10 Abril 2019
A multidão de Jerusalém, cheia de alegria, acolhe Aquele a quem reconhece como o Messias, conforme a profecia de Zacarias. Jesus entra em Jerusalém montado num jumentinho. Acolhamos o extraordinário e vamos segui-lo, com ramos na mão: Ele é o nosso Rei.
A reflexão é de Raymond Gravel (1952-2014), padre da arquidiocese de Quebec, Canadá, publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando o evangelho do Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor. A tradução é de José F. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
A entrada messiânica do Senhor em Jerusalém: Lucas 19,28-40
1ª leitura: Isaías 50,4-7
Salmo: Sl 21
2 ª leitura: Filipenses 2, 6-11
Evangelho: Lc 22,14-23,56
Temos dificuldade para entender e sequer conseguimos admitir um amor total, absoluto. Imaginemos um esposo que diz para a sua esposa, ou vice versa: “Para onde fores, quero ir também. Se adoeceres, também quero ficar doente contigo, sofrendo da mesma enfermidade; se envelheceres, não vou querer permanecer jovem...”. Um amor como este não está ao nosso alcance.
Mas não nos sintamos culpados se não nos achamos preparados para um desejo de semelhança como este. “Senhor, estou pronto para ir contigo não só à prisão, mas até à morte”, diz Pedro, crendo ter alcançado o amor absoluto. Jesus o desmente: “Hoje o galo não cantará antes que por três vezes tenhas negado conhecer-me”. Três vezes! É um número simbólico que significa “uma multidão de vezes”.
Pedro não é mais fraco que os outros: representa a todos nós. Já Jesus quer ir o mais longe que a condição humana pode chegar: ao maior abandono, portanto. Encarnação é também isto: “Deus conosco” até o fim, o mais longe e o mais baixo a que possamos ir. Só assim, a presença do Cristo, a presença de Deus não irá faltar a nenhum homem, nem mesmo aos malfeitores punidos justamente.
Mas, atenção: as cruzes todas que são erguidas por todo canto neste mundo não foram erguidas por Deus; não é Deus quem tortura, rejeita ou elimina. Devemos nos lembrar disto: Deus não está, absolutamente, entre as causas da morte e do sofrimento dos homens. Estas Lhe são impostas; mas, nelas, Ele vem nos encontrar.
São vários os textos que, sem usar a palavra, nos falam da injustiça de Deus. Por exemplo, Mateus 20,1-15: os operários combinam com o dono da vinha um salário justo, mas, de repente, a justiça do versículo 4 vira “bondade” no versículo 15. Injustiça, aqui, ao contrário de “não justiça demais”, quer significar “mais que a justiça”.
Estamos vendo o inocente, o único justo da história, sofrer na Cruz a sorte do injusto, do criminoso. Paulo dirá que o manuscrito da Lei, que exige a justiça e que, por conseqüência, nos é contrário, pois somos injustos, está agora pregado na cruz (Colossenses 2,13-14). A Lei está pregada na cruz ao mesmo tempo em que o Cristo, pois ele foi crucificado contra toda a justiça.
Foi por baixo então, essencialmente, que saímos do regime da justiça. Ou seja, foi de modo totalmente injusto que fomos libertados. Quem é que, de fato, crucifica o Cristo senão nós, cada vez que nos metemos em contradição com o Evangelho?
Perdoe-me o leitor por tanta insistência: é que temos uma dificuldade sem limites em admitir a gratuidade do amor, o perdão sem causa. O que temos aqui é o fim das especulações sobre os “méritos”: não merecemos nada. Acaso, antes de nascer, teríamos merecido vir à existência? “Eles me odiaram sem razão”, diz Jesus em João 15,25, citando vários salmos.
Podemos acrescentar: “Ele nos amou sem razão”. Assim se revela a imagem perfeita do Deus invisível.
É impossível apagar os textos todos que falam como sendo vontade do Pai a passagem de Jesus pela cruz. Ele mesmo disse que foi para aquela hora que veio ao mundo. No Getsemani, pede ao Pai que sua vontade seja feita. A fórmula “era necessário” - que o Cristo fosse crucificado - retorna seguidamente, em Lucas, sobretudo. Daí se tem arquitetado várias teorias, como aquela da “substituição”: era necessário que o preço do sangue fosse pago pelos culpados que somos nós. Pouco considerando os recursos disponíveis para que esta dívida fosse paga, Deus substitui seu Filho pela humanidade condenada.
Em resumo: é necessário correr sangue, para que Deus fique “satisfeito”. Reparação, recuperação mediante pagamento, resgate... São temas para os quais há até quem tenha encontrado a sua origem nas Escrituras, mas tornam-se inadmissíveis quando isolados e ao serem espremidos para deles extrair-se algum suco.
Mas, então, o que estamos querendo dizer quando, a propósito da cruz, falamos da vontade de Deus? Para compreender isto, é preciso lembrar outras fórmulas das Escrituras como, por exemplo, a afirmação, em Sabedoria 1,13-15, de que “Deus não fez a morte”; que Ele não é o Deus dos mortos, mas dos vivos; que, ao crucificarem Jesus, os homens agiram contra Deus (ver, entre outros textos, os discursos de Pedro nos Atos, em particular 4,10).
Vamos repetir: por todo canto, os homens erguem cruzes, torturam e massacram: a vontade de Deus é reunir, em Cristo e por Cristo, todos os que sacrificamos por nossas prosperidades ilusórias.
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