13 Setembro 2022
É tanto veneno que resíduos de agrotóxicos são encontrados da bolacha água e sal até a água que sai da torneira de um terço dos municípios, escrevem Juliana Acosta Santorum, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida e Karen Friedrich, toxicologista, servidora da Fiocruz e da UNI-Rio, em artigo publicado por Associação Brasileira de Saúde Coletiva - ABRASCO, 12-09-2022.
Foto: Emater
Há anos o Brasil está entre os maiores consumidores de agrotóxicos no mundo. Durante o Governo Bolsonaro, batemos recordes de liberações comerciais desses produtos. De 2019 a 2022 houve registro de 1.774 agrotóxicos, um montante que supera a soma dos 1.704 produtos registrados entre 2003 e 2015.
É tanto veneno que resíduos de agrotóxicos são encontrados da bolacha água e sal até a água que sai da torneira de um terço dos municípios. Não há dados atualizados de resíduos em alimentos in natura, pois na atual gestão federal, o Programa de Avaliação de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos da ANVISA ficou parado. No entanto, pelos dados do Ministério da Saúde, podemos afirmar que entre 2010-2020, 1.987 pessoas perderam suas vidas por intoxicação aguda de agrotóxicos. Uma informação subestimada e que não inclui as vítimas de exposição crônica.
Como tudo pode piorar, em fevereiro foi aprovado projeto de lei pela Câmara dos Deputados que revoga a atual legislação e institui um novo marco regulatório. Trata-se do PL 1459/2022, também conhecido como Pacote do veneno, ainda mais permissivo sem dispositivos de proteção para a saúde, negligenciando o princípio da precaução.
Mudanças aparentemente simples, como a alteração do termo agrotóxico para pesticida, permitem o registro de produtos com maior potencial de causar câncer, doenças hormonais e malformações fetais. O PL dá permissão para que produtos destinados exclusivamente à exportação possam ser fabricados sem informações sobre perfil tóxico e abre brechas para situações de insegurança jurídica, ferindo tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Produtos obsoletos e/ou negados em outros países passam a ter no Brasil refúgio e sobrevida, o que expõe a falácia de que o PL garante a “modernização do setor”.
Em março, o senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal, se comprometeu em levar as matérias de impacto socioambiental para debate nas comissões de competência. Contudo, a pressão do lado oposto deve ter sido maior. No mês do meio ambiente, o PL 1459/2022 foi encaminhado para debate apenas na Comissão de Agricultura (CRA), em 22 de junho.
No mesmo dia 22, a Comunidade Europeia anunciou novas regras para reduzir o uso e o risco dos agrotóxicos, incluindo o incentivo a práticas que não priorizem o uso de substâncias químicas e o Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU se dirigiu ao Senado brasileiro pela rejeição do PL 1459/2022. A recomendação é que o Brasil alinhe sua estrutura regulatória aos padrões da OCDE, principalmente por estar disputando uma vaga entre os países-membros.
Enquanto mais de 33 milhões de brasileiras e brasileiros vivem em insegurança alimentar e a fome volta a assombrar, o Congresso Nacional considera flexibilizar o uso de agrotóxicos. Os mercados internacionais já vêm sinalizando que a sobrevivência do agronegócio brasileiro depende de ações concretas voltadas à preservação da saúde humana e do meio ambiente. Mas no meio do caminho há um pacote de veneno.
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Mais agrotóxicos no país que voltou a passar fome - Instituto Humanitas Unisinos - IHU