Estão previstos eventos por todo o país, incluindo debates, missas e flash mobs em Lampedusa e Roma.
Três anos depois da tragédia, porém, os números mostram que a crise dos migrantes no Mediterrâneo se tornou permanente.
O que mudou?
"Desde o 3 de outubro de 2013 pouca coisa mudou. Há mais muros, mais tragédias. Não há um projeto comum e concreto de acolhida, asilo e socorro na Europa", alertou à BBC Brasil Tareke Bhrane, presidente da organização Comitato 3 Ottobre, fundada depois do naufrágio por um grupo de eritreus e italianos.
Todos os anos, a entidade reúne familiares das vítimas e sobreviventes da tragédia em uma iniciativa chamada "A Europa começa em Lampedusa".
"Este ano é especial porque também recebemos na ilha delegações de 300 estudantes de toda a Europa. Eles participaram de debates e oficinas com ONGs e com a Guarda Costeira. A ideia é mostrar que a Europa deve ser assim, unida para acolher mais", explicou Bhrane.
Depois de ter conseguido aprovar o projeto de lei pela criação do Dia Nacional em Memória das Vítimas da Imigração, agora o Comitato 3 Ottobre pede a criação de corredores humanitários e livre passagem de migrantes pelo mar.
"Estamos cansados de contar cadáveres. Desde outubro de 2013 morreram no mar mais de 11.400 pessoas. Não adianta construir muros porque as pessoas vão continuar a chegar - elas não têm escolha, estão fugindo de guerras e de violências enormes", disse Bhrane.
Segundo alerta da OIM, até 28 de setembro 302.486 migrantes e refugiados entraram na Europa pelo mar, sendo 132.044 pela Itália.
O número de mortos soma 3.502, contra 2.926 no mesmo período do ano anterior. A maior parte das vítimas morreu em naufrágios no canal da Sicília, entre a Itália e a Líbia.
Outra preocupação é o crescente número de crianças chegando à Itália. Entre janeiro e junho deste ano foram registradas a entrada de 7.567, 92% delas viajando sozinhas. A maioria vinha do Egito, Gâmbia, Guiné e Costa do Marfim.
"O sistema italiano de acolhida de menores está superlotado e em colapso", alertou no início do verão a ONG AccoglieRete, que assiste menores sozinhos em Siracusa.
Em agosto, a ONG Save the Children lançou seu primeiro barco de resgates na Itália. Além de socorro médico e distribuição de alimento e água, o barco conta com espaços seguros, criados para abrigar crianças e recém-nascidos.
Para aliviar a situação, desde 2014 os navios de resgate humanitário multiplicaram sua presença no canal da Sicília. Hoje, oito navios de ONGs realizam operações de busca e resgate no mar, em coordenação com outros dez navios da Guarda Costeira italiana.
"Nós temos o mesmo objetivo, que é de salvar vidas no mar. As ONGs oferecem profissionalismo e são exclusivamente dedicadas aos resgates. Poder contar com mais recursos é algo positivo para nós", explicou à BBC Brasil o comandante Cosimo Nicastro, da Guarda Costeira italiana.
Mais barcos disponíveis permitem também uma rápida resposta a resgates simultâneos, que estão acontecendo com frequência no canal da Sicília.
Segundo relatório recente da OIM, traficantes de pessoas estariam lançando barcos ao mesmo tempo no mar para evitar serem capturados pela polícia líbia.
Neste domingo, foram resgatados no mar 534 migrantes em nove operações de socorro diferentes coordenadas pela Central de Operações da Guarda Costeira italiana. Eles estavam a bordo de quatro botes de borracha e cinco barcos de madeira.
Os migrantes foram desembarcados em Catânia e em Trapani. Havia cinco cadáveres, entre eles os de duas crianças sírias, de oito meses e cinco anos de idade.
Fizeram parte da operação navios das ONGs MSF (Médicos sem Fronteiras), Moas e Save the Children.
"A MSF espera não precisar estar no mar, mas continuaremos presentes até que canais legais seguros estejam à disposição dos migrantes", afirmou Tommaso Fabbri, chefe da ONG na Itália.
Ele lembrou o 3 de outubro de 2013 como um momento histórico, divisor de águas. "Em 2014, com novos naufrágios, decidimos ir para o mar. A solução não é realizar busca e salvamento no mar, mas sim evitar que essas pessoas arrisquem suas vidas no mar", completou ele.
Em 2013, após a tragédia de Lampedusa, a União Europeia e o governo italiano lançaram a operação Mare Nostrum para promover resgates no Mediterrâneo. A iniciativa, porém, foi substituída em 2014 pela Operação Triton, que tem caráter mais voltado ao monitoramento de fronteiras.
Desde 2015, a operação passou a ser organizada em terra em torno de um sistema de centros de acolhida na Itália e de realocamento de refugiados para outros países da Europa.
Um dos principais motivos para a mudança de foco nas operações no mar seria a instabilidade na Líbia, de onde partem os barcos com a maior parte dos migrantes e refugiados rumo à Itália.
"Não temos um correspondente como autoridade marítima na Líbia. Alertamos sobre os pedidos de SOS que recebemos no espaço marítimo deles, mas não recebemos resposta e temos de intervir", disse o comandante Nicastro, da Guarda Costeira.
O Direito Internacional Marítimo prevê que todo comandante de um navio deve assistir outros barcos em perigo no mar, independente da nacionalidade, status ou circunstâncias em que se encontram.
Desde o acirramento da crise na Líbia em 2011 e o desmantelamento do governo, o país se tornou "terra sem lei" e se consolidou como rota usada por traficantes de pessoas para a Europa.
A ilha de Lampedusa, localizada a cerca de 296 km de Trípoli, capital da Líbia, e a Sicília se tornaram as principais portas de entrada na Itália, que já abriga cerca de 145 mil migrantes.
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"Estamos cansados de contar corpos": O drama dos migrantes três anos após naufrágio de Lampedusa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU