21 Setembro 2011
Em apenas seis anos, Bento XVI moldou a Igreja através das suas nomeações de clérigos-chave para os altos cargos de Roma. A inclinação eslava do seu antecessor polonês, entretanto, foi embora, como esta análise revela. Bento XVI não a substituiu por uma tendência alemã – mas sim pela costumeira tendência italiana.
A análise é de Robert Mickens, publicada na revista católica britânica The Tablet, 17-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Igreja Católica, pelo menos em nível universal, está sendo liderada de forma esmagadora por europeus ocidentais (e norte-americanos) que são "romanos" em seus pontos de vista e formação teológicos e eclesiológicos, em vez de pessoas do mundo em desenvolvimento onde a Igreja está crescendo. Essa é a característica mais clara da Cúria Romana que surge a partir de uma análise detalhada da revista The Tablet das nomeações que o Papa Bento XVI fez nos seis anos no cargo.
O papa bávaro deu mais de 76% das posições do mais alto escalão do Vaticano para pessoas a partir do "Velho Continente" e outros 10,2% para os homens da América do Norte. Mesmo que a América Latina seja o lar de cerca da metade de todos os católicos do mundo, o papa ofereceu apenas 5,1% dos cargos do topo da Cúria (cinco postos) para pessoas dessa parte do mundo. Essa é a mesma cota para os africanos. Enquanto isso, ele convidou apenas três asiáticos para trabalhar em Roma.
Mais significativamente, cerca de 90% dos nomeados por Bento XVI realizaram estudos teológicos em Roma e apenas um deles nunca estudou na Europa ou na América do Norte.
A análise da The Tablet examinou as nomeações daqueles que lideram cerca de 50 escritórios de alto nível da Cúria Romana – o aparato administrativo da Santa Sé e o órgão de toda a Igreja – ou daqueles intimamente ligados a ela. Estes incluem a Secretaria de Estado, as congregações (os departamentos mais poderosos com jurisdição para questões como a doutrina, o culto e as nomeações de bispos), os conselhos pontifícios (em sua grande maioria, agências de médio porte com preocupações pastorais) e escritórios do Sínodo, assim como tribunais, escritórios econômicos e administrativos da Cidade do Vaticano, a Biblioteca do Vaticano, diversas comissões pontifícias, as quatro principais basílicas papais, duas ordens equestres "lideradas" tradicionalmente por cardeais, e as três principais academias pontifícias (grupos de trabalho sobre ciência, ciências sociais e vida).
O estudo se concentrou apenas nos escritórios "superiores" – isto é, os três ou quatro principais níveis administrativos que vão desde o presidente ou prefeito até os subsecretários. Dos possíveis 127 cargos de chefia, o atual papa preencheu aproximadamente 99 durante o seu tempo no ofício, ou 80% do total desde que ele se tornou bispo de Roma em abril de 2005. Mais notavelmente, sua equipe escolhida a dedo compreende os altos oficiais da Secretaria de Estado, um escritório liderado pelo cardeal italiano Tarcisio Bertone, SDB, seu assessor de maior confiança.
O papa de 84 anos também nomeou novos prefeitos para oito congregações de um total de nove, e novos presidentes para 11 conselhos pontifícios de um total de 12. As únicas exceções são a Congregação para a Educação Católica, em que o cardeal Zenon Grocholewski está no comando desde 1999, e o Pontifício Conselho para os Leigos, liderados pelo cardeal Stanislaw Rylko, de 66 anos, desde 2003. Esses dois cardeais poloneses e o secretário-geral croata do Sínodo dos Bispos (desde 2004), o arcebispo Nikola Eterovic, são os únicos "chefes de escritório" significativos remanescentes do pontificado de João Paulo II.
Quarenta e sete italianos foram nomeados para cargos administrativos por Bento XVI. Com poucas exceções, há italianos "superiores" em quase todos os escritórios que fazem parte do estudo. Eles figuram de forma especial em diversos departamentos administrativos do Estado da Cidade do Vaticano. Muitos desses escritórios do estudo são, provavelmente, desconhecidos e não muito significativos para muitos católicos.
Mais essenciais, especialmente para os bispos e outras autoridades diocesanas, são as políticas e as decisões que vêm da Secretaria de Estado, das nove congregações, dos 12 conselhos pontifícios e dos três tribunais. Nessa constelação menor de gabinetes, metade dos 22 homens que o Papa Bento indicou para as altas posições vem da Itália, quatro são de outras partes da Europa, três da América do Norte e dois da África e da Ásia. O papa também nomeou cerca de 22 pessoas para os cargos de número dois desses dicastérios; 15 deles são europeus (cinco da Itália), dois da América do Norte, dois da África e dois da Ásia, e um da América Latina.
Internacionalização
Se João Paulo II foi acusado de criar uma "máfia" polonesa ou eslava durante seu longo reinado, a mesma tendência nativa não pode ser afirmada sobre Bento XVI. O papa alemão não nomeou uma única pessoa do seu país natal a um alto cargo da Cúria. E ele nomeou apenas uma pessoa de fala alemã para um cargo desse nível – o cardeal suíço Kurt Koch, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos.
Mas os esforços limitados para ampliar a composição da Cúria Romana, cuja "internacionalização" foi um desejo expresso dos Padres do Concílio Vaticano II, são apenas uma parte da imagem. Tão importante quanto ter uma representação geográfica das Igrejas locais em Roma, também é a necessidade de experiência e competência administrativas, culturais, pastorais e teológicas.
O fato de o Papa Bento ter escolhido a maioria dos seus oficiais dentre aqueles que têm um linhagem romana assegura uma lealdade a um antigo sistema teológica e de governo. Mas isso também tende a reforçar a insularidade e a bloquear outras correntes legítimas de pensamento eclesiológico. Obviamente, as pessoas como o professor Hans Küng são a prova de que alguém pode ter uma "formação romana" e ainda assim ser crítico do sistema romano. No entanto, é extremamente difícil encontrar muitas autoridades da Cúria que sejam abertamente "romanos antirromanos".
A lealdade pessoal também é importante. Como a maioria dos líderes, o Papa Bento teve o cuidado de selecionar pessoas que ele acredita que pode confiar, como a nomeação – contra a opinião de muitos que temiam que ele não tivesse a experiência necessária em assuntos diplomáticos – do cardeal Bertone como secretário de Estado. Ele é apenas uma das várias figuras-chave da Cúria que têm a distinção de ter trabalhado diretamente para o ex-cardeal Joseph Ratzinger quando ele era prefeito (1981-2005) da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF).
Outras dessas figuras incluem o atual prefeito da CDF (o cardeal William Levada dos Estados Unidos), o chefe da Congregação para as Causas dos Santos (o cardeal italiano Angelo Amato, SDB), o secretário da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos (o arcebispo dos EUA Augustine Di Noia, OP), o presidente e subsecretário do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde (o arcebispo polonês Zygmunt Zimowski e o padre italiano Augusto Chendi) e o secretário do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização (o arcebispo colombiano José Octavio Ruiz Arenas).
O Papa Bento escolheu outras altas autoridades do Vaticano entre os membros ou consultores da CDF ou entre aqueles que estavam em uma das várias comissões que ele já havia dirigido. Entre estes estão o prefeito da Congregação para o Culto Divino (o cardeal espanhol Antonio Cañizares), o secretário da Congregação para a Educação Católica (o arcebispo francês Jean-Louis Bruguès, OP) e presidente do escritório para a Nova Evangelização (o arcebispo italiano Rino Fisichella). O cardeal canadense Marc Ouellet, PSS, prefeito da Congregação para os Bispos, foi um colega da revista teológica internacional Communio, que o ex-cardeal Ratzinger cofundou.
A atuação dos bispos
Uma tendência notável é a seleção do Papa Bento XVI de homens com experiência na Igreja para além de Roma – como bispos diocesanos – para dirigir vários escritórios, incluindo a Secretaria de Estado. Os prefeitos de quatro das nove congregações são ex-ordinários diocesanos – os cardeais Ouellet, Levada e Cañizares, juntamente com o arcebispo brasileiro João Braz de Aviz, prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica.
Os presidentes de cinco dos 12 conselhos pontifícios também já dirigiram dioceses – juntamente com o cardeal Koch e o arcebispo Zimowski, estão o cardeal italiano Ennio Antonelli, presidente da Congregação para a Família, o cardeal ganês Peter Turkson, prefeito da Congregação para a Justiça e Paz, e o cardeal da Guiné Robert Sarah, prefeito do Cor Unum, que promove o desenvolvimento humano e cristão. O prefeito da Signatura Apostólica, o cardeal dos EUA Raymond Burke, deve ser incluído nessa lista, assim como o bispo indiano Joseph Kalathiparambil, secretário do Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, o arcebispo Bruguès e o arcebispo Ruiz Arenas.
Educação católica e Concílio
Um dos principais objetivos que o Papa Bento apresentou em seu pontificado é a revitalização da educação católica. Mas ele ainda precisa moldar totalmente a direção da congregação que lida com essa preocupação vital. Sua única alta nomeação nessa congregação foi a do arcebispo Bruguès, de 67 anos. O prefeito e cardeal polonês Grocholewski tem apenas 71 e está em Roma desde a década de 1960. Até agora, o papa tem resistido a toda a tentação de movê-lo ou de mover o seu compatriota, o cardeal Rylko, embora o papa tenha um assessor de confiança no Conselho para os Leigos – o seu ex-secretário privado, o alemão Josef Clemens, de 64 anos, que foi feito bispo-secretário desse dicastério em 2003.
Desde que se tornou papa, Bento XVI criou dois novos departamentos de alto nível – o Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização mencionada acima e uma "autoridade financeira" exigida pela União Europeia para garantir que todos os escritórios do Vaticano cumpram com os padrões financeiros internacionais, especialmente os que dizem respeito às regulações contra a lavagem de dinheiro.
Outro objetivo que o papa alemão tem buscado durante seus seis anos de mandato é oferecer uma interpretação definitiva do Concílio Vaticano II. Um dos principais temas que surgiram a partir do Concílio, que muitos teólogos acreditam que não foi suficientemente desenvolvido e implementado, é a colegialidade episcopal. Sob essa luz, será muito revelador ver o que o papa vai decidir fazer com o Sínodo dos Bispos e quem ele nomeará como seu secretário-geral. Esta poderá estar entre as nomeações iminentes que vão continuar a mostrar para onde Bento XVI pretende conduzir a Igreja.
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Papado de Bento XVI: uma análise da atual configuração da Cúria Romana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU