19 Mai 2023
Um Atlas mundial, publicado no dia 16 de maio, traz uma série de dados sobre esses produtos tóxicos. As mulheres são as vítimas insuspeitas do uso de pesticidas em todo o mundo.
A reportagem é de Marie Astier, publicada por Reporterre, 17-05-2023. A tradução é do Cepat.
Eles estão por toda parte e são invisíveis: na água, no ar e nos solos. Os efeitos nocivos dos pesticidas nos organismos vivos e na nossa saúde são conhecidos, mas o Atlas des Pesticides (Atlas dos Pesticidas), divulgado na terça-feira, 16 de maio na França, consegue nos surpreender. Publicado pela fundação alemã Heinrich Böll e pela La Fabrique Écologique, em colaboração com o coletivo de ONGs ambientais Nourrir e a associação Générations Futures, reúne em textos e gráficos uma série de dados sobre os agrotóxicos em nível mundial. É baseado em numerosos estudos científicos. Versões em inglês, alemão e italiano já foram lançadas em outras partes da Europa.
O documento é oportuno para identificar o fenômeno, enquanto um novo estudo acaba de lembrar que os agrotóxicos são os principais responsáveis pelo declínio das aves.
Reporterre mergulhou neste Atlas e destacou cinco fatos.
A União Europeia gostaria de reduzir o consumo de pesticidas pela metade até 2030. Na França, o plano Écophyto tinha o mesmo objetivo. Mas tanto na França como na União Europeia, o consumo está estagnado em vez de cair. Em outras partes do mundo, alguns continentes concentram o aumento do consumo. Na América Latina, o consumo de agrotóxicos mais que dobrou (+119%) entre 1999 e 2020. No mesmo período, a África aumentou seu consumo em 67%.
A França permanece acima da média europeia em termos de uso de pesticidas. Atlas des Pesticides
A União Europeia afirma proibir os pesticidas mais perigosos. No entanto, não impede de continuar a fabricá-los em seu solo e exportá-los. O Reino Unido, a Alemanha e a Itália são os três maiores exportadores desses pesticidas proibidos na Europa por serem muito perigosos. Eles são vendidos principalmente no Brasil, Ucrânia e África do Sul. Enquanto 195 pesticidas considerados “extremamente perigosos” pela ONG Pesticide Action Network são proibidos na União Europeia, apenas 20 são proibidos no Mali, 19 na Nigéria, 18 na Argentina. “É indigno”, sublinha Géraud Guibert, presidente da La Fabrique Écologique.
A indústria de agrotóxicos está concentrada nas mãos de um punhado de empresas. Syngenta Group, Bayer, Corteva e BASF controlavam 70% do mercado global de pesticidas em 2018 (em comparação com 29% 25 anos antes). As mesmas detêm 57% do mercado de sementes.
O mercado de pesticidas cresce 4% ao ano desde 2015 e pode chegar a 130,7 bilhões de dólares (120 bilhões de euros) em 2023. Mas “a lucratividade do setor de pesticidas atualmente seria impossível sem o apoio público e a carga coletiva de impactos negativos”, estima o Atlas. Avalia que na França, em 2017, os lucros da indústria de agrotóxicos atingiram os 200 milhões de euros, mas que as despesas que geraram (despoluição das águas, tratamento das doenças que provocam, etc.) custaram 372 milhões de euros. Ou seja, praticamente o dobro.
“Na Europa, as análises mostraram que de 317 solos agrícolas testados, mais de 80% continham resíduos de pesticidas”, lembra o Atlas dos Pesticidas. O solo está contaminado e a água também. Também na União Europeia, “segundo um estudo da Agência Europeia do Ambiente (EEA), até um terço das estações europeias de monitoramento das águas superficiais apresentaram níveis de pesticidas superiores aos limiares nacionais entre 2013 e 2019”, acrescenta o Atlas. No ar, pesticidas foram encontrados a mais de 1.000 quilômetros de onde foram aplicados.
Os pesticidas estão em todas as partes. Atlas des Pesticides
As mulheres, menos alfabetizadas no mundo, portanto menos capazes de ler rótulos e instruções de aplicação, são mais vulneráveis aos agrotóxicos, destaca o Atlas. Ele dá dois exemplos. No Nepal, 53% dos agricultores leem e entendem os rótulos, em comparação com 25% das agricultoras. Em Gana, 65% dos agricultores conhecem os pesticidas proibidos, em comparação com 5% das agricultoras.
Ao nível da saúde, “o seu corpo é constituído por tecidos mais sensíveis aos hormônios” e, portanto, aos pesticidas desreguladores endócrinos. No entanto, as mulheres são parte da solução. “Nas zonas rurais dos países do Sul, (…) elas assumiram a luta contra os agrotóxicos”, indica o Atlas.
Conhecemos a solução para acabar com os agrotóxicos, mesmo que não seja simples. “É todo o sistema agrícola e alimentar que precisa ser mudado”, explica Mathilde Boitias, diretora da La Fabrique Écologique e coordenadora do Atlas. A agricultura orgânica é a única que garante a não utilização de agrotóxicos sintéticos. A União Europeia gostaria de triplicar o número de fazendas orgânicas até 2030. Isso custaria “1,85 bilhão de euros por ano, menos do que os custos sociais ligados aos pesticidas”, sublinha o Atlas.
A França é o país da União Europeia com maior área de plantação de orgânicos, à frente da Espanha e da Itália. 20% dos vinhedos, que consomem muitos pesticidas, são orgânicos. Mas se quisermos encorajar esta dinâmica “devemos colocar os meios”, insiste Géraud Guibert.
Na Europa, as populações de pássaros e borboletas, por exemplo, diminuíram mais de 30% desde 1990. Atlas des Pesticides
As últimas decisões do governo francês questionam sua capacidade de apoiar essa aspiração da sociedade de abandonar os pesticidas. A ajuda destinada pelo governo à agricultura orgânica em crise é insuficiente dependendo do setor. E o sucesso do orgânico provocou uma reação dos defensores da agroindústria. Um projeto de lei debatido no Senado no dia 16 de maio quer, em particular, colocar nas mãos do ministro da Agricultura uma série de poderes sobre a autorização ou retirada de agrotóxicos (atualmente sob a responsabilidade da ANSES, a Segurança Nacional da Saúde). “Seria um retrocesso terrível”, adverte Nadine Lauvergeat, delegada geral da organização Générations Futures.
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Agrotóxicos: um “Atlas” global expõe o desastre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU