07 Julho 2015
"Se os bispos do passado acabaram aceitando o divórcio civil como a lei dos homens, por que os atuais bispos não podem fazer o mesmo para com o casamento entre pessoas do mesmo sexo? Dada toda a publicidade em torno de oposição da Igreja ao casamento gay, ninguém pensará que ela estaria aprovando este tipo de união.", é o comentário de Thomas Reese, jesuíta e jornalista, em artigo publicado pelo National Catholic Reporter, 02-07-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Com a decisão da Suprema Corte americana legalizando o casamento gay em todo o país, os bispos dos Estados Unidos precisam de uma nova estratégia daqui para frente. Esta luta dos bispos americanos contra o casamento gay tem sido uma enorme perda de tempo e dinheiro. Os bispos deveriam adotar um novo conjunto de prioridades e um novo conjunto de advogados.
Alguns opositores do casamento gay têm defendido um movimento de desobediência civil, pedindo que as autoridades públicas ignorem a decisão e não realizem casamentos homoafetivos. Outros pedem uma emenda constitucional que derrube a decisão. Muitos têm argumentado que a decisão da Suprema Corte não vai resolver o problema, assim como o caso Roe x Wade não pôs fim ao debate sobre o aborto.
Primeiramente, vamos deixar claro o que a decisão federal não faz: ela não exige que os ministros religiosos realizem casamentos do mesmo sexo, nem os proíbe de falar contra o casamento gay. Estes direitos estão protegidos pela Primeira Emenda. O tribunal também deixou claro que a Igreja tem total liberdade para contratar e demitir os seus ministros por qualquer motivo.
O status jurídico do casamento gay é parecido com aquele de um novo casamento após o divórcio. O divórcio e um segundo casamento estão protegidos pela lei em todos os estados da União, mas se uma igreja é contra o recasamento após o divórcio, os seus ministros não são obrigados a realizar tais casamentos e seus pregadores podem continuar denunciando o divórcio a partir do púlpito. Se um ministro se divorcia, a igreja a que pertence pode destituí-lo.
Esta analogia com o divórcio é válida. Os bispos fariam bem em olhar para os históricos de seus antecessores, que se opuseram à legalização do divórcio e que acabaram perdendo nos tribunais. Eles acabaram aceitando que o divórcio fosse a lei dos homens, não permitindo que seja feito um novo casamento sem a devida anulação em suas igrejas.
Hoje, as instituições católicas raramente demitem as pessoas quando elas se divorciam e se casam novamente. Há inúmeras pessoas divorciadas e recasadas que estão contratadas trabalhando em instituições da igreja, e os seus cônjuges contam os com benefícios conjugais que possuem por direito. Ninguém fica escandalizado com isso. Ninguém pensa que a Igreja, ao conceder os benefícios conjugais a um casal que se uniu pela segunda vez, esteja endossando este estilo de vida.
Se os bispos do passado acabaram aceitando o divórcio civil como a lei dos homens, por que os atuais bispos não podem fazer o mesmo para com o casamento entre pessoas do mesmo sexo? Dada toda a publicidade em torno de oposição da Igreja ao casamento gay, ninguém pensará que ela estaria aprovando este tipo de união.
Chegou a hora de os bispos admitirem esta derrota e seguir em frente. O casamento gay chegou para ficar, e não estamos vendo o fim do mundo, como alguns querem fazer parecer.
Os que comparam o caso Obergefell x Hodges com aquele entre Roe e Wade não prestaram atenção nos números das pesquisas. A população dos Estados Unidos tem se mantido se polarizada em relação ao aborto há décadas, porém o apoio ao casamento gay tem continuado a aumentar. Não há absolutamente nenhuma chance de alguma emenda constitucional derrubar a decisão há pouco tomada pela Suprema Corte. O casamento gay não é uma questão de vida ou morte. Embora possa ser um problema para as eleições primárias republicanas deste ano, ele não o é para a população como um todo.
Agora que o casamento gay é lei estabelecida, muitos bispos temem que o próximo combate será sobre a liberdade religiosa das pessoas que contestam o casamento gay.
Sejamos perfeitamente claros aqui: entre os princípios morais católicos, não há nada que proíba um juiz ou funcionário católico de realizar um casamento homoafetivo. Também não existe nenhuma obrigação moral para que um empresário católico se recuse a fornecer flores, alimentos, espaço e outros serviços para um casamento entre pessoas do mesmo sexo. Por causa de toda a polêmica presente na mídia em torno destas questões, aos bispos precisa estar claro que estes não são problemas morais para quem trabalha nas instituições católicas nem para os empresários católicos.
Mais uma vez, juízes católicos têm realizado casamentos para todos os candidatos, inclusive para os que estarão se casando em violação aos ensinamentos da Igreja. Inúmeros empresários católicos vêm prestando serviços para todo tipo de festa matrimonial, incluindo as festas de católicos divorciados que estão se casando fora da Igreja. Da mesma forma, não há nenhum problema moral para que eles façam o mesmo aos casais homossexuais.
A Igreja tem uma doutrina moral sofisticada, que inclui uma distinção entre cooperação formal e material e a eliminação da culpabilidade moral quando uma pessoa está agindo sob coação.
Para fiéis de outras religiões, estas problemáticas podem ser, de fato, questões morais, mas não para os católicos. Por causa de toda a retórica em torno destas questões, os bispos precisam deixar tudo isso bem claro, principalmente para os católicos meticulosos.
Leis antidiscriminatórias
Atualmente, não há nenhuma lei federal que proíba a discriminação contra os homossexuais em se tratando de emprego ou habitação, mas um número crescente de estados vem aprovando leis nesse sentido. Será que os bispos lutarão contra a aprovação destas leis por medo do impacto que elas podem ter sobre as instituições católicas?
A melhor estratégia para os bispos dos Estados Unidos é imitar a igreja dos mórmons, que trabalhou em conjunto com defensores dos direitos dos gays na promulgação de leis contra a discriminação no emprego e na habitação em Utah. Em troca do apoio desta igreja, a comunidade gay se dispôs a aceitar impedimentos nos escoteiros e em instituições dos mórmons, como a Brigham Young University. John Wester, agora arcebispo de Santa Fe, no Novo México, apoiou esta lei quando ele era bispo de Salt Lake City [capital de Utah].
Em alguns estados, pode ser tarde demais para se elaborar tais acordos, porque os defensores dos direitos dos gays já têm os votos de que precisam, mas em outros o apoio da Igreja poderia fazer a diferença na aprovação de leis antidiscriminatórias. Em todo o caso, deixar claro que a Igreja se opõe à discriminação contra os homossexuais poderia ajudar a curar a divisão amarga entre a Igreja e apoiadores dos direitos dos homossexuais.
Poderá ser possível apelar aos gays pragmáticos para que reconheçam que, politicamente, seria inteligente, da parte deles, serem generosos na vitória. Agrupar-se em igrejas pode fazer com que eles percam certo apoio que têm no sentido de realizar os seus objetivos principais. Algumas perdas menores são um preço pequeno a pagar para alcançar os objetivos maiores.
Não há dúvida de que a questão da liberdade religiosa surgirá no futuro, seja por causa das leis antidiscriminatórias, seja por outros motivos.
Por exemplo, as faculdades e universidades católicas que fornecem alojamento para casais serão, sem dúvida, contatadas por pares homoafetivos em busca de moradia. A menos que estas instituições consigam fazer com que os estados produzam leis que as amparam para restringir este direito, elas poderão se ver forçadas a fornecer alojamento.
Mas, visto que elas já fornecem habitação para casais unidos ilicitamente de acordo com a Igreja, ninguém deverá considerar tais casos como um endosso deste estilo de vida. E visto todo o sexo que rola nas faculdades e universidades católicas, conceder moradia a algumas pessoas gays que se comprometeram viver permanentemente um com o outro dificilmente será considerado um grande escândalo.
Uma segunda questão será a provisão dos benefícios conjugais aos empregados gays em instituições católicas, especialmente as universidades e hospitais. Mais uma vez, estas instituições já concedem tais benefícios a empregados divorciados e novamente casados. Ninguém considera escandalosas estas situações. O fato de que a Igreja considera a assistência à saúde um direito deve ser o fator decisivo, e não o sexo do cônjuge.
Por fim, a questão mais polêmica a ser enfrentada tem a ver com os filhos de casais do mesmo sexo. Felizmente, está claro que estes devem ser batizados e acolhidos nas instituições de ensino católicas.
Todavia, os serviços de adoção católicos perderam o financiamento do governo porque se recusaram a encaminhar crianças a casais do mesmo sexo. Ironicamente, estes mesmos serviços católicos encaminharam filhos a gays solteiros no passado, seguindo uma política de “não pergunte nada, não diga nada” sobre quem poderia estar vivendo com eles. Os bispos se opuseram apenas contra os homossexuais casados.
Autoridades eclesiásticas, incluindo o papa, têm dito que toda criança merece ter uma mãe e um pai, com a inferência de que, sem um pai e uma mãe, a criança irá, de alguma forma, sofrer. Há uma série de problemas com esta postura.
Em primeiro lugar, ela lança dúvidas sobre os milhões de pais e mães solteiros que estão heroicamente criando os seus filhos sem o apoio do parceiro.
Em segundo lugar, tal postura tem uma visão estreita sobre a família. A Igreja tem tradicionalmente reconhecido a importância dos tios, tias e avós na educação dos filhos. Em terceiro lugar, casais homoafetivos frequentemente adotam crianças que ninguém mais quer. Será que essas crianças terão um futuro melhor em lares adotivos ou em orfanatos?
Finalmente, não há provas de que crianças de casais do mesmo sexo sofrem por causa da educação que recebem em casa. Ficou provado que um estudo, que sustentava que as crianças criadas por casais do mesmo sexo não iam bem na escola em comparação com aquelas outras criadas por casais heterossexuais, continha falhas.
Em uma nota publicada em 2013, opondo-se à Lei de Defesa do Casamento, a Associação Americana de Sociologia disse: “A alegação de que pais do mesmo sexo produzem resultados menos positivos aos filhos do que os pais de sexo oposto – seja porque tais famílias carecem tanto de um pai ou uma mãe, seja porque ambos os pais não são os pais biológicos dos filhos – contradiz abundantes pesquisas em ciências sociais”.
Diferentemente, “o bem-estar da criança é o produto da estabilidade na relação entre os pais, da estabilidade no relacionamento entre os pais e a criança e maiores recursos socioeconômicos providos pelos pais à família”.
A Academia Americana de Pediatria concordou e apoiou o casamento homoafetivo porque o casamento oferece a estabilidade necessária na vida das crianças:
Muitos estudos têm demonstrado que o bem-estar das crianças é influenciado muito mais por suas relações com os pais, com a sensação de segurança dada pelos pais e com a presença de um apoio social e econômico do que pelo sexo ou a orientação sexual dos pais. A falta de oportunidade para os parceiros do mesmo sexo se casarem soma-se ao estresse das famílias em geral, afetando a saúde e o bem-estar de todos os membros do agregado familiar. Porque a união fortalece as famílias e, ao assim fazer, beneficia o desenvolvimento das crianças, estas não devem ser privadas da oportunidade de que seus pais se casem.
Assim como o Papa Francisco se baseou no consenso científico quando tratou sobre o meio ambiente, também a Igreja deveria consultar o melhor das ciências sociais antes de fazer afirmações definitivas sobre os filhos e famílias.
Chegou a hora de os bispos dos Estados Unidos assumirem as prioridades políticas articuladas pelo Papa Francisco: cuidar dos pobres e do meio ambiente e promover a paz e a harmonia inter-religiosa. Esta oposição fanática dos prelados contra a legalização do casamento gay tem feito com que os jovens olham para a Igreja como uma instituição intolerante, com a qual eles não querem ser associados. Como pastores, os bispos deveriam falar mais sobre a compaixão e o amor de Deus, em vez de ficar tentando regular a conduta sexual das pessoas através de leis.
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Como os bispos deveriam responder à decisão pelo casamento homoafetivo nos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU