26 Janeiro 2022
“O que vi é a destruição completa dos ecossistemas. Nada mais vive lá e não viverá nada durante muito tempo”, disse Giuliano Ardito, biólogo peruano especializado em gestão de riscos de desastres ambientais que, durante os últimos dias, trabalhou em algumas das zonas afetadas pelo vazamento de petróleo na costa do Pacífico pela Repsol. “As aves morrem cobertas de petróleo. Outras buscam voar, mas não conseguem e se limpam com o bico, intoxicando-se. O alimento também está contaminado, toda a rede e todas as espécies que dependem desse ambiente estão condenadas”, descreve.
A reportagem é de Alejandro Tena, publicada por Público, 09-02-2021. A tradução é do Cepat.
Após os dez primeiros dias do vazamento acidental, a mancha de petróleo que surgiu da refinaria La Pampilla (Callao) já abrange mais de 7 km de oceano e polui cerca de 2 km de praia, onde no momento se concentram a maior parte dos trabalhos de limpeza. Enquanto conversa com o jornal Público, Ardito relembra o desastre do navio Prestige na costa galega e, desconcertado, faz referência ao longo período de recuperação: “Os efeitos disso que vocês chamavam de chapapote permanecerão presentes durante muito tempo. Não sei quanto tempo todo o ecossistema demorará para se recuperar, mas estamos falando de uma substância que contém metais pesados e que, portanto, tem efeitos mutagênicos”.
O óleo aderido à areia e às rochas não é uma mera alteração estética da paisagem. Retirá-lo completamente é um passo importante, mas a presença do elemento ficará diluída nas profundidades do Pacífico, durante muito tempo, conforme apontam algumas pesquisas científicas realizadas sobre os impactos, a longo prazo, de outros desastres semelhantes, como o da plataforma Deepwater Horizon, na costa do Golfo do México, em 2010.
Dez anos após aquele acidente que deixou o maior derramamento de petróleo já documentado, 55% de algumas das espécies que habitavam a região continuavam sofrendo doenças pulmonares associadas ao contato com o óleo, segundo uma pesquisa da Federação Nacional de Vida Silvestre.
Outra publicação científica da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) estima que os danos ecológicos em grande escala, após o vazamento de petróleo da Exxon Valdez, em 1989, e o vazamento do navio Hebei Spirit, em 2007, podem persistir por pelo menos vinte anos. Os pesquisadores citaram impactos de longo prazo na qualidade dos corais, a contaminação de ostras para consumo humano, a redução da população de golfinhos, tartarugas e aves marinhas, além dos danos nas áreas úmidas da costa.
Essas referências são apenas algumas das já evidenciadas pelos constantes vazamentos provocados por uma economia dependente dos combustíveis fósseis. “Tudo isso tem consequências socioeconômicas importantes”, diz o biólogo peruano, ressaltando que essa ideia de rede ecossistêmica também inclui o ser humano que depende dos valiosos recursos pesqueiros da região, além da atração turística das praias que, cobertas de petróleo, atingem a reta final do verão.
Os danos causados, que cada dia parecem aumentar, deixaram um clima de tensão importante entre o Governo peruano de Pedro Castillo e a multinacional espanhola Repsol, cuja filial opera na refinaria La Pampilla desde 1996. O Executivo, que nesta segunda-feira aprovou a declaração de emergência ambiental, está estudando quais medidas legais pode tomar contra a multinacional e avalia suspender a concessão que a permite trabalhar em uma das maiores refinarias petroquímicas do país latino-americano, segundo apurou o jornal Público.
A questão gira em torno da reação tardia da empresa e os cálculos inadequados a respeito das dimensões do desastre, algo que os especialistas consideram que pode ser fundamental para compreender as dimensões da catástrofe ambiental. Ricardo Giesecke, ex-ministro do Meio Ambiente do Peru, durante o Governo de, classifica os fatos como “vergonha” e afirma que, em seu ponto de vista, “o mais sensato e simples seria suspender a permissão para operações, ao menos até que todas as coisas estejam em seu lugar”.
Em um primeiro momento, foi reportado um vazamento equivalente a 0,16 barris de petróleo, uma capacidade um pouco inferior ao tanque de gasolina de um carro, e se estimava que a mancha de petróleo ocupava cerca de 2,5 metros quadrados. Por fim, o dano é estimado em 6.000 barris que abrangem mais de 4 quilômetros quadrados de mar.
Além disso, a Repsol teve conhecimento do acidente por volta das 17h, do dia 15 de janeiro, mas não comunicou às autoridades até as 22h, cinco horas depois, segundo informou o Departamento de Supervisão Ambiental do Organismo de Avaliação e Fiscalização Ambiental, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente do Peru.
Em uma entrevista ao programa Punto Final, Jaime Fernández-Cuesta, presidente da Repsol Peru, lamentou o ocorrido e defendeu que o acidente provavelmente foi consequência do aumento das ondas provocado pela erupção vulcânica de Tonga. O pequeno tsunami provocou duas mortes no Peru, nas horas prévias ao acidente, e nos meios de comunicação internacionais, como a BBC, o vazamento foi relacionado a ondas anormais.
A tese das ondas parecia uma explicação factível, mas nas últimas horas os meios de comunicação peruanos publicaram algumas informações que desmentem que o tsunami esteja por trás da tragédia. O Organismo Supervisor de Investimentos em Energia e Mineração realizou um primeiro relatório de investigação sobre o vazamento de petróleo sem mencionar, em momento algum, as ondas anormais, embora seja mencionado um movimento brusco do navio que descarregava o petróleo.
Fontes da multinacional espanhola lamentam o ruído midiático e afirmam ao jornal Público que esse relatório não é definitivo, pedindo para que o assunto seja tratado com rigor. Em 2019, a Repsol Peru instalou uma nova monoboia de descarga na refinaria La Pampilla que, conforme a própria empresa anunciava, poderia suportar ondas de até 3,5 metros de altura.
A tensão entre o Governo e a multinacional petrolífera é palpável. A decisão de estudar ações legais e abrir caminho para o fim das licenças que permitem a companhia operar na refinaria costeira ocorre dois dias após a Repsol decidir não se apresentar no Congresso peruano para dar explicações sobre os fatos, algo que causou a ira dos políticos de praticamente todo o campo parlamentar.
As pesquisas do Governo, segundo informam alguns meios de comunicação como La República, apontam a Repsol como a principal culpada pelos fatos. Essas cinco horas de diferença entre a catástrofe e o alerta emitida pela empresa, os cálculos inadequados no momento de identificar a dimensão do vazamento e a dificuldade em relacionar com a erupção de Tonga, a mais de 10.000 km de distância, colocam o foco sobre a petroquímica basca. No entanto, caso finalmente a culpa da Repsol fosse comprovada, as possibilidades de uma firme condenação em escala internacional são poucas.
Pedro Ramiro, doutor em Ciências Químicas e pesquisador do Observatório de Multinacionais na América Latina (OMAL), explica que, nesse caso, “a parte política e a jurídica entram em choque”, pois no papel a Repsol Peru é diferente da Repsol Espanha, a matriz.
“Formalmente, é uma empresa peruana que teria que ser julgada com base na legislação peruana”, explica o especialista, que lembra que só podem ser levados aos tribunais internacionais os crimes contra a humanidade e outros casos graves que não prescrevem no tempo. Isso é algo que algumas organizações sociais, como a Fundação do ex-juiz Baltasar Garzón, estão buscando mudar por meio de uma petição para introduzir a figura do ecocídio dentro da lista de casos que podem ser julgados em cortes internacionais.
Se o direito internacional acaba com a possibilidade de que uma empresa como a Repsol preste contas por supostos crimes ambientais em outros países, as leis nacionais espanholas também não deixam brecha para que o Peru possa apelar aos tribunais europeus. Há casos pontuais no planeta, como a legislação dos Países Baixos, que permitiu julgar a Shell por vazamentos de petróleo na bacia do rio Níger. Pelo OMAL, pedem mudanças que permitam avançar na prestação de contas das multinacionais, além de tratados vinculantes que regulamentem as atividades econômicas em outros países.
A Repsol, neste caso, não é uma empresa qualquer. As atividades da petroleira em território americano representam em boa medida a denominada marca Espanha, pois se trata de um agente econômico importante na indústria nacional e é uma das grandes empresas do setor energético do país.
“A presença das grandes empresas espanholas em território americano não pode ser compreendida sem o apoio do Estado espanhol. Não do Governo, mas do Estado, pois sempre recebem ferramentas para facilitar a sua expansão internacional, seja por meio de garantias, créditos ICO ou créditos da CESCE [Companhia Espanhola de Crédito à Exportação]...”, aponta o pesquisador do OMAL.
“O que não faz sentido é que haja uma grande aliança de colaboração público-privada para oferecer apoio a essas empresas, mas quando há problemas porque suas atividades geram impactos, o Estado lave as mãos”, opina.
No caso da refinaria La Pampilla, o Estado possui certo envolvimento na operação da Repsol. Em 2016, recebeu o apoio da CESCE para a expansão da instalação, cobrindo o risco de crédito de seis bancos para as obras. Em 2017, a CESCE também apoiou outra expansão da refinaria peruana. A CESCE é uma empresa com participação majoritária do Estado que oferece apoio a empresas em processo de internacionalização.
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Repsol, no centro das atenções por um dos maiores desastres ambientais no Peru - Instituto Humanitas Unisinos - IHU