06 Março 2020
Cineasta culto, Terrence Malick mantém o mistério em torno de sua pessoa. Além da postura, ele se impõe como um autor extraordinário, por seu estilo e sua visão da natureza.
A reportagem é de Frédéric Theobald, publicada por La Vie, 05-12-2019. A tradução é de André Langer.
Rosto barbudo e usando um chapéu grande. Esta foi durante muito tempo uma das raras imagens de Terrence Malick. Quando muitos de seus colegas se apinham nas redes sociais e nas telas de televisão, ele opõe a essa superexposição da mídia o silêncio e a ausência. Uma postura digna de um Salinger? Damien Ziegler, autor do erudito e fascinante Dicionário Terrence Malick (LettMotif), não está longe de pensar isso: “Poderíamos falar de uma timidez doentia, mas é incompatível com a profissão de diretor. Isso, pelo contrário, vem de uma postura um pouco romântica: ‘Minha obra fala por mim’. O fato é que, quando você tem o status de cineasta culto, seu silêncio desperta curiosidade”.
Nome: Uma vida oculta
Nome Original: A hidden life
Cor filmagem: Colorida
Origem: Inglaterra
Ano de produção: 2019
Gênero: Drama
Duração: 174 min
Classificação: 14 anos
Direção: Terrence Malick
Elenco: August Diehl, Valerie Pachner
No entanto, é preciso nuançar. Terrence Malick apareceu no último Festival de Cannes, onde foi apresentado Uma Vida Oculta. É verdade que ele não andou no tapete vermelho ao lado de seus atores, mas esteve presente na exibição oficial. E se ele foge das entrevistas, ele já tomou a palavra, particularmente no festival South by Southwest, de Austin, no Texas. Sua cidade e seu Estado, uma vez que foi nesta terra do sul dos Estados Unidos que ele cresceu: ele foi interno da Escola Episcopal de Santo Estêvão de Austin antes de estudar filosofia em Harvard e concluir uma tese sobre Martin Heidegger.
Esse mundo rural de sua infância impregna seu cinema, particularmente seus dois primeiros longas-metragens, Terra de Ninguém (1973) e Cinzas no Paraíso (1978). Duas histórias marcadas pela erupção da violência em uma sociedade sem referências morais, dois filmes em que seu estilo já está surgindo: beleza formal, uso da voz off para permitir que os pensamentos dos personagens sejam ouvidos, questionamento metafísico sobre o lugar do homem no mundo... Essas duas obras-primas (Cinzas no Paraíso ganhou o prêmio de direção no Festival de Cannes de 1979) estabeleceram seu status de diretor culto. E a Paramount, que produziu e distribuiu o filme, dá a ele um cheque em branco para o próximo.
Em vez disso, Malick desaparecerá por quase 20 anos. Por quê? Várias razões se misturam: necessidade de se distanciar de Hollywood e da celebridade, impossibilidade de concluir um projeto sobre as origens do mundo (o futuro A Árvore da Vida), meandros da vida sentimental (ele conhece sua esposa, Michèle Morette, em Paris – como relatado mais tarde em Amor Pleno)... No entanto: a lenda Malick nasceu. E longe de desmoronar, ela só aumentará quando o cineasta voltar em 1998 com Além da Linha Vermelha, uma superprodução que conta um episódio da batalha de Guadalcanal, no Pacífico, em 1942.
Nick Nolte, que interpreta um coronel indo para a guerra, falou de como, durante as filmagens, Malick seguiu uma cena apenas pelo canto do olho, mais interessado em uma árvore e nas lagartas que devoravam as folhas. Resultado: o cineasta passou a meia hora seguinte filmando a árvore. Apesar de um orçamento astronômico (52 milhões de dólares na época), Malick constantemente violava as regras em vigor em Hollywood. Ele muda radicalmente o plano de trabalho – ele só quer filmar nas horas em que o sol se põe –, inicia uma cena para retomá-la uma semana depois, e se entrega ao luxo de trabalhar com estrelas, mas as elimina da versão final, como fez com Adrien Brody e Mickey Rourke. A montagem torna-se a principal etapa do processo de criação. Isso será ainda mais verdadeiro nos filmes seguintes.
Terrence Malick passa dias inteiros trancado, trabalhando com vários editores. Ele levará dois anos e meio para finalizar A Árvore da Vida. Tanto que o filme, anunciado para o 63º Festival de Cannes, será apresentado na edição seguinte, em 2011. Duas versões estarão finalmente disponíveis, uma para o cinema e a outra para a edição em vídeo. Já em 2005, O Novo Mundo, uma releitura do mito de Pocahontas, comportava três. “Cada uma delas é uma proposição. Como Malick é um cineasta por instinto, ele não busca a verdade objetiva, mas o impacto psicológico que nasce da associação de duas imagens”, explica Damien Ziegler. Por exemplo, “a justaposição de dois planos sucessivos da mesma ação, um pouco como um disco quebrado, dá a sensação de que o personagem se lembra”. Malick nunca para de quebrar a narrativa clássica, para compor como uma sinfonia onde, guiado pelo fio do pensamento, passado, presente e futuro se tornam um.
Autor extraordinário, Terrence Malick não se inscreve em uma tradição hollywoodiana, a de um cinema impregnado de natureza. Mas, novamente, ele se destaca de seus pares. Seus filmes parecem a princípio cantar um Éden ainda não profanado pelo homem: a América rural antes da mecanização de Cinzas no Paraíso, a América dos índios de O Novo Mundo, a ilha do Pacífico antes da tempestade em Além da Linha Vermelha ou ainda uma vila nos Alpes austríacos ainda poupada pelo furacão nazista em Uma Vida Oculta... No entanto, analisa Damien Ziegler, “Terrence Malick não filma um paraíso perdido, são seus personagens que acreditam ver tal paraíso. Mostra-lhe que essa crença em uma natureza pura, com auspícios benevolentes, não corresponde à realidade”. Em Uma Vida Oculta, o protagonista, Franz, preso, evoca a beleza de junho e murmura: “A natureza não vê a dor das pessoas”. Isso significa que a natureza seja estranha, ou mesmo indiferente, ao destino dos seres humanos? Não, estima Damien Ziegler. A natureza, segundo Malick, “evolui autonomamente”. “Franz acha a natureza tanto mais bela por ser igual a si mesma. Não é da natureza se elevar ao nível do homem; é o contrário. E então vem a recompensa: o livre dom da beleza”.
Dito com outras palavras, Malick convida o espectador a “discernir a beleza em uma mistura de ordem e de caos”. Um caos, no entanto, criativo. “Os filmes de Malick não terminam em desespero, enfatiza Damien Ziegler. O filho desaparecido de A Árvore da Vida certamente não ressuscita, como o soldado morto em ação de Além da Linha Vermelha, mas as imagens são radiantes, solares. Da mesma forma, Uma Vida Oculta não termina com a execução de Franz, mas na montanha e na mensagem de esperança de sua esposa”. Cineasta invisível, Terrence Malick também é o cineasta do invisível. Ou pelo menos aquele que nos ajuda a ver além das aparências.
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O mistério Terrence Malick - Instituto Humanitas Unisinos - IHU