27 Março 2015
"Hosana!" Grita a multidão, expressando a sua alegria ao ver Jesus entrar em Jerusalém. Este, no entanto, o Messias, vem montado num jumentinho, porque veio para servir e não para ser servido.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do Domingo dos Ramos e a Paixão do Senhor. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
Procissão dos Ramos - Evangelho: «Bendito o que vem em nome do Senhor!» (Marcos 11,1-10)
1ª leitura: «Não desviei o rosto dos bofetões... sei que não serei humilhado» (3º canto do Servo de Javé) (Isaías 50,4-7)
Salmo: 21(22) - R/ Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?
2ª leitura: «Ele se humilhou... por isso, Deus o exaltou» (Filipenses 2,6-11)
Evangelho: Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo (Marcos 14,1-15,47)
Jesus entra em Jerusalém
Jesus chega ao final da sua estrada, ao final da sua vida. Chega ao final da "Encarnação", que não é apenas a passagem pela natureza humana (ter e ser um corpo portador de um "espírito"), mas também assumir a condição humana: nascer, crescer, aprender, escolher, agir, morrer. "No começo", movido pela suspeita de que Deus não é amor, o homem quis libertar-se dele, ocupando o seu lugar: o lugar de um Deus que o homem, no entanto, considerava perverso (Gênesis 3). Negação do amor e negação da vida, a história humana começa com o assassinato (Gênesis 4) que vai se reproduzir por toda a Bíblia. A hostilidade dos "irmãos inimigos" acabará por se concretizar no conflito entre o Judeu e o pagão. Estes só irão reconciliar-se na decisão de levar o Cristo à morte. E Jesus, deste modo, vai assumir tudo o que o homem pode conhecer. Toma o lugar do irmão inimigo e o seu sangue grita mais forte do que o sangue de Abel, o justo (ver Mateus 23,35 e Hebreus 12,24). Diante do homem que se quer fazer "como Deus", Deus vem fazer-se como homem: foi preciso que Deus, porque é amor, viesse a se colocar o mais baixo a que o homem pode descer. Tomou, então, a dianteira à nossa última aflição. E, deste modo, jamais estaremos sós: por Cristo e em Cristo, Deus será sempre o "Deus conosco". Foi a tudo isso que Jesus se voltou, quando entrava triunfalmente em Jerusalém, a cidade da residência de Deus. Ele jamais será tão Deus quanto ao morrer como o último dos homens.
Rumo à morte da morte
Na Cruz, se viverá e se manifestará de fato a plenitude do amor: um amor que vai até a esposar a plenitude da injustiça dos homens, do não-amor. Aquelas pessoas têm razão em aclamá-lo e acompanhá-lo, mas estão enganadas a respeito da natureza do "triunfo" que se anuncia e se prepara. Talvez se lembrassem de Zacarias 9,9: "Eis que o teu rei vem a ti (…); ele é humilde, montado sobre um jumentinho (…). Ele eliminará os carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém…" Mas Jesus não veio libertar Israel e restituir-lhe os seus poderes e domínios, conforme acreditavam. Ele veio abrir uma passagem entre a terra e Deus: a passagem que foi obstruída pela hostilidade que os homens mantêm entre si. E esta hostilidade, sobre a qual a crucifixão de Jesus é o triunfo e a revelação, vai destruir-se a si mesma: a violência vai destruir a violência. Em 1 Coríntios 15,54-55, parafraseando Isaías 25,8 e Oséias 13,14, Paulo escreve: "A morte foi absorvida na vitória. Morte, onde está a tua vitória?" Por certo, é impossível separar a crucifixão da ressurreição. Pela esperança, no entanto, é que hoje temos acesso à ressurreição. Enquanto esperamos, vamos ladeando a morte todos os dias. Temos de viver de qualquer forma no aguardo do nosso próximo futuro desaparecimento, os três simbólicos dias de túmulo, enquanto esperamos a nossa vez. Não esqueçamos a aflição e o terror de Jesus no Getsêmani. Sejamos indulgentes, portanto com os nossos eclipses de esperança.
A vitória do amor
Em todo lugar, por todo o tempo e das mais diversas formas, os homens têm levantado cruzes para os seus semelhantes. Populações inteiras são impingidas a passarem fome, a fim de que produzam dinheiro. Povos inteiros são condenados à incultura e à miséria. Massacres horrendos são perpetrados, a fim de se conquistar ou manter o poder. As maneiras humanas de crucificar são inumeráveis. «Quando comem o seu pão, é ao meu povo que estão devorando…» (Salmo 14,4). O Cristo vem se unir, em plena liberdade, a estes que são feitos de comida. Deus não quis nos deixar a sós, sem Ele, em nossas provações. Por isso percorreu o caminho da vida. Sabemos disto, mas não nos pode servir de consolação. Nem mesmo Jesus foi consolado. Ou não foi dele de quem ouvimos dizer: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?» O Cristo veio, pois, fazer-se um só conosco até nos nossos maiores sofrimentos, tendo ao termo uma morte ignominiosa. Resulta daí que todas as nossas misérias e todas as nossas mortes se juntam à dele e se tornam sofrimento e morte do Filho de Deus. Como Deus não pode permanecer na morte, abrem-se então diante de nós as portas da vida. A fé cristã já foi muitas vezes acusada, e por vezes a justo título, de colocar em primeiro plano o culto ao sofrimento e à morte. Mas é o contrário: proclamamos ao mundo inteiro que os sofrimentos e a morte estão condenados finalmente a produzirem vida, assim como o nascimento e as alegrias que nos vêm visitar. A cruz do Cristo proclama que o amor supera o ódio; é exatamente o que faz o Cristo ao dar a sua vida aos que querem prendê-lo. Ao ordenar ao discípulo que guardasse a espada que desembainhara para defendê-lo, no momento da sua prisão, ele nos ensina que resistir à violência com a violência só faz redobrar a violência.
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