Frente um cenário insensível e brutal, reencantar a vivência para se conectar com o Outro. Destaques da semana

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Cristina Guerini | 20 Outubro 2024

Cordialidade, sensibilidade e solidariedade já não parecem palavras do nosso cotidiano. Nos tornamos ásperos, insensíveis e individualistas. Nessa corrida pelo eu, o fascismo vem à tona, seja nas eleições, nas guerras que eclodem mundo afora ou na natureza que se converte em gado, seca e soja. A Amazônia se aproxima do fim. A fome corrói por dentro. Do Sínodo, sopra uma brisa de novidade. Esses e outros assuntos nos Destaques da Semana do IHU.

Confira os destaques na versão em áudio.

Processo eleitoral

Os resultados das últimas eleições municipais continuam a ser pauta. Busca-se compreender essa aderência à extrema-direita país afora. Em uma longa análise, José Geraldo de Souza Jr. sinalizou que “à superfície, no âmbito mais tradicional da política e de seus fóruns de interpretação, aí incluídos os grandes meios de comunicação, eles próprios parte dessa tradição, o tom das análises repercute a leitura impressionista, do jogo de perdas e ganhos, levando em conta o desempenho das forças que representam o espectro ideológico da luta por poder entre conservadores e progressistas, entre direita e esquerda, e de desempenho das respectivas legendas e de suas candidaturas. Assim, para essas análises, ganhou a direita entre seu centro e sua extrema, com 90 milhões de votos sobre 21 milhões atribuídos à esquerda”. 

Lógica suicida

A extrema-direita se aproxima cada vez mais da periferia ao usar a lógica do empreendedorismo, uma “lógica suicida”, como classifica o filósofo Vladimir Safatle. Para ele, o alerta vermelho está aceso para um possível retorno da extrema-direita em 2026, também porque a esquerda não chega à periferia. Ela “não tem nada a dizer aos pobres”, assinalou ele em entrevista essa semana. Da mesma forma, Camila Rocha alertou que “Pablo Marçal é só o começo”, pois o poder da indústria da influência permite que os influenciadores alcem voo na política.

Reverter o imobilismo

Por falar em periferia, Mateus Muradas convocou os intelectuais a promoverem política também nas regiões que estão à margem. “Este derrotismo de Safatle, nos leva ao mais puro imobilismo, nos leva a assistir as dificuldades do campo da esquerda, de braços cruzados, como se fossemos expectadores da desgraça ou profetas do fim do mundo. É necessário sair dos bancos mofados da FFLCH-USP, sair desta postura derrotista e elitista, e reconhecer que sim há dificuldades, mas nunca, jamais, haverá vitória, sem luta!”, pontuou o ativista em artigo. Além disso, a discussão sobre “pobres de direita” voltou a ser destaque por aqui. Ainda falando sobre o pensamento dos mais pobres e crítico a obra recém-lançada de Jessé de Souza, Erick Kayser fez uma análise sobre o voto das periferias na direita. Já, Luís Fernando Vitagliano enfatizou que “não existe pobre de direita” e que afirmar o contrário é criar uma posição elitista. 

Combater a alienação

“Quando o oprimido exalta seu opressor, é mais difícil que a democracia vença. Disso a extrema direita se aproveita. [...] Nosso maior desafio não é vencer uma eleição. Mas combater as várias formas de alienação. A proposta é Dom Vicente Ferreira, ao comentar sobre as eleições e o oportunismo da extrema-direita em sua conta na rede social X. Uma tarefa cuja solução pode estar na volta aos mitos e a uma ecologia da ação podem ser saídas às encruzilhadas contemporâneas. O que nos falta, sugere o Moysés Pinto Neto, é tesão para reconstruirmos afetos que façam frente à extrema-direita. Luiz Marques propõe uma política do cotidiano para fazer frente ao fascismo: “Exercitar a imaginação com base nas experiências do dia a dia é o caminho para desconstruir o mundo artificial criado pelo marketing neoliberal e conservador, com a ajuda dos cães de guarda da mídia parceira dos poderosos”. 

Anestesiados e insensíveis

Estima-se que 70% das pessoas na Faixa de Gaza desapareceram sob as bombas. Entre tantas vidas perdidas, Shaaban al-Dalou, um jovem de 20 anos, tornou-se mais um dos símbolos da barbárie Israelense. O menino foi morto, junto com sua mãe, no hospital Al Aqsa, no centro de Gaza, em Deir al-Bala, onde estavam abrigados. As cenas nos chocam frente a uma certa anestesia e insensibilidade à brutalidade da guerra.  

Fome

A insegurança alimentar é uma das armas de guerra de Israel. No campo de refugiados em Jabalia, os ataques israelenses pressionam e estrangulam a população sitiada com fome, para tentar forçar a rendição do Hamas. É sobreviver à fome e às bombas e a desumanidade dos soldados de Israel, que, entre tantos, mataram um menino de seis anos. Se você tiver coragem de ouvir o relato, ele está a seguir.  

Xadrez da guerra

O assassinato de Yahya Sinwar move mais uma peça no xadrez da guerra. A comunidade internacional vê a morte de chefe do Hamas como oportunidade para pôr fim ao genocídio em Gaza. Os EUA, peça-chave nesse tabuleiro, também já se manifesta a favor do fim do conflito. A bordo do avião presidencial, o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan falou que a morte de Sinwar representa uma “oportunidade de encontrar um caminho a seguir que leve os reféns para casa, ponha fim à guerra e nos leve a um dia depois”. Enquanto isso não acontece, Israel segue bombardeando Gaza, promovendo massacres  e também um ecocídio.   

Adeus, Amazônia

Estamos redigindo o atestado de óbito da Amazônia, deixando morrer a maior floresta tropical do mundo, cada vez mais perto do ponto de não retorno. Fragmentada, desmatada, queimada, literalmente esfolada vida. Mas ainda pode ser pior.... ignorando a ciência, a sanha desenvolvimentista quer pavimentar a rodovia da morte do bioma e arrancar até a última gota de petróleo do subsolo. Belo Monte, neste contexto, ergue-se como monumento ao fracasso desenvolvimentista na Amazônia

Ogronegócio

O agro pop do Brasil atacou, de novo, o meio ambiente com a aprovação de lei no Mato Grosso que contraria a Moratória da Soja. Para expurgar do país esse ogro, devemos nos voltar à agroecologia.  

Última chance

A COP30 deve ser nossa última chance de posicionar o Brasil como condutor da agenda climática global, colocando em pauta uma nova direção para os rumos do planeta. É isso o que cientista brasileiro Paulo Artaxo espera acontecer. Essa também é a oportunidade em que a Amazônia se tornará o centro do mundo. Com isso, também sua preservação estará na pauta. Será que podemos esperar até 2025? No atual cenário de extremos ambientais e com a Terra entrando em nova fase da crise climática, parece que estamos atrasados.  

Sopra um ar puro...

Se antes pairava um mal-estar quase generalizado em relação aos possíveis resultados do Sínodo sobre a Sinodalidade, parece que agora as janelas começam se abrir a um sopro de ar puro. As mudanças podem não ser estruturais, mas são interessantes. O Código de Direito Canônico está na mira dessas mudanças por vir. “Virada eclesiástica”, diaconato feminino, celibato, inclusão dos católicos LGBT+ parecem ter voltado à pauta. Há também a possibilidade de novos órgãos para descentralizar a igreja. A ausência da cúpula conservadora no Sínodo pode facilitar esse processo.  Precisamos aguardar a votação no final do mês, mas membros da Assembleia Sinodal, como o cardeal Leonardo Steiner, o bispo ruandês Edouard Sinayobye e dom Antony Randazzo, presidente da Federação das Conferências Episcopais da Oceania, já se manifestaram a favor da abertura eclesial para diferentes temas.

Volta à sensibilidade

A nossa tragédia ecossocial, que é fruto de um tipo de razão que degenerou em racionalismo, nas palavras de Leonardo Boff, tem nos colocado como sujeitos abjetos e insensíveis frente aos dramas do mundo. Mas há que não perder essa sensibilidade de nos colocar em conexão com o outro. Jung Mo Sung é uma dessas pessoas que nos provoca à mudança: “no mundo tão insensível aos sofrimentos dos pobres, marcado pelos interesses pessoais e desejo de prestígio e símbolos de riqueza, ações que rompem com essa cultura de insensibilidade e mostram o direito dos pobres de viver dignamente são libertadoras e 'revolucionárias'”. E na hipótese excluída de Raniero La Valle está o convite para nosso reencontro com a sensibilidade: “se colocarmos novamente em jogo a hipótese excluída, talvez possamos perguntar a nós mesmos e aos outros que estão conosco nesta vida para recolocar em discussão as suas escolhas, recolocar em discussão as suas guerras, recolocar em discussão a sua ideia do Inimigo e ajudar a construir uma sociedade diferente, um mundo diferente, um mundo que não acabe”.

Literatura

Han Kang, escritora sul-coreana, venceu do prêmio Nobel de literatura. Evando Nascimento, fala que “o ‘romance da sul-coreana Han Kang (2018) impressiona justamente pela ênfase dada a uma situação de extrema violência contra o corpo feminino. Não se trata de um panfleto em favor do vegetarianismo, mas sim de uma crítica ao modo como se abatem os animais e como se consome carne vermelha e branca abusivamente. Tem-se, portanto, uma dupla violência: contra os animais e contra as mulheres, mas também contra os vegetais”.

Por falar em literatura, na semana que passou também comemoramos o Dia do Professor, figura de suma importância em nossa vida cotidiana.

Desejamos uma boa semana a todos e todas!