Cena do filme Uma Vida Oculta, de Terrence Malick
"Como crer em Deus depois de Auschwitz? Franz Jägerstätter é a personificação de tantos anônimos que, como nos mostra Malick em Uma Vida Oculta, viveram fielmente uma vida oculta a partir da liberdade cristã da qual nos falou o Papa Francisco na catequese do dia 06-10-2021.
O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.
A pergunta que todos levantamos em inúmeros momentos da vida cotidiana, refeita e reafirmada após a Segunda Guerra Mundial, "Como crer em Deus depois de Auschwitz?", também foi posta, de certo modo, pelo Papa Bento XVI, em 2006, ao rezar diante das lápides durante uma cerimônia em memória às vítimas do nazismo: "Onde estava Deus?"
Fortemente influenciada pela inquietude, marca da espiritualidade agostiniana, a pergunta do papa, que teve em Santo Agostinho seu grande mestre espiritual, nos remete para uma máxima do bispo de Hipona que jamais saiu da minha cabeça desde que a ouvi pela primeira vez em uma aula de filosofia medieval: É necessário crer para compreender e compreender para continuar crendo.
Esse espírito inquieto foi relembrado recentemente pelo cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura no Vaticano, em entrevista ao teólogo Vito Mancuso sobre seu mais recente livro, Biografia di Gesù, Secondo i Vangeli (Biografia de Jesus. Segundo os Evangelhos, em tradução livre), reproduzida na página eletrônica do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Na entrevista, Ravasi explicou sua concepção de fé: "Sou a favor de uma concepção da fé que é substancialmente aquela de Jó: isto é, a dúvida fecunda, a pergunta". Na ocasião, ele comentou sobre uma conversa com o escritor francês Julien Green, convertido ao catolicismo depois da morte da mãe, sobre o segredo que o permitiu manter a fé "durante um século muito crítico como o século XX". A resposta, segundo Ravasi, foi a seguinte: "'Há uma frase no meu Journal que ninguém notou: enquanto estivermos inquietos, podemos ficar tranquilos’. É a inquietude agostiniana. É rezar como um questionamento contínuo ao além e ao outro, para nós, crentes, o Além e o Outro".
Franz Jägerstätter, um fazendeiro austríaco e católico devoto que se recusou a prestar juramento de fidelidade a Hitler e ao Terceiro Reich por convicção interior e liberdade de consciência, declarado mártir e beatificado por Bento XVI em 2007, personagem central do filme Uma Vida Oculta (2019), de Terrence Malick, é um exemplo de alguém que viveu movido pelo espírito inquieto.
É a personificação de tantos anônimos que, como nos lembra Malick, viveram fielmente uma vida oculta a partir da liberdade cristã da qual nos falou o Papa Francisco na catequese do dia 06-10-2021: "A verdade deve nos perturbar. A inquietação é um sinal de que o Espírito está trabalhando em nós. A liberdade deve nos fazer perguntas continuamente, para que possamos sempre ir mais fundo do que realmente somos. Descobrimos assim que o caminho da verdade e da liberdade é uma jornada cansativa que dura a vida toda. É cansativo ser livre, mas não impossível. Um caminho no qual o Amor que vem da Cruz nos guia e nos sustenta: o Amor que nos revela a verdade e nos dá liberdade. E este é o caminho da felicidade. A liberdade nos torna livres, alegres e felizes".