Por: Patricia Fachin e Ricardo Machado | 25 Julho 2018
O cenário eleitoral deste ano demonstra que “ingressamos no mundo da política de ciclo curto, ou seja, com exceção de Lula, nós não temos, no Brasil, mais nenhum político de grande durabilidade”, afirma o cientista político Rudá Ricci, na segunda da parte da entrevista concedida à IHU On-Line pessoalmente no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, no Campus Unisinos Porto Alegre. A “política de ciclo curto”, avalia, é consequência das redes sociais, de Junho de 2013, e do “desmonte do Estado brasileiro feito por Temer, mas que de alguma maneira começou com a política de Dilma em 2015”.
Diante dessa conjuntura, frisa, os “eleitores se perguntam: será que acreditei errado? Na hora em que estavam fortes, fizeram o que os outros fazem? É isso o que fica, em parte, para o eleitorado lulista. Existe essa desilusão com a política que faz com que o político de momento seja o mais populista. Na verdade, é um tipo de populista que se chama demagogo, que diz: ‘sou como você, não sou político profissional’. Com isso, ele ganha a eleição e entra na roda do jogo do parlamento e é destroçado em dois ou três anos. Estamos vendo a política de ciclo curto contaminando a política nacional; isso é o mais importante”.
A possível candidatura de Bolsonaro, menciona, é um fenômeno desse ciclo curto da política. “O primeiro fator que explica essa aceitação é que ele entra nessa faixa do não político, da desilusão e do ressentimento com a política; essa é uma faixa pequena. Mas ele tem outra faixa, que também é pequena, mas na soma vai criando essa multidão, que é a extrema direita. (...) A extrema direita e certa fatia da direita votou no PSDB contra o PT nos últimos 10 anos, mas na medida em que surge um candidato de extrema direita, eles conseguem se identificar e é por isso que o PSDB tem uma maior desidratação com a figura de Bolsonaro. Portanto, Bolsonaro passa a ganhar uma parte desse eleitorado que é do PSDB. Se o PSDB sempre teve algo próximo do eleitorado de Bolsonaro — e hoje está em 8% —, eles devem ter perdido entre 8% e 10% do eleitorado, ou seja, metade do eleitorado que eles tinham foi para Bolsonaro; isso não é pouco. O que me faz imaginar que ou o PSDB vai fazer um acordo com Bolsonaro ou vão atacá-lo violentamente a partir de julho ou agosto”, pondera.
De outro lado, a esquerda “está totalmente fragmentada e o único nome incontestável é Lula. O que temos de notícia é que possivelmente eles irão antecipar a convenção do PT para formatar a chapa — inclusive essa é a decisão de Ciro Gomes também. Isso dá uma luz, porque o vice possivelmente será o sucessor da candidatura de Lula, caso ele seja impedido”, informa.
No centro, lembra, “Ciro se projeta como se fosse realmente o único capaz no embate contra Bolsonaro, mas o problema é que ele não passa de 8% das intenções de voto”. Segundo Ricci, “se Lula não participar das eleições, essa será uma campanha de nanicos, e em campanhas de nanicos basta um cara dar um pulo um pouco maior, que ficará maior do que os outros e poderá vencer. Pode dar Bolsonaro, assim como ele pode ser destroçado pelo PSDB. Mas eles também podem fazer um acordo de final de campanha para tentar ter espaço, porque Bolsonaro tem eleitorado, mas não tem política nem governabilidade. Estamos num momento muito difícil e o grande problema é a população brasileira: ela não se apaixona por ninguém; está absolutamente individualista e quase sempre tende a falar que não vai votar em ninguém e vai para o voto branco e nulo”.
Na entrevista a seguir, Ricci também comenta a gestão do governo Fernando Pimentel em Minas Gerais e o cenário eleitoral deste ano.
Rudá Ricci em entrevista no Campus da Unisinos,
em Porto Alegre | Foto: Ricardo Machado - IHU
Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp, 1999), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica, 2007), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto, 2010) e coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp, 2004), entre outros.
A 1a. parte da entrevista, publicada no dia 24 de julho de 2018, pode ser acessada clicando aqui.
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Na entrevista que nos concedeu sobre o cenário eleitoral, no final do ano passado, avaliava que as eleições seriam fragmentadas pela esquerda se Lula não fosse candidato do PT, e também seriam fragmentadas pela direita com as candidaturas de Bolsonaro e Alckmin. Como analisa o cenário eleitoral hoje, mais próximo do anúncio das candidaturas?
Rudá Ricci — Só em agosto vamos ter certeza de como será o cenário, mas, de qualquer maneira, diria que os nomes talvez tenham se alterado, mas a fragmentação continua. Então, temos, de um lado, a direita fragmentada e abaixo de 8% das intenções de voto. Tem um único nome pela extrema direita, que é o de Bolsonaro, que é um nome folclórico, com 16 a 18% das intenções de voto. No entanto, uma pesquisa recente diz que já caiu o percentual de intenção de voto nesse candidato. Mas se Bolsonaro perder intenções de voto, irá radicalizar o discurso e a disputa com ele ficará mais fácil. Esse é um cenário de muita divisão: [Geraldo] Alckmin está brigando com [João] Doria, e candidatos da direita estão caindo fora, inclusive para o Senado, como é o caso de [José Luiz] Datena. Além disso há uma sucessão de nomes que não vingam.
De outro lado, a esquerda está totalmente fragmentada e o único nome incontestável é Lula. O que temos de notícia é que possivelmente eles irão antecipar a convenção do PT para formatar a chapa – inclusive essa é a decisão de Ciro Gomes também. Isso dá uma luz, porque o vice possivelmente será o sucessor da candidatura de Lula, caso ele seja impedido. Lembrando que 17 de setembro é a data limite para o partido mudar os nomes da chapa que será registrada em 15 de agosto. O tempo está cada vez mais curto, mas ao lançar a chapa, o PT começa a popularizar o vice e vai dizer que não existe plano B, apenas plano A, no qual o plano B está embutido. Essa é uma vantagem. Mas fora o Lula, a esquerda está fragmentada.
Tem um candidato de centro, que é o Ciro, que está tentando trabalhar os dois lados. Mas qual é o problema disso? Ciro se projeta como se fosse realmente o único capaz no embate contra Bolsonaro, mas o problema é que ele não passa de 8% das intenções de voto. Projetar a eleição sem Lula é complicado em termos de pesquisa, porque estamos fazendo projeções sem que se tenha muita clareza do cenário.
Quando se faz uma pesquisa de intenções de voto incluindo o nome de Lula e depois se faz outra na qual se retira o nome dele e se apresenta o de outro candidato, isso não significa que a pessoa dará voto àquele candidato alternativo, porque ela está escolhendo entre os nomes que constam na pesquisa. Tecnicamente esse tipo de pesquisa não é muito precisa. Nós que somos da área sabemos que esse tipo de pesquisa tem mais marketing do que rigor técnico, tanto que, sem a candidatura de Lula, aumenta o índice de votos nulos e brancos. Então, falar que Ciro, sem o Lula, sobe nas intenções de voto, não está muito claro.
Ciro já se articulou com vários partidos mais do campo de direita e já se articulou com as Forças Armadas. Isso já demonstra a dificuldade de ampliar a candidatura dele pela esquerda. A coordenação da campanha dele tem muita preocupação com o PT, o que é correto. Ele deveria ter atraído o PT, mas não atraiu e por isso acredito que ele tenha uma dificuldade imensa de realmente se projetar. Mas, de qualquer maneira, agosto será o momento em que teremos certeza do cenário. Se Lula não participar das eleições, essa será uma campanha de nanicos, e em campanhas de nanicos basta um cara dar um pulo um pouco maior, que ficará maior do que os outros e poderá vencer.
Pode dar Bolsonaro, assim como ele pode ser destroçado pelo PSDB. Mas eles também podem fazer um acordo de final de campanha para tentar ter espaço, porque Bolsonaro tem eleitorado, mas não tem política nem governabilidade. Estamos num momento muito difícil e o grande problema é a população brasileira: ela não se apaixona por ninguém; está absolutamente individualista e quase sempre tende a falar que não vai votar em ninguém e vai para o voto branco e nulo.
O que o cenário sem Lula mostra é que devemos chegar aos mesmos índices de abstenção ou não voto que os Estados Unidos, onde 50% do eleitorado não vai às urnas, que é o mesmo da Suíça. Em países que não têm voto obrigatório, em grande parte, cerca de 50% da população vota. Mas isso tudo vai depender, sem dúvida nenhuma, de Lula. Se ele indicar alguém e se eles anteciparem a montagem da chapa, acredito que será uma política inteligente que talvez mude esse cenário daqui por diante.
IHU On-Line — Como o senhor compreende a aceitação de uma parcela da população à candidatura de Bolsonaro? O que explica isso?
Rudá Ricci — Bolsonaro é folclórico. Por incrível que pareça, para a grande maioria da população, ele não tem existência política, é um quase não político e trabalha com esse não político, mas ele tem filhos na política, tem história na política, mas fala que é militar. O primeiro fator que explica essa aceitação é que ele entra nessa faixa do não político, da desilusão e do ressentimento com a política; essa é uma faixa pequena. Ele tem outra faixa, que também é pequena, mas na soma vai criando essa multidão, que é a extrema direita. Lembrando a diferença entre direita e extrema direita: a extrema direita discursa e usa a violência, enquanto a direita não, mas tem uma visão elitista, individualista, mas trabalha dentro do campo democrático. A extrema direita e certa fatia da direita votou no PSDB contra o PT nos últimos 10 anos, mas na medida em que surge um candidato de extrema direita, eles conseguem se identificar e é por isso que o PSDB tem uma maior desidratação com a figura do Bolsonaro. Portanto, Bolsonaro passa a ganhar uma parte desse eleitorado que é do PSDB. Se o PSDB sempre teve algo próximo do eleitorado de Bolsonaro — e hoje está em 8% —, eles devem ter perdido entre 8% e 10% do eleitorado, ou seja, metade do eleitorado que eles tinham foi para Bolsonaro; isso não é pouco. O que me faz imaginar que ou o PSDB vai fazer um acordo com Bolsonaro ou vão atacá-lo violentamente a partir de julho ou agosto.
IHU On-Line — O PSDB fará a mesma coisa que o PT fez com a Marina?
Rudá Ricci — Sim. É a desconstrução do nome. E é por isso que o PT está um pouco quieto nesse sentido, porque está querendo que o jogo sujo seja feito pelo PSDB e aí ele entra com calma nessa história. Já a estratégia de Ciro Gomes é não deixar Alckmin crescer e por isso enfrentará Bolsonaro. Porém, o eleitorado de Bolsonaro, ao contrário do que acontecia com o PSDB, nunca votou em Ciro e o considera um cara de esquerda. Então, é uma estratégia que, no fundo, pode pegar alguém de esquerda, mas não vai desidratar Bolsonaro.
Bolsonaro tem essas duas fatias que mencionei anteriormente e tem ainda uma fatia muito grande do deboche, que é a fatia do não eleitor, que é um eleitor descompromissado, fluido. A pesquisa da professora Esther Solano mostra isso. Claro que a pesquisa é um estudo de caso de uma escola, numa rede e numa cidade do Brasil, mas é muito interessante ver que os jovens dizem que Bolsonaro é debochado, mas que ele não falará contra as mulheres, porque na verdade ele está contra a vitimização das meninas feministas. Trata-se de um pessoal que tem um discurso jovem meio agressivo e debochado, que é mais contra o establishment do que a favor de Bolsonaro.
Diria que o bloco mais afinado com Bolsonaro é o da extrema direita mesmo, pois estes sabem que o Bolsonaro vai estar na mão deles, pois ele sozinho não faz coisa nenhuma; ele nem entende de economia. Parte dos empresários está tentando ganhar Bolsonaro com dinheiro para puxá-lo para uma política liberal, porque a chance de ele ganhar é real hoje. O empresariado brasileiro sempre agiu dessa forma e por isso sempre deu dinheiro para os dois candidatos que estavam na frente. Hoje vemos isso com a Lava Jato.
Mas Bolsonaro tem dois grandes problemas que, se não fossem problemas, teríamos mais facilidade de degelar a candidatura dele: ele não tem aceitação no Nordeste nem com o público feminino. Aí estão os problemas dele. Ele vai trabalhar com a juventude — 60% dos possíveis eleitores são jovens até 35 anos e 40% até 25 — e, como eu disse, os jovens só viram o governo do PT e agora o do Temer.
IHU On-Line — O debate eleitoral tem se pautado mais pelo signo da rejeição? Quais são as implicações políticas desse modo de perceber a política?
Rudá Ricci — São vários. O primeiro é que ingressamos no mundo da política de ciclo curto, ou seja, com exceção de Lula nós não temos, no Brasil, mais nenhum político de grande durabilidade. Isso tem a ver com as redes sociais, com 2013, com o desmonte do Estado brasileiro feito por Temer, mas que de alguma maneira começou com a política de Dilma em 2015. Esses eleitores se perguntam: será que acreditei errado? Na hora em que estavam fortes, fizeram o que os outros fazem? É isso o que fica, em parte, para o eleitorado lulista. Existe essa desilusão com a política que faz com que o político de momento seja o mais populista. Na verdade, é um tipo de populista que se chama demagogo, que diz: “sou como você, não sou político profissional”. Com isso, ele ganha a eleição e entra na roda do jogo do parlamento e é destroçado em dois ou três anos. Estamos vendo a política de ciclo curto contaminando a política nacional; isso é o mais importante.
Segundo, como a sociedade é muito fragmentada, se discute mais o método do que o nome. Com isso quero dizer que, de um lado, é o populista do momento, mas que vive dois ou três anos e depois some, como Doria, Fernando Pimentel e ACM Neto. São pouquíssimos os que conseguem durar duas eleições. Marchezan (prefeito de Porto Alegre - PSDB) é uma coisa impressionante, não conseguimos ver ninguém falando bem dele aqui.
Isso está generalizado no país inteiro: não conseguimos ver ninguém, nem em Brasília, nem no Rio de Janeiro. Temos uma crise do sistema da democracia representativa no mundo inteiro. Isto é, estamos vivendo uma cultura antissistêmica. Então, não é verdade que a esquerda está dando lugar para a direita, como alguns apressados dizem. O que acontece é que o governo de plantão perde para a força contrária. Além disso, em Portugal a esquerda está voltando, na Espanha também, mas em outros países, como na Itália, estão agindo as forças contrárias. O governo que está de plantão começa a ser corroído por essa cultura antissistêmica. É nisso que acredito que estamos entrando; será um turbilhão daqui para frente. Em 2019 teremos uma crise muito mais pesada do que vimos até agora, porque ela agrupará todas as crises.
IHU On-Line — Independentemente de quem seja o novo presidente?
Rudá Ricci — Sinceramente dá dó, antecipadamente, do próximo presidente, quem quer que seja. Não teremos mudanças no Congresso do ponto de vista ideológico: deve ter uma composição muito parecida do ponto de vista da representação de classe e de bancada. Acredito que teremos um presidente que estará totalmente dominado, de novo, pelo Congresso, e terá que fazer negociações. Além de uma economia destruída, um Estado deplorável e com uma sociedade muito desanimada, se houver mesmo o não voto próximo a 50%. Quem investirá em um país desses?
IHU On-Line — O que significa a declaração de apoio de Tarso Genro à candidatura de Guilherme Boulos?
Rudá Ricci — Eu ia fugir um pouco dessa questão quando perguntaram sobre a fragmentação... Tarso Genro já vinha falando em “petit comité”. O acordo era que a próxima presidência do PT — nem se falava em Gleisi Hoffmann — seria alguém da Mensagem ao Partido; esse era o acordo que Lula estava fazendo com Tarso. Lula dizia que Tarso não poderia ser esse nome porque havia muita divergência interna. Discutiu-se o nome de [Fernando] Haddad e de Paulo Teixeira, mas Lula não foi nem para um, nem para o outro. A avaliação era a de que esses nomes poderiam amenizar a situação, mas já se sabe há mais de um ano que se o candidato não for Lula, não tem candidato do PT que consiga unidade interna.
Acredito que o PT chegou ao limite, assim como essa política social-liberal do PT e o “jeitinho brasileiro” chegaram ao limite. Ou ele pode se arriscar e virar de novo um partido de esquerda hegemônico e atrair, inclusive, o PSOL para si. Aliás, é algo que o PT do Rio de Janeiro já está fazendo com a candidatura de Marcia Tiburi para o governo do estado, o que é muito inteligente: ela vem do PSOL, é uma feminista e se candidatará justamente em um estado onde as pautas identitárias são tão fortes. Ou o PT vira uma espécie de MDB à esquerda, ou um Partido Revolucionário Institucional - PRI mexicano, ou ele terá que fazer uma reconversão como o Partido Socialista de Portugal fez ao se juntar com o bloco de esquerda. Ou o PT faz esse caminho — e não é à toa que Tarso está falando que o PT precisa “montar a geringonça”, como se diz em Portugal —, ou vai se tornar de vez um partido social-liberal tradicional, como o Partido Trabalhista inglês — para ficar na analogia — em que as pessoas votam no passado, mas não no presente do partido. Por isso, acredito que o partido está numa encruzilhada, e o Tarso acelerou essa decisão e é por isso que o partido terá que antecipar a chapa.
IHU On-Line — Uma possível união à esquerda não geraria uma disputa de vaidades?
Rudá Ricci — Política é sempre um jogo de vaidades, mas não só. Ainda mais no presidencialismo. Porém, o jogo é mais inteligente quando é pensado como um jogo de xadrez: o jogador mexe algumas peças sem saber onde o outro irá jogar, e esse tipo de previsão, de ginga, é que faz o jogo da política ser tão sofisticado. Ultimamente destruímos isso no Brasil, e a política de Bolsonaro e de Alckmin, cá entre nós, não é muito inteligente. Até Ciro Gomes — falo isso para a equipe dele — parece que faz campanha para reitor, porque é acadêmico, não vai a nenhum lugar que tem povo, não fala a linguagem do povo, não apaixona, fica brigando com todo mundo que é de cúpula. Isso é um candidato a reitor, não um candidato da política nacional. Nós rebaixamos muito esse jogo. Talvez Tarso esteja tentando manejar um “bispo” para ver o que ele consegue colher do outro lado.
IHU On-Line — Qual sua avaliação da gestão do governo Pimentel em Minas Gerais em contraposição às gestões anteriores? Muitos avaliam que o governo dele passa por um caos financeiro, tem sérios problemas na área da saúde e além disso ele se tornou réu acusado de corrupção passiva em caso envolvendo a Odebrecht e até pediram seu impeachment.
Rudá Ricci — [Max] Weber nos ensinou que a legitimidade de uma liderança se mantém com a origem dela. Ou seja, se a origem é um tradicionalismo e um conservadorismo, não adianta pedir para ele que seja racional e técnico, porque se fizermos a crítica de que ele é técnico, foi isso que o elegeu, e essa crítica não o abala nem abala seu eleitorado, pois o eleitorado votou porque é conservador, tradicional.
Qual é o problema de Fernando Pimentel? É que ele fez duas promessas: primeiro, que ele é um técnico e não um político — essa é a imagem que construiu —, então é uma pessoa muito preparada tecnicamente; em segundo lugar, fez promessas de campanha que necessitavam de muito dinheiro, por exemplo, que iria recompor a rede hospitalar estadual em um estado que tem 850 municípios. Além disso, prometeu que iria recompor os nove mil efetivos, que é o déficit de policiais do estado, que iria fazer uma gestão descentralizada, criando núcleos de planejamento regional ao longo do estado etc. Logo que ele venceu, os jornais de Minas Gerais me perguntaram qual era a vantagem e a desvantagem da eleição dele. A grande desvantagem dele é que não terá dinheiro e logo em seguida não terá como governar; isso era óbvio. Mas, como é que ele jogava? Jogava com Dilma Rousseff, mas logo depois da eleição, ela caiu. A situação dele, já no final do primeiro ano, era muito complicada.
O que ele fez no primeiro ano? Fez o jogo da política: tinha um secretário de governo muito habilidoso, que começou a fazer um jogo nítido com a imprensa. No primeiro ano, o secretário dele dizia que não teria dinheiro para pagar o funcionalismo, mas o governo pagava na semana seguinte dizendo que a imprensa tinha entendido errado. Portanto, ele criou uma série de fatos políticos que desviaram a atenção para a pauta que tinha prometido. Imagino que tenha feito isso porque pretendia fazer alguma manobra para tentar, no segundo ano, realizar alguma coisa. Ele também fez uma auditoria do governo [Antonio] Anastasia, e todo mundo estava esperando o que ele iria descobrir. Ele soltou pequenas pílulas sobre o que estava acontecendo, nada muito grave, mas acalmou a Assembleia Legislativa. Em seguida, o vice dele do PMDB foi para o bloco do Aécio, fazendo uma jogada para ser candidato a governador ou tentar ser senador. O que Fernando Pimentel fez? Habilmente, por meio do líder da Assembleia Legislativa, o deputado Durval Ângelo, ele se articulou com Adalclever Ribeiro Lopes, um peemedebista, para ser presidente da Assembleia Legislativa, e isso rachou o PMDB de Minas.
Mas o problema é o PMDB, porque na medida em que se tem o PMDB como principal aliado e como presidente da Assembleia Legislativa, se depende da Assembleia para viver. Adalclever sabia da força que tinha e depois fez a chantagem do impeachment de Pimentel, porque ele quer ser senador, mas com Dilma em primeiro lugar nas pesquisas, ele sabe que estaria fora do Senado. Foi este o jogo que o Adalclever fez: colocou o impeachment na pauta para forçar uma negociação duríssima com Fernando Pimentel. Então, vemos que é uma situação muito instável politicamente.
Com a queda de Dilma Rousseff, Temer, de fato, impõe um acordo, um ajuste que excluiria o orçamento de Pimentel. O problema é que ele “confiou no taco” e não deu certo. Ele foi perdendo o orçamento rapidamente, entrando em crise e planejou de forma errada a política do penúltimo ano. Então, se chega ao ano da eleição e se começa a cortar os repasses para os prefeitos, que são os cabos eleitorais do governador, e se corta também o dinheiro dos professores. Acontece que Minas Gerais tem uma máxima que diz que o governador que tem uma greve dos professores perto das eleições, não se reelege nunca mais. Aconteceu mesmo isso com Eduardo Azeredo (PSDB) e aconteceu com Anastasia, que saiu destroçado, e está acontecendo agora com Fernando Pimentel. Esse é um problema gravíssimo.
O segundo problema é que o governo dele não foi inovador. Ele poderia ter criado algum tipo de política pública que segurasse um pouco a imagem dele. Fernando Pimentel não tem imagem de nada, ninguém sabe o que ele fez. O problema orçamentário piora na medida em que foi um governo que não criou nenhuma mudança, não foi inovador, não fez nenhuma política arrojada em nada, em nenhum setor. Se fala em melhora na segurança pública, mas não houve. Esse foi um governo muito fechado no gabinete, e agora se tem uma confusão no estado.
IHU On-Line – Diante desse cenário, qual é a perspectiva para as próximas eleições?
Rudá Ricci - Em relação às próximas eleições, diria que 40% dos mineiros votam em Lula de qualquer jeito, mas o estado está dividido: o Sul de Minas — encostado em São Paulo e que tem muitos municípios — e a capital são influenciados por São Paulo e votam contra o PT, mas do Sul para cima se vota na esquerda ou no PT. Então, das 13 regiões administrativas de Minas, cinco votam com a esquerda, três com a direita e o resto é disputado. Se Aécio for candidato ao Senado, ele se elege, mas a imagem do Aécio destrói a do Anastasia. Então, o maior cabo eleitoral de Fernando Pimentel é Aécio Neves. Há uma frase em Minas, dita em todos os partidos de esquerda, que Fernando Pimentel é o mais tucano dos petistas. Isso dá uma ideia de como ele é visto.
Se Aécio sair, Pimentel deve se reeleger com muita dificuldade, porque o funcionalismo não gosta nem do Pimentel nem do Anastasia, mas, entre os dois, prefere Pimentel como oposição. E possivelmente se elegem Aécio e Dilma para o Senado. Olha a situação em que ficou o estado. Esse é um dos poucos estados do Brasil em que ainda continua a polarização PT-PSDB.
IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?
Rudá Ricci — Acabo de escrever um livro, que está no prelo, sobre os oito anos do governo Aécio. Meu objetivo como cientista político não era estudar o Aécio, mas sim a sua engenharia de governo, e para isso eu e minha equipe escolhemos dois grandes eixos de análise. Um é o choque de gestão, porque esse foi o grande mote do governo Aécio. Era um sistema de gestão com um controle muito grande, no qual se ampliou o papel da auditoria interna para um papel de fiscalização de metas a serem atingidas. Era o pessoal do Anastasia quem fazia isso à época. Nós destrinchamos o que era essa tecnologia, que tem sua origem no Reino Unido. Eu queria saber como Aécio geria esse sistema na base política dele. Alguns pesquisadores da equipe fizeram estudos de caso no interior e, entre um tema e outro, nós estudamos todas as eleições a partir dos dados do Tribunal Regional Eleitoral - TRE para governador, prefeito, deputado federal e deputado estadual, para verificar se havia cruzamento de voto.
A primeira questão com que ficamos muito impressionados é que o PSDB é um partido que, obviamente, tem um peso no governo de Aécio, mas em alguns lugares, mais que o PSDB, é o DEM e o PP quem têm peso. Então, o núcleo central do governo dele é PP e DEM. Logo, um eleitorado muito mais à direita, e uma base política — mais do que eleitorado — à direita.
A segunda característica, quando fazemos o estudo de caso, é que Aécio não manda em algumas regiões: quando visitava algumas regiões, ele só passava, falava e ia embora. A estrutura política dele é muito parecida com a Velha República: é um líder regional quem manda no governo dele. Quando cruzamos as informações, percebemos que as políticas vinham de cima, mas nas regiões havia os “caciques locais”: deputados federais, estaduais e às vezes prefeitos reorganizavam as políticas com o pessoal do Aécio. Em muitas localidades foram criados escritórios chamados de “Escritório de Projetos”, que é onde “casavam” o “encontro das águas”. Os projetos que vinham de cima eram alterados, e Aécio não tinha força política nenhuma, é um líder muito frágil. Mas se é assim, por que conseguiu ser governador por oito anos? Por causa de Anastasia, que era muito forte tecnicamente, e porque Lula resolveu se aliar a Aécio para rachar o PSDB com São Paulo. É por isso que o PT e a esquerda não podiam atacar Aécio.
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2019, a crise que agrupará todas as crises. A política do ciclo curto e a cultura antisistêmica. Entrevista especial com Rudá Ricci (2a. parte) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU