Por: Patricia Fachin | 31 Outubro 2016
Diferentemente do que ocorreu nos últimos quatro centenários da Reforma Protestante, em que “o protestantismo se afirmava contra a Igreja Católica, e esta denunciava as ‘heresias’ da Reforma”, neste ano, em que se caminha para os 500 anos da Reforma, “pela primeira vez, a comemoração ocorre num clima de empenho pela unidade e em espírito ecumênico”, diz Walter Altmann à IHU On-Line.
O culto ecumênico que será realizado hoje, 31 de outubro de 2016, pelo bispo luterano palestino Munib Younan, o pastor chileno Martin Junge, e o papa Francisco, na “antiga catedral medieval católica que passou a ser catedral luterana no século XVI”, em Lund, na Suécia, “é um gesto de grande significado simbólico, que poderá ser muito reforçado ainda com as palavras que estará proferindo”, afirma o pastor luterano.
Na avaliação de Altmann, o “sentido” desse ato que marca a abertura das comemorações do quinto centenário da Reforma, pode ser entendido em duas perspectivas. “Há um sentimento de gratidão pelo legado teológico de Lutero, afirmando a preponderância da graça de Deus, o acolhimento desta através da fé e o compromisso em favor da prática do amor ao próximo, da justiça e da paz. Mas há também um sentido autocrítico para com as limitações, falhas e deturpações que ocorreram em Lutero e, sobretudo, na história das igrejas após o período da Reforma. O papa Francisco tem dado demonstrações de que encara a história, também a da Igreja Católica, da mesma forma. Portanto, a Reforma deve ser comemorada em espírito de gratidão pelo legado evangélico, penitência pelos pecados cometidos e reafirmação do compromisso evangélico”, afirma.
Apesar dessa comemoração histórica, Altmann frisa que “provavelmente não haverá uma unanimidade” entre católicos e luteranos acerca do significado deste dia, mas mesmo assim “pode-se dizer já agora que prevalece entre as igrejas luteranas do mundo o sentimento de alegria com o fato de que as relações entre luteranismo e catolicismo tenham progredido tanto a ponto de essa comemoração conjunta se tornar possível”. E destaca: “Qualquer divisão da cristandade é lamentável e contrária à vontade expressa de Jesus Cristo (João 17:21). Aliás, teologicamente, confessamos todos haver apenas uma igreja una, santa, católica (universal) e apostólica, ainda que, por múltiplos fatores teológicos e ‘não-teológicos’, esteja institucionalmente dividida”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, Walter Altmann comenta as principais contribuições da Reforma para a modernidade, as aproximações entre o catolicismo e o luteranismo nos últimos 50 anos e frisa que “em vez de uma uniformidade” entre católicos e luteranos, “devemos vislumbrar um futuro de uma diversidade reconciliada, reformada sempre de novo no que for preciso. A Reforma afirmou e o papa Francisco também tem afirmado que a Igreja necessita estar em permanente reforma”.
Walter Altmann é pastor luterano, graduado em Teologia pela Escola Superior de Teologia e doutor em Teologia Sistemática pela Universidade de Hamburgo. Atualmente é professor titular da Faculdades EST. Entre 1995 e 2001 exerceu o cargo de presidente do Conselho Latino Americano de Igrejas – CLAI, com sede em Quito. De 2003 a 2007 foi membro do Conselho da Federação Luterana Mundial – FLM, com sede em Genebra, na Suíça e, de 2002 a 2010, foi presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil. Entre suas obras, destaca-se Lutero e Libertação – Uma leitura de Lutero em perspectiva latino-americana.
Walter Altmann | Foto: www.luteranos.com.br
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O que diferencia a comemoração da Reforma a ser realizada neste ano em relação a outros momentos históricos? Por que se optou por dar um tom ecumênico à celebração, incluindo a participação do papa Francisco?
Walter Altmann - Todas as celebrações centenárias anteriores ocorreram num espírito de confrontação com o “outro”. Isto é, o protestantismo se afirmava contra a Igreja Católica, e esta denunciava as “heresias” da Reforma. Agora, pela primeira vez, a comemoração ocorre num clima de empenho pela unidade e em espírito ecumênico. A Federação Luterana Mundial intencionalmente evita a palavra “jubileu”, bastante usada na Alemanha (afinal, 500 anos não é uma data qualquer!) ou mesmo “celebração”, mas, mais modestamente, “comemoração”. O sentido é: há um sentimento de gratidão pelo legado teológico de Lutero, afirmando a preponderância da graça de Deus, o acolhimento desta através da fé e o compromisso em favor da prática do amor ao próximo, da justiça e da paz. Mas há também um sentido autocrítico para com as limitações, falhas e deturpações que ocorreram em Lutero e, sobretudo, na história das igrejas após o período da Reforma. O papa Francisco tem dado demonstrações de que encara a história, também a da Igreja Católica, da mesma forma. Portanto, a Reforma deve ser comemorada em espírito de gratidão pelo legado evangélico, penitência pelos pecados cometidos e reafirmação do compromisso evangélico.
IHU On-Line - Qual é o significado da participação do papa Francisco na abertura das comemorações do quinto centenário da Reforma Protestante, que inicia neste dia 31-10-2016, em Lund, na Suécia? Que leitura o senhor faz dessa participação?
Walter Altmann - O papa Francisco que já como arcebispo de Buenos Aires deu claras demonstrações de seu compromisso ecumênico, também como “bispo de Roma”, como gosta de ser intitulado, tem recebido lideranças luteranas (e de outras confissões cristãs e religiosas), no Vaticano. Agora, no início dos 500 anos da Reforma, ele vai a “território” luterano e co-oficiará com o Presidente da Federação Luterana Mundial – FLM, o bispo luterano palestino Munib Younan (e com o Secretário Geral da FLM, o pastor chileno Martin Junge) o culto comemorativo, e isso numa antiga catedral medieval católica que passou a ser catedral luterana no século XVI, quando a totalidade dos bispos suecos e todo o povo, a começar pelo rei, aderiram à Reforma. É um gesto de grande significado simbólico, que poderá ser muito reforçado ainda com as palavras que estará proferindo. Deverá ocorrer também a assinatura de uma declaração conjunta pelo Papa Francisco e pelo Bispo luterano Younan.
IHU On-Line - Como a participação do papa no encontro está repercutindo entre os luteranos?
Walter Altmann - Isso será sentido mais após o evento comemorativo do que antes, também em face do que concretamente haverá de ser dito e feito na ocasião. Provavelmente não haverá uma unanimidade. Haverá quem o verá de forma crítica, talvez recordando, de um lado, que há ainda diferenças significativas entre as igrejas e, de outro, que a Reforma luterana não deveria ser comemorada neste momento “apenas” com a Igreja Católica, já que há muitas afinidades teológicas e eclesiais com outras igrejas oriundas da Reforma. Mas pode-se dizer já agora que prevalece entre as igrejas luteranas do mundo o sentimento de alegria com o fato de que as relações entre luteranismo e catolicismo tenham progredido tanto a ponto de essa comemoração conjunta se tornar possível. Está prevista também a assinatura de um convênio de cooperação entre o Departamento de Serviço ao Mundo da FLM, muito engajado no apoio a refugiados, e a Caritas Internacional da Igreja Católica, o que reforçará o significado do evento. Acrescento, de outra parte, que a FLM estará realizando sua próxima assembleia geral em maio próximo, na Namíbia, um país do Sul do planeta, em que a maioria da população é luterana. Nessa ocasião haverá também um culto comemorativo conjunto da FLM com todas as confissões cristãs parceiras da FLM.
IHU On-Line - Hoje, como está a relação entre católicos e luteranos em geral? Quais foram pontos de diálogo ecumênico entre ambos ao longo dos últimos 50 anos? Como as comunidades reagem a esse processo de diálogo e aproximação?
Walter Altmann - Em nível local há numerosas experiências de cooperação, embora em muitos lugares isso tenha mais característica de uma convivência pacífica do que propriamente de estreita cooperação. Em nível nacional temos tido de tempos em tempos a organização ecumênica da Campanha da Fraternidade e, anualmente, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, muito difundida em comunidades locais. Tem havido cooperação em pastorais específicas, como a indígena, a da terra e outras. Em nível teológico-eclesial encontra-se regularmente desde 1974 a Comissão Bilateral Católico-Luterana da CNBB e da IECLB. Processos análogos podem ser registrados em muitos outros lugares do mundo. De um modo geral, há hoje, em lugar da confrontação e condenação mútua do passado, uma relação de respeito, de reconhecimento mútuo do ser cristão e, de maneira pontual, de cooperação.
IHU On-Line - Como o senhor vê a celebração da Reforma 500 anos depois, num mundo que é bastante secularizado e no qual as pessoas, inclusive, vivem sem necessariamente adotar ou seguir os valores proclamados pela Reforma? Que contribuições o protestantismo pode dar à sociedade secularizada?
Walter Altmann - Bem, a meu ver o que caracteriza o cenário religioso hoje não é simplesmente secularização, porque há também um forte recrudescimento das religiões. Assim, o cenário hoje é caracterizado precisamente pela concomitância de secularismo e forte impacto religioso. Nesse sentido, o próprio secularismo poderia ser entendido como uma forma secular do religioso e muitos de seus adeptos assumem uma postura por assim dizer “missionária” de suas convicções. Isso é, claro, radicalmente diferente do cenário religioso na época da Reforma, em que se deu um conflito religioso, mas à base de um entendimento comum de se estar num ordenamento de cristandade. Daí porque a divergência acabou confluindo para a ruptura e até em trágicos conflitos bélicos. Mas, sem dúvida, a Reforma, ao defender que o âmbito secular não podia ser tutelado pelo espiritual, contribuiu para a emergência paulatina do Estado moderno e laico. Contudo, a Reforma também confrontou os poderes políticos com o que lhe parecia ser o bem comum e advogando, em especial, em favor do cuidado social com todos os cidadãos, em especial os mais vulneráveis. Isso continua altamente relevante.
IHU On-Line – A ênfase no aspecto pessoal da fé não serviria também a um processo de relativização que culmina na enorme explosão numérica de igrejas? Como equalizar essa questão de modo que as pessoas tenham uma fé pessoal, mas que não gere esse efeito e que não se tenha, de outro lado, uma fé e uma espiritualidade esvaziadas?
Walter Altmann - Fé pessoal não significa uma fé arbitrária, cada qual a seu gosto, o que de fato daria no resultado que apontas. Isso seria um desvirtuamento do que Lutero propunha: uma fé pessoalmente assumida em suas implicações e consequências, por exemplo, o compromisso de amor ao próximo. Acrescentaria à valorização da fé pessoal e da consciência de cada qual, contudo vinculadas à Palavra de Deus.
IHU On-Line - Quais são as principais contribuições da Reforma para a modernidade?
Walter Altmann - Mencionei na pergunta anterior a distinção entre o secular e o espiritual, distinção, não separação, o que seria um grosseiro mal-entendido do que a Reforma defendeu. Acrescentaria a valorização da fé pessoal e da consciência de cada qual. Dessa forma, a Reforma afirmou o sacerdócio geral de todas as pessoas batizadas. Ao enfatizar a justificação por graça mediante a fé, valorizou todos os seres humanos por igual. Teve também um acento todo especial na constituição de comunidades, como base da igreja no seu todo. Quanto à educação, propugnou por uma educação universal e ordenada pelos agentes públicos, municipais em primeira linha, inclusive e explicitamente em favor das meninas, algo totalmente revolucionário na época. É interessante notar-se também, por sua relevância para hoje, que, sem ser pacifista, Lutero rechaçou totalmente o conceito de uma guerra santa e colocou estritos limites para uma guerra ser considerada justa (apenas defensiva, com meios não excedentes aos sofridos pela agressão ocorrida, busca da conciliação etc.). Acrescento ainda como altamente relevante Lutero ter identificado entre os ídolos que se contrapõem a Deus, como principal deles, Mâmon, isto é, as riquezas, o que permite uma crítica contundente a valores materialistas de um capitalismo especulativo e espoliador.
IHU On-Line – O senhor concorda que o luteranismo, diferente do catolicismo, não teve uma expansão de caráter universal? Por quê?
Walter Altmann - Em dimensão mais modesta do que o catolicismo, o luteranismo também teve uma expansão universal, sim. Aliás, a FLM propõe a comemoração da Reforma não como um evento “alemão”, mas, sim, “global”. A FLM representa hoje uma comunhão de 145 igrejas luteranas em 98 países, de todos os continentes, com mais de 74 milhões de membros. Se bem que o maior número de luteranos ainda hoje se encontra na Alemanha (mas divididos administrativamente em várias igrejas luteranas territoriais), a maior igreja luterana no mundo hoje é a Igreja Mekané Yesus, da Etiópia, disputando a primazia com a Igreja da Suécia. Também a Igreja Evangélica Luterana na Tanzânia tem experimentado um notável crescimento. Já mencionei que na Namíbia pouco mais da metade da população é luterana. Também a Indonésia deveria ser lembrada. Precisamente as igrejas da África e da Ásia estão experimentando crescimento. Na América Latina a presença é numericamente menos significativa, sendo a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB a maior das igrejas luteranas. Há ainda, adicionalmente mais algumas igrejas luteranas não afiliadas à FLM, como, no Brasil a Igreja Evangélica Luterana do Brasil – IELB, no tal mais alguns milhões de fiéis. É verdade, porém, que a expansão global do catolicismo foi muito mais vigorosa, tendo se dado fortemente a partir das navegações e colonizações do século XVI. A expansão do luteranismo deu-se só séculos mais tarde e de outras formas. Na época da Reforma, o catolicismo e a ação política do Imperador Carlos V não foram capazes de restituir a unidade da Igreja Católica, extinguindo a Reforma, mas pôde contê-la praticamente confinada à Europa Central e à Escandinávia.
IHU On-Line - Qual foi o impacto da Reforma no cristianismo como um todo? Alguns fazem uma crítica de que a Reforma gerou uma divisão na Igreja e, mas outros consideram que a divisão proporcionou momentos importantes. Que leitura o senhor faz?
Walter Altmann - Qualquer divisão da cristandade é lamentável e contrária à vontade expressa de Jesus Cristo (João 17:21). Aliás, teologicamente, confessamos todos haver apenas uma igreja una, santa, católica (universal) e apostólica, ainda que, por múltiplos fatores teológicos e “não-teológicos”, esteja institucionalmente dividida. Já a divisão entre cristandade oriental (igrejas ortodoxas, em torno do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla) e ocidental (sob Roma) é dolorosa, como também a divisão na Igreja Ocidental, com a Reforma. Lutero jamais pretendeu “criar” uma nova igreja nem queria que qualquer pessoa se designasse de “luterana”, mas apenas de “cristã”. Igualmente lamentável também são as sucessivas divisões ocorridas posteriormente, inclusive a enorme fragmentação da cristandade que temos hoje. Importante é lembrar que os 500 anos de Reforma não significam 500 anos de uma nova igreja, mas 500 anos da Reforma no intuito de fidelidade ao evangelho apostólico, 2.000 anos atrás. Por outro lado, é certo também que as diferentes confissões cristãs têm características e ênfases próprias, a maioria delas perfeitamente legítimas, que, uma vez reconciliadas, podem conferir uma inusitada beleza à Igreja una. Em vez de uma uniformidade, devemos vislumbrar um futuro de uma diversidade reconciliada, reformada sempre de novo no que for preciso. A Reforma afirmou e o papa Francisco também tem afirmado que a Igreja necessita estar em permanente reforma.
IHU On-Line - Alguns luteranos têm sugerido que com a data de celebração dos 500 da Reforma - conforme demonstra o documento “Do conflito à comunhão", redigido pela Comissão Internacional Católico-Luterana em 2013 -, os luteranos deveriam ter um olhar crítico sobre si mesmos não só considerando o passado, mas também o futuro. O que seria, para o senhor, esse olhar crítico? Ele é plausível nesse momento? Por quê?
Walter Altmann - Em relação ao passado essa visão crítica, ainda que nunca um empreendimento agradável, é mais fácil. É possível detectar à distância o que em meio à confrontação não era possível: as radicalizações de parte a parte, os desvirtuamentos das posições alheias, as lutas por poder e espaço, até ao ponto de guerras religiosas. Como herdeiros dessa tradição, devemos solicitar perdão uns aos outros e, sobretudo, ao próprio Deus. Mais difícil é sermos críticos a nós mesmos em nosso próprio tempo. Mas é algo igualmente necessário. Não devemos tomar como algo absoluto nossas próprias concepções, nossas teologias, nossas estruturas, mas exercitar a abertura ao outro, buscar a convergência e enfrentar conjuntamente os grandes desafios à nossa frente: como ter um testemunho de credibilidade em nosso tempo, como viver a solidariedade do amor de Cristo para com as pessoas que padecem, como sermos instrumentos da paz e da justiça, como cuidar da criação que nos foi confiada por Deus. Não precisamos assumir esses compromissos de maneira isolada. Ao contrário, seremos mais eficazes e teremos mais credibilidade se unirmos esforços, no espírito de uma comunhão fraterna.
IHU On-Line - Uma vez o Papa João XXIII disse que “o que nos une é maior do que o que nos divide”. O que une e o que divide católicos e luteranos hoje? Quais são os pontos teológicos em que católicos e luteranos divergem substancialmente, caracterizando as diferenças entre ambos? E quais são os principais pontos de aproximação entre ambos?
Walter Altmann - “O que nos une é maior do que o que nos divide” é uma formulação que passou a ser hoje praticamente um lugar-comum, mas expressa uma realidade básica. Fundamentalmente, nos une a fé em Jesus Cristo, como também o batismo que reconhecemos mutuamente. Muitos pontos doutrinais nos são comuns, ainda que, aqui e ali, tenhamos algumas formulações diferentes, mas sem afetar a substância. A salvação, a Trindade, o batismo, a valorização da Bíblia como fonte da revelação, a compreensão de um sacerdócio geral das pessoas batizadas e muitos outros aspectos nos unem. Desde 1999, quando foi assinada em Augsburgo, Alemanha, pelo Vaticano e pela FLM, a Declaração Conjunta acerca da Doutrina da Justificação, também há consenso na verdade básica de que a salvação é concedida por graça de Deus e não à base de nossas obras, mas é acolhida em fé. As diferenças de formulação e ênfase remanescentes na formulação da doutrina já não invalidam o consenso básico alcançado. Isso é particularmente significativo porque para Lutero esse era precisamente o ponto em que a Igreja “permanece ou cai”.
Os 50 anos de diálogo bilateral católico-luterano registaram enormes consensos. O documento “Do conflito à comunhão” registra a necessidade de maior diálogo acerca da organização eclesiástica, acerca do ministério e do ministério ordenado. Mas já houve muitos avanços nesses tópicos também, em particular no que diz respeito à Eucaristia. Ainda assim, até agora a Igreja Católica não vê alcançada a condição que permitiria a comunhão em torno de uma única mesa eucarística, tampouco para uma hospitalidade eucarística (a recepção de fieis da outra igreja na sua própria Eucaristia), o que não seria dificuldade para a esmagadora maioria dos luteranos. No fundo, para a Igreja Católica está a pergunta do ministério ordenado: quem está autorizado a presidir a mesa eucarística?
Quanto ao ministério petrino (o ministério do papa), há ainda muito a dialogar. A Igreja Católica o considera essencial para a igreja, enquanto o luteranismo desenvolveu outras formas de liderança na Igreja. Uma porta aberta para o diálogo consta na Encíclica Que Todos sejam Um, do papa João Paulo II, ao mencionar a possibilidade de ser revista a forma de exercício do ministério petrino. Há no luteranismo vozes que defendem um “ministério da unidade”, sem, contudo, o poder jurisdicional que o papado detém na atualidade na Igreja Católica.
No tocante à mariologia está removida a concepção muito arraigada no protestantismo de que os católicos “adorariam” a Virgem Maria. Permanece, porém, na concepção protestante, a noção de que as orações a Deus são mediadas sempre pelo próprio Cristo, valorizando-se a Virgem Maria e os santos não como intercessores, mas como exemplos de fé a inspirar os fiéis.
IHU On-Line - Que leitura o senhor faz da organização do documento “Do conflito à comunhão”, redigido pela Comissão Internacional Católico-Luterana, a partir da sua perspectiva religiosa? Como esse documento repercutiu nas comunidades?
Walter Altmann - O documento é de alta importância, mas até agora não repercutiu muito em nível de comunidades, por ter sido publicado em português mais recentemente e ainda não ter sido muito difundido. Seus grandes méritos são fazer uma cuidadosa retrospectiva dos 50 anos de diálogo, apresentar uma interpretação católica e uma luterana acerca dos fatos da Reforma e da teologia de Lutero de maneira convergente e em espírito ecumênico, bem como traçar o mapa para conversações futuras. Mas ele próprio não avançou em novas áreas teológicas pendentes, em parte, talvez, porque propostas anteriores, como em relação à Eucaristia, ainda não foram assumidas oficialmente na prática das igrejas. Como seja, ele é um poderoso convite a perseverarmos na caminhada do entendimento e na busca da unidade plena. A comemoração dos 500 anos da Reforma em espírito ecumênico poderá gerar novos impulsos para a caminhada ecumênica das igrejas.
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500 anos da Reforma manifesta o desejo de um futuro de diversidade reconciliada. Entrevista especial com Walter Altmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU