Domingo de Ramos – Ano B – A paixão de Jesus: o preço de sua fidelidade ao projeto do Reino de Deus

Foto: Banco de Imagem Evangélico

Por: MpvM | 22 Março 2024

"Todos os anos durante a semana santa, relemos estes textos do calvário de Jesus, choramos e lamentamos. Como entender a morte de Jesus?

Há séculos o povo carrega a sua cruz. Ainda hoje o povo paga caro pela sua fidelidade da opção de lutar por vida plena e continua sendo crucificado! Como entender a morte de tantas pessoas que lutam pelo Reino aqui e agora?

Daqui para frente, se você quiser encontrar verdadeiramente o Filho de Deus, não o procure nos altos céus, procure-o ao seu lado, nas pessoas excluídas, desfiguradas, sem beleza. Procure Jesus em quem doa a sua vida pelos irmãos e irmãs. É lá que Deus se esconde e se revela, e é lá que ele pode ser encontrado. É lá que se encontra a imagem de Deus desfigurado, do Filho de Deus, dos filhos e filhas de Deus".

A reflexão é de Amélia Hakme Romano, biblista leiga, facilitadora do CEBI-Mato Grosso do Sul, colaboradora em grupos de estudos bíblicos.

Leituras do dia

Is 50,4-7
Sl 22,8-9.17-18a. 19-20.23.24
Fl 2,6-11
Mc 14,1-15,1-39 ou  15,1-39 (mais breve)

Eis a reflexão.

Meu Deus! Meu Deus! por que me abandonastes? (Mc 15,34)

No Evangelho de hoje, vamos nos concentrar sobre a morte de Jesus tal como está descrita no Evangelho de Marcos. Jesus sempre fez o bem. Mesmo assim, foi assassinado. Não dá para entender! Hoje também existe muita morte sem explicação. Muito sofrimento sem motivo. A vida de algumas pessoas parece um amontoado de sofrimento. Ouvimos muita gente se lamentar: “Deus me abandonou!”

Para as comunidades daquele tempo, e para todos/as nós, a narração da paixão, morte e ressurreição de Jesus é a fonte para onde devemos voltar sempre a fim de renovar a fé, a esperança e o amor.

Convido você na liturgia deste domingo de Ramos a fazer memória, trazer ao coração, a paixão e morte de Jesus.

Is 50,4-7 - terceiro cântico do servo

Este servo é como um discípulo fiel, que escuta Deus sussurrar todos os dias em seu ouvido a missão a ele confiada, de ensinar a todas as pessoas. Com coragem, confiando em Deus, ele suportará todas as perseguições e sofrimento, pois num mundo organizado a partir do egoísmo, quem quer viver o amor e anunciar a justiça viverá crucificado.

O Salmo 22

O Sl 22 é um salmo de lamentação e prece de alguém que é perseguido, e suplica a Deus para salvá-lo.

A carta aos Filipenses 2,6-11

A encarnação do Verbo foi um longo processo. Começou com o sim de Maria e terminou com o último sim de Jesus na hora da morte. Para Jesus, o eixo de sua vida era cumprir a vontade do Pai. Três anos de missão é pouco tempo, foi como um raio que, de repente por uma fração de segundo, iluminou a vida e mostrou um caminho. Jesus esvaziou-se e foi esvaziado. Humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, Deus o exaltou.

O Evangelho Mc 14,1-15,1-39

No início do Evangelho de Marcos capítulo 1,15, Jesus diz: “Esgotou-se o prazo! O Reino de Deus está aí! Mudem de vida! Acreditem nesta Boa Notícia!”.

Quando o Evangelho é escrito nos anos 70 d.C., sofrimento, paixão e morte eram o pão de cada dia das comunidades cristãs. Marcos, ao descrever o sofrimento, a paixão e a morte de Jesus, ajuda a comunidade a experimentar, desde já, no meio do sofrimento, algo da vitória da vida sobre a morte.

Jesus nasceu, cresceu, viveu e anunciou a Boa Notícia do Reino, no meio de uma realidade conflitante de exploração econômica, social e religiosa, por isso foi provocando muitos conflitos (Mc 1,14 -3,6). Os lascados, pobres e sofridos se sentiam questionados pela prática e pela mensagem de Jesus a fazer a conversão, a mudança de mentalidade. Ao contrário, as autoridades religiosas da época, incomodadas pela crítica de Jesus, tinham decidido prendê-lo e matá-lo.

Na descrição da paixão (Mc 14,1-15,39), aparece o desfecho trágico do relacionamento dos discípulos com Jesus: a traição de Judas, a negação de Pedro, a fuga de todos. Mas, ao mesmo tempo, transparece a extraordinária gratuidade do amor de Jesus que mantém sua fidelidade, apesar do abandono dos discípulos.

Mc 14,1-9

No início do capítulo 14, versículos 1 e 2, Marcos nos conta a conspiração contra Jesus. Em seguida, nos versículos 3-9, vemos a unção de Jesus por uma mulher e a crítica que vem de Judas e dos discípulos. Jesus dá a eles uma boa resposta: “esta mulher fez uma boa ação para mim, e o que ela fez será contado em sua memória”.

Mc 14,10-31

Aparece um contraste grande com a mulher que ungiu Jesus, Judas, um dos doze resolve trair Jesus, conspirando com os que não aceitam a boa nova. Jesus sabe que vai ser traído e, mesmo assim, convida seus amigos para uma ceia de despedida. A comunhão de mesa para os judeus era a expressão maior da amizade, da intimidade e da confiança. Jesus se reúne com seus amigos para celebração solene da Páscoa, a libertação da opressão do Egito. Marcos salienta que a traição é feita por um amigo, “alguém que come comigo”. Aqui aparece o gesto supremo e gratuito de amor de Jesus.

Mc 14,32-42

Após a ceia, Jesus sai com seus amigos para o Horto. Ele pede para seus amigos não o abandonar. Experimenta uma terrível angústia e reza. Já não se aguenta mais em pé. É no Horto que ele trava a batalha mais dura de sua vida, a sua agonia. Para poder vencer, dirige ao Pai sua prece: “Abba, ó Pai! Tudo é possível para ti! Afasta de mim este cálice! Porém, não se faça o que eu quero, mas o que tu queres!” Solidão! Ninguém o entendeu, e ninguém ficou para defende-lo. Angustiado Jesus vai pedir ajuda a seus amigos, para que rezem com ele. Eles dormem! Os chama por três vezes! Não foram capazes de vigiar uma hora com Jesus. A hora de Jesus chegou!

Mc 14,43,50

Na calada da noite, chegam Judas e os soldados. Judas o trai com um beijo, beijo, sinal de amor e de amizade, se torna o sinal da traição. Em Mc 1,37 percebemos o primeiro desentendimento pequeno entre Jesus e seus discípulos, mas que foi crescendo, aos poucos, ao longo de três anos, até chegar no Horto, onde dá-se a ruptura. Jesus fica só!

Mc 14,53-72

Dois títulos messiânico com que Jesus se identificava, Filho do Homem e Servo de Deus aparecem várias vezes em Marcos. Para Jesus, o Filho do Homem é aquele que realiza a missão do Servo, de lutar contra toda forma de opressão, de injustiça e violência. Por isso, Deus chama para ser seu servo com a missão de irradiar a justiça no mundo inteiro. Essa missão Jesus descobriu para si na hora do batismo, e que ele assume, publicamente, quando na Sinagoga de Nazaré, expõe seu programa de ação ao povo de sua terra (Lc 4,16-21). A partir daquele momento, Jesus percorre a Galileia para ajudar o povo a descobrir e assumir, junto com ele, esta missão de Servo de Deus.

Como a figura do Servo de Deus, assim a figura do Filho do Homem representa não uma pessoa, mas o povo fiel a Deus que não se deixa enganar nem manipular pela ideologia influente. Portanto, a missão do Filho do Homem é a missão de todo o povo de Deus. A missão consiste em realizar o reino de Deus como um reino que promove a vida, que humaniza as pessoas.

Mc 15,1-39

O texto descreve a condenação de Jesus pelo poder do Império Romano.

Conforme as leis da época, o sinédrio podia condenar alguém à morte, mas não tinha direito de executar a sentença. Precisava da licença do poder romano. Por isso, as autoridades dos judeus decidiram levar Jesus até Pilatos.

Quando se trata de defender os seus próprios interesses, os grandes esquecem as diferenças e se unem. Eles não têm medo de matar. Não têm medo de invocar a religião e a Deus para justificar e legitimar a mentira e a opressão. Quando as forças dos grandes se unem, os pequenos não têm defesa. O jogo do poder esmaga os lascados. Foi o que aconteceu com Jesus.

Os judeus condenaram Jesus por motivos religiosos: tinha dito que era Messias e por ter falado contra o Templo. (Mc 11,15-19; 13,1-2;14,58.62). Diante do tribunal romano, o motivo é outro. Jesus é apresentado como um Messias que é contra os romanos e que pretende ser rei dos judeus. O motivo é político, mais fácil para se conseguir a condenação. A pergunta de Pilatos: "Você é rei dos judeus?" Jesus responde: “É você que está dizendo!” Jesus é um rei diferente. Se cala e não fala mais nada, nem mesmo para se defender. O silêncio de Jesus revela que ele é o Messias Servo de que falava o profeta Isaias (53,7): “Não abre a boca diante dos que o acusam!”

Pilatos se incomoda e procura uma saída. Percebeu que entregaram Jesus por inveja e raiva. Existia um costume naquela época de soltar um preso por ocasião da Páscoa. Pilatos manipula este costume a seu favor e propõe uma alternativa: soltar Jesus ou Barrabás. Pilatos achava que fossem pedir para soltar Jesus. Grande engano. Os chefes dos sacerdotes rapidamente manipulam o povo e conseguem que todos gritem para soltar Barrabás. Jesus é condenado, crucificado. Na caminhada carrega a cruz, já exausto, cai. Simão, o Cireneu, é obrigado a ajuda-lo até o Calvário. Jesus é crucificado entre dois ladrões. Marcos traz a memória o texto de Is 53,9: “deram-lhe sepultura com os criminosos”.

Na cruz, Jesus faz o lamento: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonastes?” É assim que começa o Salmo 22. Em Mc 15,37, Jesus soltou um forte grito e expirou. Humanamente falando, os adversários venceram e conseguiram eliminar Jesus.

A morte de Jesus foi uma vitória! A cortina do templo, símbolo do poder que condenou Jesus, rasgou-se encerrando assim um sistema que prendia Deus no templo, deixando o povo abandonado. Um centurião que fazia a guarda, faz nesse momento uma profissão de fé: “Verdadeiramente, este homem era filho de Deus!” (Mc 15,39).

Marcos começa (Mc 1,1) e termina o seu evangelho com o título: "Filho de Deus" (Mc 15,39).

Um olhar para o calvário

Estamos diante de um homem torturado, excluído da sociedade, totalmente só, condenado como subversivo pelo tribunal civil, militar e religioso. É nesta hora da morte que um novo sentido renasce. Quem revela a identidade de Jesus é um pagão: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!” O Messias Servo morre assim. Pagou caro pela sua fidelidade da opção de andar sempre resgatando as pessoas para que pudessem recuperar o contato com Deus e viver na fraternidade, na liberdade de filhas e filhos de Deus.

Um olhar para hoje

Todos os anos durante a semana santa relemos estes textos do calvário de Jesus, choramos e lamentamos. Como entender a morte de Jesus?

Há séculos o povo carrega a sua cruz. Ainda hoje o povo paga caro pela sua fidelidade da opção de lutar por vida plena e continua sendo crucificado. Como entender a morte de tantas pessoas que lutam pelo Reino aqui e agora?

Daqui para frente, se você quiser encontrar verdadeiramente o Filho de Deus, não o procure nos altos céus, procure-o ao seu lado, nas pessoas excluídas, desfiguradas, sem beleza. Procure Jesus em quem doa a sua vida pelos irmãos e irmãs. É lá que Deus se esconde e se revela, e é lá que ele pode ser encontrado. É lá que se encontra a imagem de Deus desfigurado, do Filho de Deus, dos filhos e filhas de Deus.

Feche seus olhos e imagine-se na rua, no meio da luta, perto das pessoas crucificadas. Ajude-as a carregar a cruz, vale a pena! Graça e paz!

Bibliografias

Bíblia de Jerusalém. Paulus, 2002.
Mesters Carlos e Lopes Mercedes. Caminhando com Jesus. CEBI, 2012.

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