"Penso que Tomé, como um modelo, é um presente para gerações futuras. Nós, hoje, discípulos e discípulas de Jesus, fomos alcançados pela bem aventurança 'Bem aventurados os que creram sem terem visto'. Privilégio dos cristãos que cultivarão a fé sem o privilégio dos apóstolos que, mesmo tendo convivido com Ele, enfrentaram dificuldades para crer. Mais felizes serão aqueles que farão a experiência da fé na ressurreição não pelos sentidos do corpo, mas pela experiência da comunidade reunida que manifesta esta presença. 'Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles' – Mt 18, 20".
A reflexão é de Soraia Dojas Melo Silva Carellos. Ela é formada em psicologia pela PUC Minas e mestra na mesma área pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Leciona no curso de psicologia da PUC Minas, participa da Rede Celebra, coordena a Equipe de Liturgia da Paróquia de Santana Serra, em Belo Horizonte, onde também participa de grupos de leitura orante da Palavra.
1a leitura: At 4,32-35
Salmo: Sl 117(118),2-4.16ab-18.22-24 (R. 1)
2ª leitura: 1Jo 5,1-6
Evangelho: Jo 20,19-31
Estamos no tempo Pascal: tempo de renovar nossa adesão a Jesus e à vida que decorre da sua vitória sobre a morte. A ressurreição é uma experiência fundante da nossa fé.
Recordamos as manifestações de Jesus ressuscitado aos discípulos, encontros que abrem um caminho para que eles enfrentem a decepção, o medo e a tristeza, se fortaleçam para dar testemunho e continuar a missão do anúncio do Reino de Deus.
O Evangelho de hoje começa situando o tempo, o primeiro dia da semana, tempo que sempre aparece nos relatos da ressurreição e que marca o domingo como o dia do Senhor. Já pela expressão, ao anoitecer daquele dia, podemos observar o fechamento e o medo dos discípulos. Todos incrédulos, cheios de incertezas e desanimados, em dúvida diante da cruz. Nesta situação Jesus se pôs no meio deles e saúda: “A paz esteja convosco”. Jesus lhes mostra as mãos e o lado. Aquele que estava diante deles é o mesmo que fora crucificado. O relato confirma: o ressuscitado é o crucificado.
Embora vivo ele traz os sinais da paixão, marcas da sua morte. O evangelista João nos ajuda a entender o sentido da cruz. Em seguida, vendo o medo deles, Jesus mesmo os envia para a missão soprando sobre eles o Espírito. A vivência deste encontro os transforma. A glória vem com a cruz. Se nos paralisarmos diante da cruz não seremos deslocados do lugar que o medo nos detém. Observamos o medo transformado em alegria, sinal do cristão, o fortalecimento da comunidade. A comunidade faz a experiência da Páscoa e é recriada pelo mesmo sopro do Espírito que criou a humanidade e ressuscitou Jesus dos mortos.
Tomé não estava reunido com eles e não viveu esta experiência, permanecendo na mesma situação dos demais antes do encontro com Jesus. E não se deixou tocar pela experiência de seus irmãos. Não acreditava no testemunho deles quando disseram: “Vimos o Senhor!” Ferido, como todos os outros, ele quer ver as feridas de Jesus. Por isso exigia, ver os sinais da paixão e da morte no corpo daquele que proclamavam vivo.
Tomé não conseguia conectar aquele que morrera de modo brutal e vergonhoso à sua manifestação pessoal na reunião da comunidade, testemunhada pelos irmãos. Mas ele não é julgado. Ao contrário, Tomé é acolhido por seus amigos, pois retorna à comunidade. No oitavo dia, o Jesus Ressuscitado se põe no meio deles. Novamente, não há barreiras para ele, pois a morte, a grande barreira, já fora vencida.
Tomé tinha agido e reagido com sua incredulidade, exigindo apalpar as feridas e, distante da comunidade, não pode ter curadas as suas próprias. O que pensar desta reação? Ele é um dos doze, de quem se espera uma fé impecável. Podemos até pensar em uma fé pouco amadurecida? Atitude reprovável...?
Penso que Tomé, como um modelo, é um presente para gerações futuras. Nós, hoje, discípulos e discípulas de Jesus, fomos alcançados pela bem aventurança “Bem aventurados os que creram sem terem visto”. Privilégio dos cristãos que cultivarão a fé sem o privilégio dos apóstolos que mesmo tendo convivido com Ele, enfrentaram dificuldades para crer. Mais felizes serão aqueles que farão a experiência da fé na ressurreição não pelos sentidos do corpo, mas pela experiência da comunidade reunida que manifesta esta presença. “Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” – Mt 18, 20.
O texto não chega a dizer que Tomé não tenha tocado Jesus, mas que respondeu com uma profissão de fé: “Meu Senhor e meu Deus”. Tomé que estava distante, que parecia não partilhar o medo da comunidade, ao estar em contato com Jesus Ressuscitado, na reunião com os irmãos e irmãs, compreende a dimensão do que participa e traduz a fé da comunidade na sua confissão: “meu Senhor e meu Deus”.
Diante da Ressurreição nascem a alegria, a força, a missão. O medo, as dúvidas, as incertezas cedem lugar a experiências novas.
Os medos nos paralisam, nos levam à inoperância, o que temos diante disto é a certeza de que Ele está conosco, de que a vida vence a morte. Isto é que poderá nos fortalecer. O nosso mundo hoje está cheio de dores, guerras, discriminações, violência. Nossas comunidades vivem muitas vezes divisões, indiferenças, marcadas por inseguranças, traumas, medos... O que pode manter a esperança e alegria vivas é a experiência de Cristo Ressuscitado na experiência acolhedora de uma comunidade que não apenas recebe, mas vai ao encontro das feridas de morte que enfraquecem a vida, a fé e o compromisso com o reinado de Deus. Como viver esta experiência?
No Pão repartido ao redor da mesa, na escuta da palavra, no irmão que encontramos nas estradas da vida, nos pobres, nos que sofrem. É necessário ouvir discordâncias, confrontar perspectivas, compartilhar experiências de morte e incredulidade, de vida e de fé. Precisamos cuidar dos nossos sentidos, para estarmos atentos à sua presença, mas isso só é possível se “sinodalizarmos” nossas experiências...
Diferentemente de Tomé, nos deixarmos conduzir, mas a arrogância também pode nos afastar e impedir de experimentar a presença de Deus no mundo e no meio de suas feridas.
A liturgia deste domingo nos brinda com duas leituras que nos mostram como é estar na presença do Ressuscitado. Elas trazem a experiência do amor fraterno como caminho, que é comunhão de vida. Na primeira leitura (At 4,32-35) podemos acompanhar as primeiras comunidades que colocavam tudo em comum, bens materiais, afetos, espiritualidade. A experiência da Ressurreição os leva a experimentar viver como “um só coração e uma só alma.” E esta força, que é o espírito, os transforma e os faz levar o legado de Jesus ao mundo. Na segunda leitura (1Jo 5,1-6) nos mostra como o amor de Jesus é capaz de vencer o poder do mundo. Só amor sai vitorioso. Toda esta experiência revela o amor de Deus pelo mundo, pela humanidade.
Irmãos e irmãs, não esqueçamos: o Ressuscitado é o crucificado, mesmo com todos os nossos limites, ele se doou por nós e deixou o Espírito para que continuássemos o seu legado levando-o a toda criatura.