01 Junho 2015
A carta encíclica sobre o meio ambiente do Papa Francisco está sendo traduzida para múltiplos idiomas e, provavelmente, será publicada em junho. A seguir apresento cinco elementos a se aguardar na encíclica.
O comentário é de Thomas Reese, jesuíta e jornalista, publicado por National Catholic Reporter, 28-05-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
1. A encíclica aceitará o consenso científico de que o aquecimento global está acontecendo e que o fenômeno se deve à atividade humana.
O papa já disse aceitar esta conclusão científica, e um recente encontro no Vaticano sobre assunto concluiu: “As mudanças climáticas induzidas pelo humano é uma realidade científica”.
Uma série de críticos do papa já atacaram este ponto da encíclica, fazendo notar que os papas não são infalíveis quando se trata de questões científicas. Isso é, evidentemente, uma verdade. A ironia, porém, é que a Igreja vem sendo atacada por concordar com a ciência depois de séculos tendo sido acusada de ignorá-la. Galileu deve estar se revirando no túmulo.
É também irônico que este seja o primeiro papa na história a ter uma formação científica. Francisco se formou em química e trabalhou como químico antes de entrar para o seminário. Ele possui mais formação científica do que a maioria dos seus críticos.
2. A encíclica irá abraçar o movimento ambientalista sem endossar todas as posições que ele assume.
Durante décadas, a Igreja e o movimento ambientalista se estranharam porque os ambientalistas atacavam a Igreja por ela se opor ao controle artificial da natalidade.
Embora ainda eles estejam apoiando programas de controle do crescimento populacional, números menores de ambientalistas culpam publicamente a Igreja pelos altos índices de natalidade. Eles podem ver que, não importa o que a Igreja diga, os católicos tendem a seguir a própria consciência e reduzir o número de nascimentos. A educação e fatores culturais têm um impacto maior nos índices populacionais do que o ensinamento da Igreja.
Como consequência, os ambientalistas e as autoridades eclesiásticas irão, educadamente, discordar sobre o controle de natalidade enquanto trabalham juntos para salvar o planeta.
Esta trégua é importantíssima, pois a religião é um dos poucos fatores que podem motivar as pessoas a sacrificarem o seu autointeresse por um bem maior. As pessoas não irão sacrificar os seus estilos de vida por causa dos ursos polares. A religião tem uma longa história em se tratando de motivar as pessoas a sacrificarem o conforto pessoal tendo em vista um objetivo religioso. A Igreja Católica também tem uma longa história em encorajar estilos de vida mais simples.
Além disso, a bênção da Igreja para com o movimento ambientalista ajudará ele a penetrar na grande mídia.
Com o apoio da Igreja Católica, este movimento não poderá mais ser descartado como um simples bando de defensores das árvores e adoradores da Gaia.
3. A encíclica insistirá que os problemas ambientais não são simplesmente questões políticas e econômicas – são também morais.
Se os oceanos subirem e inundar ilhas e regiões costeiras como Bangladesh, milhões de pessoas tornar-se-ão refugiados ambientais. Se as camadas glaciares dos Alpes e do Himalaia desaparecerem, reservas de água deixarão de existir para agricultores e milhões de pessoas.
O número de mortes por causas ambientais no final deste século poderia tornar insignificante o número de casualidades ocorridas nas duas guerras mundiais do século XX. Se o sofrimento humano potencial que resultará das mudanças climáticas não for uma questão moral, então nada é uma questão moral.
4. A encíclica trará uma visão teológica ao debate ambiental.
Começando com o Gênesis, claro está que o mundo é criação de Deus, um dom que deve ser estimado, e não violado ou saqueado. O mundo reflete a grandiosidade divina; é um objeto de contemplação por meio do qual chegamos a compreender a Deus. Destruí-lo é um sacrilégio.
A encíclica pode também citar Romanos 8 – “que a criação toda geme e sofre dores de parto até agora” – como uma imagem de um universo em evolução onde precisamos estar do lado certo dos planos de Deus.
5. A encíclica insistirá que o fardo das mudanças climáticas ou das tentativas de lidar com elas não recaia unicamente sobre os pobres.
Quando os EUA e os demais países desenvolvidos têm as maiores pegadas de carbono, torna-se inconcebível dizer aos países pobres que eles precisam interromper o corte das florestas tropicais e pararem de ter bebês de forma que possamos sustentar o nosso estilo de vida de primeiro mundo. Todos precisam se sacrificar, e aqueles que mais se beneficiaram da economia baseada no carbono devem se sacrificar mais.
Há duas coisas que não devemos esperar da encíclica.
Primeiro, ela terá poucas recomendações políticas.
O papa é um profeta, não um sabichão da política. Ele reflete a partir da palavra de Deus, olha o mundo e convida à conversão e à transformação, cabendo aos ambientalistas, economistas, líderes do mundo dos negócios e às autoridades públicas se apresentarem com soluções concretas à crise ambiental que enfrentamos.
Segundo, não devemos esperar milagres a partir da encíclica.
O mundo inteiro não vai se transformar depois que a encíclica for publicada. A encíclica faz parte de uma conversão mais ampla que as pessoas devem ter. O papa colocou um holofote sobre esta discussão e enriqueceu o vocabulário, mas serão necessárias muitas discussões e muito trabalho para se reverter o atual estado das coisas.
A encíclica do papa será um convite a todos nós para nos juntarmos neste diálogo e neste trabalho.
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Cinco coisas a se aguardar na Carta Encíclica sobre o meio ambiente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU