22 Fevereiro 2016
A carta desta semana publicada em nossa revista, Commonweal, foi enviada do município de San Cristóbal de las Casas onde o Papa Francisco esteve de visita na segunda-feira, 15-02-2016, como parte de sua viagem de seis dias a quatro diferentes estados do México.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada por Commonweal, 17-02-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Francisco, de 79 anos, teve dias cansativos durante essa sua ida ao país latino-americano, ao passar longas horas diariamente encontrando-se com – e abraçando – centenas e mais centenas de pessoas. Isso quando não estava celebrando megamissas, proferindo discursos a grandes grupos ou andando de pé em seu papamóvel a céu aberto em trajetos longos por meio de ruas envoltas por multidões barulhentas.
A sua fadiga é óbvia, mas ela não o impediu de fazer mais algumas saudações todas as noites antes de ir para cama. Ele não decepcionou as inúmeras pessoas que o aguardavam no lado de fora da residência do núncio apostólico na Cidade do México, que se transformou na sede do papa enquanto ele esteve no país.
Nunca ninguém pensou que seria moleza a 12ª viagem ao exterior do Papa Francisco em menos de três anos de pontificado. Os que entendem um pouco sobre o México e a América Latina sabiam que ele iria encarar alguns desafios grandes ao vir para cá. Porém ninguém que vem acompanhando de perto este pontificado se surpreendeu pela forma magistral como ele lidou com a situação.
Antes de tudo, ele veio para o México na sombra de João Paulo II, quem o povo mexicano amou profundamente e que é, curiosamente, considerado alguém bastante familiar. Isso porque o papa polonês fez do México o destino de sua primeira viagem como Bispo de Roma, voltando aqui várias vezes em seu longo pontificado. O legado deste papa santo ainda paira sobre este vasto país.
Os católicos mexicanos, que formam o maior grupo de falantes do espanhol entre o rebanho do papa latino-americano, estavam magoados porque Francisco não havia vindo aqui ainda. Mas, a julgar pela recepção que recebeu, obviamente estas pessoas concederam-lhe um pouco daquela profunda afeição que o seu antecessor tinha.
Em segundo lugar, a maioria dos europeus, estadunidenses e canadenses geralmente acham que porque Francisco é da Argentina ele deve ser um sucesso instantâneo com o pessoal do subcontinente latino-americano.
Isso não é verdade. De um lado, o Papa Jorge Mario Bergoglio pode ter nascido em Buenos Aires, mas o seu DNA é 100% italiano. Ele não tem nada de sangue indígena em suas veias, diferentemente de muitos dos mexicanos. O rosto bastante branco do papa ficou vermelho sob o sol escaldante de Chiapas. Alguém obviamente esqueceu de aplicar-lhe protetor solar!
E sem entrar em polêmicas, digamos simplesmente que o fato de Francisco ser argentino não lhe dá imediatamente pontos extras na América Latina. Provavelmente ocorre o oposto. Mas, de novo, ele conquistou o povo local e de modo exponencial.
O papa, como era de se esperar, pregou uma mensagem convincente que traz consolo aos pobres, sofredores e marginalizados. Mas ele não deixou de responsabilizar os poderosos, corruptos e egoístas, especialmente aqueles que vestem o manto da autoridade religiosa.
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O pequeno e colorido município de San Cristóbal de las Casas é uma verdadeira pedra preciosa. É um oásis hospitaleiro, seguro e divertido no estado chamado Chiapas, habitado predominantemente por índios maias; também é um lugar que pode ser arriscado e perigoso nas regiões rurais.
A vida em San Cris, como é chamado pelos moradores, é absurdamente barata segundo os padrões europeus e americanos. Os moradores, a maioria índios, vendem artesanatos e joalherias em mercados improvisados ao longo das ruas e nas praças.
Há muito o que comer nas cantinas à beira de estrada e mesmo nos restaurantes, enquanto os jovens podem curtir de uma vida noturna pulsante que conta com bares de música ao vivo: desde o jazz até bandas mariachi.
Sim, esse município tem um setor turístico próspero. Mas ele também atrai muitos peregrinos religiosos, especialmente aqueles que se interessam pelo ensino social católico e pela Teologia da Libertação.
Esses vêm visitar o túmulo de Dom Samuel Ruiz, bispo da Diocese de San Cristóbal de las Casas entre os anos 1960 e 2000, e ver o povo indígena que ele empoderou via Igreja como consequência de sua interpretação do Concílio Vaticano II.
Não há necessidade de falar, aqui, sobre Dom Samuel Ruiz. Muito já se escreveu sobre o seu legado e sobre como o Vaticano, durante os anos de João Paulo II, fez de tudo para dificultar a sua vida.
Esse santo papa nunca veio a San Cristóbal em suas várias viagens ao México. É por isso que foi tão marcante ver o Papa Francisco vir para cá, e mesmo rezar no túmulo do prelado. Isso aconteceu exatamente cinco anos e três semanas depois da morte do reverenciado bispo, ocorrida em 2011. Dom Samuel Ruiz tinha 86 anos.
Há dois outros túmulos que os seguidores indígenas de Dom Samuel Ruiz consideram sagrados. Eles estão localizados no cemitério principal na periferia de San Cris.
Aí, sob uma grande árvore, jazem lápides simples de duas irmãs missionárias da Bélgica que vieram para Chiapas no final da década de 1970 para trabalhar com Ruiz no acompanhamento do povo maia e na defesa de seus direitos e dignidade.
A Irmã Béatrice Regnier e a Irmã Danièle Sienard morreram em um misterioso acidente de carro em 4 de maio de 1983 enquanto dirigiam de volta à aldeia indígena onde viviam, após um encontro em San Cristóbal com o bispo.
Capangas de proprietários de terras e oligarcas locais há tempos perseguiam e intimidavam as duas corajosas irmãs – que morreram aos 42 e 43 anos de idade – por causa do trabalho incansável delas entre o povo explorado.
A Irmã Béatrice, soube-se depois, era sobrinha de Dom Jean Jadot, delegado apostólico dos nos EUA de 1973-1980 e mais tarde presidente do departamento vaticano que acabou se transformando nos dois conselhos pontifícios atuais: o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso e o Conselho Pontifício para a Cultura.
As religiosas belgas são apenas dois de muitos missionários que sofreram, nessas últimas décadas, por tentarem fazer o evangelho da misericórdia, justiça e solidariedade se tornar realidade em Chiapas e em toda a América Latina.
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“Ah, como eu queria uma Igreja pobre e para os pobres”.
O Papa Francisco proferiu estas palavras em 16 de março de 2013, três dias após ser eleito o Bispo de Roma. E como nós às vezes fazemos com palavras atribuídas a Jesus, muitos católicos – inclusive muitos clérigos – tentam amenizar ou reinterpretar o verdadeiro significado do que falou Francisco.
Alguns eventos ocorridos nos últimos dias, especialmente os que se desdobraram durante a visita papal ao México, deveriam dirimir quaisquer dúvidas sobre o tipo de pobreza e o tipo de pobres a que Francisco está convidando a Igreja a abraçar.
Certamente ele está nos convocando a realizar as obras espirituais e corporais da misericórdia. Mas claro também está que ele crê não ser o suficiente praticarmos a caridade para com os material e moralmente empobrecidos, caso não abrirmos mãos dos nossos próprios privilégios em sociedade, da nossa falsa sensação de segurança e, sim, da excessiva dependência dos recursos materiais.
Uma das maneiras como ele manifestou isso aqui no México foi por meio de um duro discurso no sábado, 13-02-2016, em que falou aos bispos qual o tipo de líder que a Igreja precisa e qual o tipo de líder que ela não precisa.
“Não há necessidade de ‘príncipes’”, disse o papa, “mas duma comunidade de testemunhas do Senhor”.
Ele então advertiu os prelados para que os seus olhares “não se cubram com as penumbras da névoa do mundanismo” ou que “não vos deixeis corromper pelo vulgar materialismo nem pelas ilusões sedutoras dos acordos feitos por baixo da mesa”.
Ele foi ainda mais específico nesse tópico com os bispos já de volta à Itália. Por exemplo, Francisco deixou claro que os pastores da Igreja deveriam ficar de fora da política, um lugar onde alguns dos bispos mais importantes do país fizeram um ninho confortável.
Um elemento que ajuda explicar esse dizer foi introduzido na primeira quinzena desse mês de fevereiro, quando se anunciou que o Papa Bergoglio não iria mais fazer uma viagem previamente planejada a Gênova em setembro, tornando-se o primeiro papa em 20 anos a não participar do congresso eucarístico nacional da Itália. Seria mera coincidência o fato de que a Arquidiocese de Gênova é presidida pelo Cardeal Angelo Bagnasco, presidente da Conferência Episcopal Italiana e forte defensor do engajamento católico em questões políticas?
Eu sugeriria que foi o encontro do papa em Cuba com o Patriarca Kirill o que demonstrou, de uma forma estranha, o quão exigente é ser uma igreja pobre, algo que a maioria das pessoas provavelmente não conseguiu compreender. O papa não fez exigência alguma e nem estabeleceu pré-condições para o histórico encontro com o líder da maior igreja ortodoxa do mundo. Ele poderia ter feito, porque é isso exatamente o que os seus antecessores sempre fizeram.
Mas houve um bom motivo para tal atitude: evitar mostrar fraqueza, permitindo que os russos tirem vantagem de qualquer boa vontade ou ingenuidade e tendo de pagar um preço demasiado alto sem primeiro se certificar de garantias específicas. O modo tradicional do Vaticano de se envolver com as demais igrejas, religiões, governos e povos foi, sempre quando possível, atuando a partir de sua posição de força e riqueza, seja ela cultural, espiritual ou material.
Esse modo seguia um tipo italiano de pragmatismo político resumido na expressão idiomática “forte con i deboli e debole con i forti”, que basicamente quer dizer: “sede forte com os fracos e fraco com os fortes”. O Papa Francisco, porém, não se deixa levar por essa mentalidade. E o encontro com o patriarca ortodoxo russo – bem como a sua visita ao México – ilustrou isso.
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A visita do Papa Francisco ao México - Instituto Humanitas Unisinos - IHU