10 Abril 2023
"Aqueles que criticam Francisco porque desceu do régio pedestal e começou a andar pelo mundo usando sapatos gastos, mais adequados a um pároco do interior do que a um pontífice soberano, deveriam refletir sobre o grande valor que tem para a sua religião a visão de um Papa que não se limita a pronunciar alguma fórmula imerso em uma nuvem de incenso e, ao contrário, mostra, na sua carne, o valor do sofrimento", escreve Corrado Augias, jornalista, escritor italiano e ex-deputado do Parlamento Europeu, em artigo publicado por La Repubblica, 08-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
O que significa para a Igreja Católica um Papa que preside com sofrimento os ritos da Sexta-feira Pascal? Um Papa forçado à quase imobilidade, recém-saído de uma hospitalização desgastante, empenhado em uma liturgia complexa, certamente cansativa, exigente também do ponto de vista emocional para um homem de fé. Participou da celebração da Paixão em São Pedro, acompanhou a Via Sacra de Santa Marta.
Nada é mais distante de Francisco do que o vigor atlético de Karol Wojtyla ou da solenidade hierática do Papa Pacelli que avançava impassível na cadeira gestatória escoltado por guardas nobres em trajes suntuosos. Francisco tornou-se humilde, escolheu esse nome porque o papado se aproximasse o máximo possível dos sofredores como ele é hoje. Isso é exatamente o que é censurado a ele por aqueles que temem que o arquivamento dos símbolos da realeza pontifícia acarrete o perigo de, juntamente com os símbolos, a religião inteira desapareça.
Jesus subiu ao Gólgota cambaleando sob o peso da cruz.
A flagelação prevista pelo procedimento penal romano (se é legítimo defini-la assim) já o tinha parcialmente sangrado. A flagelação romana não significava algumas chicotadas. As cordas presas a um cabo curto de madeira terminavam com uma bola de chumbo, farpas afiadas de metal, ganchos. Cada golpe abria feridas profundas até os ossos. O sofrimento, antes mesmo da cruz, era terrível. O Papa Francisco, dobrado por seus mal-estares, dá um passo em direção daquele sofrimento, certamente o simboliza. Em sua obstinada vontade de presidir os ritos de sexta-feira de Páscoa pode-se ver a busca de uma proximidade na dor com o homem da cruz.
Aqueles que o acusam de dar pouca atenção à doutrina e à teologia encontram aqui uma aplicação prática de uma e de outra, um testemunho confiado a uma mensagem física direta. A novidade do cristianismo que Paulo de Tarso trouxe para o mundo grego, e depois para Roma, consistia precisamente em afirmar a passagem terrena de um ser que era ao mesmo tempo homem e Deus, derrotado mas vitorioso, morto mas que voltou a viver. A grande utopia cristã está quase toda aqui, nenhuma religião até àquele momento jamais havia ousado afirmar tal paradoxo. Foi justamente Paulo, um homem de incansável energia física e mental, que propagou a ideia de ressurreição no mundo então conhecido.
Na primeira carta aos Coríntios escreve: “Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns dentre vós que não há ressurreição de mortos? E, se não há ressurreição de mortos, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé".
Somente um judeu que compartilhe a ideia de ressurreição dos corpos pode aceitar a possibilidade de que Jesus tenha ressuscitado. Os fariseus como Paulo realmente acreditavam, ao contrário dos saduceus, na ressurreição. Jesus que sai do sepulcro depois de três dias era uma possibilidade prevista por sua doutrina.
Não sei quantos cristãos realmente continuam a acreditar na possibilidade final da ressurreição quando Jesus descerá em glória das nuvens para proclamar o Reino. Poucos ou muitos encontram na celebração da Páscoa a alusão mais próxima a essa meta de esperança. No entanto, existe uma interpretação do mistério pascal diferente daquela da ressurreição física do corpo martirizado de um condenado.
Os gnósticos argumentavam que se deve falar de ressurreição espiritual, da possibilidade dada a quem aceitou a mensagem de Jesus de encontrá-lo ao lado no momento de medo ou da dor. Essa interpretação é linda, mais próxima de suas palavras.
Aqueles que criticam Francisco porque desceu do régio pedestal e começou a andar pelo mundo usando sapatos gastos, mais adequados a um pároco do interior do que a um pontífice soberano, deveriam refletir sobre o grande valor que tem para a sua religião a visão de um Papa que não se limita a pronunciar alguma fórmula imerso em uma nuvem de incenso e, ao contrário, mostra, na sua carne, o valor do sofrimento.
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O sofrimento de Francisco. Artigo de Corrado Augias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU