"A Palavra de Deus proposta para esse domingo nos apresenta três questões muito importantes: a vontade de Deus, o arrependimento e o perdão. Vamos refletir sobre o que ela nos diz."
A reflexão é de Maria Inês de Castro Millen. Ela é teóloga leiga, graduada em medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1971) e em Teologia pela PUC-Rio (1992), mestre em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1997) e possui doutorado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2003). Atualmente é ouvidora e assessora pedagógica do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora e professora titular no curso de Teologia do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Atua principalmente nos seguintes temas: moral fundamental, moral social, moral sexual conjugal e familiar, bioética e antropologia teológica.
1ª leitura - Ez 18, 25-28
Salmo – Sl 24 4bc-5.6-7.8-9 (R 6ª)
2ª leitura - Fl 2, 1-11
Evangelho - Mt 21, 28-32
A Palavra de Deus proposta para esse domingo nos apresenta três questões muito importantes: a vontade de Deus, o arrependimento e o perdão. Vamos refletir sobre o que ela nos diz.
Primeiramente, temos o Profeta Ezequiel (Ez 18, 25-28), que nos possibilita pensar sobre as inúmeras situações de morte presentes na nossa realidade cotidiana. Entre outras, podemos relembrar aqui o colapso do planeta terra, a violência contra a mulheres, os pobres, os indígenas, os afrodescendentes, a população LGBTQIA+; a terrível situação dos migrantes; as guerras fratricidas que acontecem nesse momento em diferentes locais do mundo, em função da ganância por riquezas. São muitas as questões que poderiam ser lembradas nesse momento sombrio e assustador que estamos vivendo.
O grave é que, olhando para esse cenário, muitos podem se desculpar dizendo: Isso acontece por vontade de Deus ou por vontade de outras pessoas. Eu não tenho nada a ver com isso. Quando nos deparamos com situações difíceis e até desesperadoras, temos a mania de colocar a culpa em Deus ou nos outros. O profeta, porém, nos chama à responsabilidade, quando diz: “é vontade de Deus ou é a nossa conduta que não é correta?” Deus não pratica o mal. Nós cantamos no Salmo 24: “O senhor é piedade e retidão, sua ternura e compaixão são eternas". Portanto, não é vontade de Deus que a terra seja devastada, não é vontade de Deus que as pessoas sofram e morram em situações aflitivas. E o profeta complementa: Quando “um justo se desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal praticado que ele morre”. E morre, matando a vida e as possibilidades de vida para todos. E ele continua: “quando um ímpio, um pecador, se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida.” Aqui é interessante o contraste entre o justo e o ímpio. Por que o profeta não fala do arrependimento do justo? Talvez, porque aquele que se considera justo não consegue enxergar seus próprios pecados e os coloca sempre na responsabilidade de outros. Por isso não tem possibilidades de se arrepender. O arrependimento só é possível quando nós enxergamos nossa culpa, quando nos reconhecemos pecadores.
O evangelho (Mt 21, 28-32) nos mostra isso quando apresenta a parábola dos dois filhos. Jesus estava no Templo e se dirige aos sacerdotes e aos anciãos do povo, aos chefes religiosos, e lhes traz uma questão: Que vos parece? É interessante pensar que Jesus nunca traz discursos prontos, regras estabelecidas, mas incita as pessoas ao discernimento. O evangelho conta, então, a história de um pai que chama seus dois filhos para o trabalho na vinha. O primeiro diz não querer ir, mas depois foi; o segundo diz que vai, mas não foi. E Jesus então pergunta: Qual dos dois fez a vontade do pai? Diz o texto que os sumos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: o primeiro. Jesus reage à resposta deles de uma forma surpreendente. Ele não diz: muito bem, vocês acertaram, são bons entendedores. Não! Ele diz: Os cobradores de impostos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus”, o que significa que eles entram no Reino e vocês não. Ora, se eles acertaram a reposta, por que são tão desmerecidos assim? Porque eles representam os “justos”, aos quais se refere o profeta Ezequiel, que sabem, ensinam, mas não fazem o que ensinam e, por se considerarem justos, não se arrependem. Os outros, os cobradores de impostos e as prostitutas se sabem pecadores e, por isso, estão habilitados ao arrependimento, à conversão, ao perdão e, consequentemente, ao Reino.
Paulo, na carta aos Filipenses (Fl 2, 1-11), nos convoca não a sermos esses “justos cheios de si”, mas a sermos aqueles que têm os mesmos sentimentos que existem em Cristo Jesus, o que significa os mesmos sentimentos de Deus, cantados no Salmo: amor mútuo, retidão, ternura e compaixão. Afirma que Jesus não se apega à sua condição divina, mas esvazia-se dela para que, vivendo na condição humana, possa mostrar à humanidade o que significa fazer a vontade de Deus. Retomemos Paulo: “Nada façais por competição ou vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais importante, e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro.” A vontade de Deus é que, na nossa fragilidade e vulnerabilidade humana, possamos buscar amar aos outros como Deus nos ama.
Que a Palavra que Deus hoje nos fortaleça e nos ajude a trilhar o caminho da vida!